Moedas

Como seria o mundo, se o iuan dividisse, com o dólar, o posto de moeda global?

15 out 2021, 8:11 - atualizado em 15 out 2021, 9:15
Yuan Moedas
Quais seriam as implicações de um cenário com o país asiático como a principal economia do mundo? Seria possível que o iuan, e não o dólar, virasse a moeda de referência? (Imagem: Reuters/Kim Kyung-Hoon)

As últimas décadas foram de grande transformação para o cenário geopolítico global. Se desde a Segunda Guerra os Estados Unidos carimbavam a posição de nação hegemônica, eles disputam agora o título de maior potência mundial com um concorrente de peso. Desde que emergiu como um caso de crescimento único, a China tem conseguido disseminar sua influência pelo globo.

Hoje, fica até difícil pensar em um mundo onde decisões político-econômicas chinesas não influenciam a dinâmica internacional, visto que o país é o principal parceiro comercial em muitas regiões. Por isso, é de se esperar que movimentos como restrições de exportação, desaceleração da economia e injeção de capital por parte da China ditassem o humor dos mercados.

Estima-se que a China vai superar os Estados Unidos e assumir o posto de maior potência mundial nos próximos anos. Mas quais seriam as implicações de um cenário com o país asiático como a principal economia do mundo? Seria possível que o iuan, e não o dólar, virasse a moeda de referência?

Para especialistas do mercado, é difícil imaginar um ambiente com o iuan maior ou tão forte como o dólar, porque isso nunca aconteceu.

“O mundo nunca teve uma moeda de referência como o dólar, até porque nunca foi tão integrado como hoje, no século XXI”, disse Zeller Bernardino, Head de Câmbio do Valor Investimentos, escritório credenciado pela XP, para o Money Times.

Segundo Bernardino, o dólar já está bem estabelecido no mercado, então uma mudança de moeda não seria um movimento tão simples de ser realizado.

“A influência do iuan está crescendo bastante no mundo, mas ainda está bem distante do dólar. O dólar ainda é a moeda de referência e deve continuar assim por mais tempo”, acrescentou o especialista.

O que Bernardino acha improvável de acontecer, no entanto, é ver dólar e iuan no mesmo patamar. Matheus Spiess, analista da Empiricus, é da mesma opinião. Para ele, dificilmente uma moeda chegará à posição do dólar.

“Não entendo que seja um cenário razoável o de dominação do iuan. Apesar da China ser a principal parceira global e a segunda potência do mundo, menos de 5% da reserva de valor de moeda estão em iuan; o resto está em dólar. A moeda do mundo é dólar”, defendeu Spiess, em conversa com o Money Times.

Os EUA têm um posicionamento geográfico único, defendeu o analista da Empiricus (Imagem: REUTERS/Aly Song)

O analista da Empiricus destacou que os Estados Unidos têm um posicionamento geográfico que os colocam em uma posição estratégica única.

“São gigantes, têm 300 milhões de pessoas, dinheiro, economia, poder, influência, militar, acesso a dois oceanos… Não tem como reproduzir isso na China. A China é gigante, tem muita gente, mas não tem o posicionamento geográfico dos Estados Unidos. A gente não consegue repetir o que vimos nos Estados Unidos”, afirmou.

O que pode haver, por outro lado, é um fortalecimento do iuan.

Moeda alternativa

Apesar do governo chinês ter costume de mexer na sua moeda para torná-la mais barata e facilitar as exportações, os especialistas entendem que a China tem adotado uma postura de ataque para fortalecer sua presença global – seja por meio das suas empresas, da sua cultura ou da sua moeda.

Segundo Bernardino, faz sentido que a gigante asiática comece a usar a própria moeda como referência para suas transações, uma vez que sua influência está se expandindo e novas soluções começam a surgir nos mercados – o iuan digital, por exemplo.

“É natural que ela queira que sua moeda também se expanda, até para aumentar a facilidade que ela tem de fazer comércio com o mundo”, destacou.

Atualmente, as cinco moedas consideradas mais fortes pelo mercado são dólar, euro, franco-suíço, libra esterlina e iene. Se a diferença entre iuan e euro, segunda principal moeda do mundo, já é muito grande, dá para imaginar que a moeda chinesa tem um longo caminho para percorrer até alcançar uma posição parecida com a do dólar.

Isso não quer dizer que é impossível. Para Spiess, o iuan pode se fortalecer e engrossar a lista das principais moedas para a economia mundial, mas como investimento alternativo.

Mas tal cenário não deve se concretizar agora. O que se tem visto, na verdade, são pressões na China que estão afastando o capital estrangeiro, favorecendo uma desvalorização da moeda.

De acordo com Spiess, além de questões regulatórias, principalmente no que diz respeito ao setor de tecnologia, o caso Evergrande e a crise energética criam ruídos que acabam empurrando recursos para longe do país. Além disso, os países desenvolvidos devem começar a apertar sua política monetária, movimento que tende a fortalecer a moeda.

“Considerando que os países desenvolvidos vão apertar sua política monetária, a China, que está nessas condições complicadas – regulação, Covid, crise energética e Evergrande -, acaba sendo uma moeda mais fraca em relação ao dólar nos próximos anos”, afirmou Spiess.

Dentro de um cenário de maior regionalização no mundo, haveria uma “moeda gigante”, no caso o dólar, e o iuan como moeda de influência no círculo onde a China é preponderante (Imagem: Reuters/Petar Kujundzic)

E se…?

Bernardino e Spiess deixaram claro que é improvável que o iuan substitua o dólar, mas existe a possibilidade (ainda que longínqua) das duas moedas coexistirem em posição de destaque.

Com o enfraquecimento da ideia de “Chinamerica”, um mundo  em que a globalização vai ficar um pouco de lado e haverá maior regionalização em resposta às cadeias de suprimentos começa a tomar forma.

Segundo Spiess, as nações estariam divididas em dois grandes blocos, pelo menos: o bloco ocidental e o bloco da China.

O bloco ocidental não seria formado só de países do Ocidente; haveria países do Oriente parceiros dos Estados Unidos e da Europa – por exemplo, Austrália, Coreia do Sul, Taiwan e Japão. No entanto, eles não abririam mão da conexão com a China.

“As coisas continuariam interligadas, mas teria uma divisão mais clara entre o que é Ocidente (EUA, Europa e os parceiros que estão no Oriente) e o resto, que seria da China, cobrindo potencialmente África e Sudeste Asiático”, disse o analista da Empiricus.

Spiess disse que, dentro desse cenário de maior regionalização, haveria uma “moeda gigante”, no caso o dólar, e o iuan como moeda de influência no círculo onde a China é preponderante.

A polarização seria ainda maior, com respostas por parte dos Estados Unidos ao desdobramento chinês se tornando mais frequentes.

Spiess também comentou que, para esse cenário acontecer, haveria uma realização muito forte. Ressaltou, no entanto, que são especulações.

“É difícil fazer esse tipo de especulação, porque a gente nunca teve outra moeda que não fosse o dólar. Antes do dólar era o ouro”, reforçou o analista.