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Companhias aéreas, bagagens, concorrência e estrogonofe

14 mar 2017, 23:56 - atualizado em 05 nov 2017, 14:06

Vladimir Damiani Caridá – Graduado em Economia Empresarial e Controladoria pela FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto), onde pesquisou sobre setor aéreo e estagiou numa consultoria. Atualmente, trabalha no setor financeiro e é corintiano não praticante. Texto publicado originalmente em Terraço Econômico

A partir de 14/03 (terça-feira), algumas medidas entram em vigor para o transporte aéreo brasileiro. A principal mudança é o fim da franquia gratuita obrigatória, que dava a cada passageiro o direito de despachar uma mala de até 23kg em voos domésticos. Com isso, as companhias aéreas ficam livres para cobrar por mala despachada e o Brasil deixa de integrar o grupo de países que estabelecem regras para bagagem – agora formado apenas por Venezuela, México, Rússia e China [1].

A decisão tem gerado discussão e levantado dúvidas quanto aos reais benefícios para o consumidor. O Procon-SP, por exemplo, já se manifestou contrário à medida, considerando-a um “retrocesso” [2]. Nesta terça, 13, na véspera da medida entrar em vigor, uma decisão liminar da Justiça Federal suspendeu a regra que autoriza a cobrança de mala despachada [3].Por outro lado, essa flexibilização permite que as empresas reduzam custos e ofertem passagens mais baratas, aumentando ainda mais a democratização das viagens de avião.

Para entender se os efeitos serão positivos ou negativos para o consumidor, tomemos dois exemplos, sendo o primeiro o preço das passagens aéreas (extremamente regulado pelo governo no passado) e o segundo, o serviço de bordo (que nunca sofreu regulação).

Até 2001, os preços das passagens de avião eram controlados pelo governo, que determinava bandas tarifárias que variavam de acordo com distância, classe e tipo de linha (regional ou nacional).

A partir de agosto de 2001, o governo federal baixou uma portaria [4] em que instituía a liberdade tarifária, permitindo que as empresas cobrassem o valor que desejassem. Tal medida estimulou a concorrência, aumentando os investimentos no setor e, por consequência, melhorando a qualidade e expandindo a abrangência da malha aérea. O gráfico a seguir, retirado de um estudo do setor aéreo no site do Senado Federal, mostra a evolução da tarifa média de voos no Brasil:

Fonte: [5]

Como pode-se notar, ficou mais barato voar após o governo parar de intervir nos preços. Não só a tarifa média das passagens caiu quase pela metade (de cerca de R$ 600 para pouco mais de R$ 300), como o preço médio que o passageiro paga para voar 1.000 km (chamado de yield tarifa aérea por 1.000 km) também se reduziu pela metade. Ainda, segundo o estudo, a oferta de assentos cresceu 137% entre 2002 e 2013 e a quantidade de passageiros transportados subiu 219%. Não podemos negar que a liberdade tarifária tem boa responsabilidade no feito de colocar milhões de brasileiros para viajar pela primeira vez de avião.

O segundo exemplo, como mencionado, é o serviço de bordo. Jamais o governo determinou a obrigatoriedade de servir comida e/ou bebida a bordo. Assim, cada companhia determina o que e como servi-lo. Até o fim dos anos 90, era relativamente comum refeições ou lanches em voos domésticos. Até que a Gol surgiu com uma proposta de oferecer preços baixos e inovou distribuindo barrinhas de cereais aos passageiros (opção muito mais barata que os lanches oferecidos por outras cias até então).

Com o crescimento da Gol, outras companhias entenderam que o consumidor preferia preço baixo a lanches. Assim, seguiu-se uma tendência de servir cada vez menos opções a bordo para reduzir custos.

Com as barrinhas virando motivo de piadas entre os passageiros, a Azul iniciou suas operações oferecendo como diferencial mais conforto ao voar e uma série de snacks e bebidas à vontade [6], ganhando mercado rapidamente.

Recentemente, a Gol decidiu criar um cardápio com diversos itens pagos à parte durante o voo. Entre as opções, estão saladas, macarrão, açaí e até mesmo estrogonofe [7]. Para quem não deseja comprar nada, a cia continua oferecendo biscoitos gratuitos.

Dito tudo isso, imagino que os 8 leitores que chegaram até aqui perceberam que a liberdade para cada empresa ofertar (ou não) comidas e bebidas a bordo permite que o passageiro tenha uma gama maior de opções para escolher se deseja viajar pagando menos ou com mais conforto, por exemplo.E cada empresa adapta-se de acordo com o que os passageiros demandam, sem que uma agência reguladora precise determinar o que o passageiro tem “direito” de comer a bordo.

O mesmo raciocínio valeu para a liberdade tarifária, reduzindo o preço das passagens e expandindo o setor aéreo, beneficiando empresas e consumidores. E o mesmo raciocínio deve valer para a franquia de bagagem.

Na Europa, a maior companhia em número de passageiros transportados é a Ryanair, que oferece passagens a partir de 9,99 euros (menos de R$ 35) que não dão direito à mala despachada, a serviço de bordo (até a água é paga) e nem mesmo a assento marcado. Todos esses serviços são opcionais e pagos a parte. Ao mesmo tempo, as cias tradicionais oferecem voos com lugar marcado, franquia de bagagem e serviço de bordo por um preço bem maior, claro. Cada passageiro escolhe o que acha melhor para si.

E, a longo prazo, a medida também tem o poder de atrair novas empresas para o setor, aumentando a concorrência, tal como ocorreu com a liberdade tarifária. Não custa lembrar, ainda, que nada impede determinada empresa de continuar oferecendo o despacho de bagagem gratuito como um diferencial para atrair mais passageiros. De qualquer forma, o impacto para o consumidor é positivo, uma vez que ganhará mais opções de escolha.

Retrocesso, portanto, é insistir numa visão excessivamente reguladora, tal qual a da Justiça Federal e a do Procon. Parece que o órgão governamental criado com o objetivo de proteger o consumidor não quer que pobre viaje de avião.

Notas

[1] http://oglobo.globo.com/brasil/passagens-aereas-novas-regras-para-franquia-de-bagagem-entram-em-vigor-partir-de-marco-20843708

[2] http://www.infomoney.com.br/minhas-financas/turismo/noticia/6206139/cobrar-bagagem-despachada-retrocesso-diz-procon-saiba-que-empresas-aderiram

[3] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/03/1866061-justica-suspende-cobranca-por-despacho-de-bagagens-em-voos.shtml

[4] Portaria nº 248, de 2001, do Ministério da Fazenda e ratificado pela Lei nº 11.182, de 2005, que também criou a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC)

[5] https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/boletins-legislativos/bol38

[6] http://www.voeazul.com.br/experiencia-azul/lanches-azul

[7] http://www.melhoresdestinos.com.br/gol-novo-cardapio-pago.html