Economia

Como o Brasil (e o mundo) distribui renda?

20 fev 2019, 19:35 - atualizado em 20 fev 2019, 20:02

Por Daniel Duque, mestrando em ciências econômicas na UFRJ e pesquisador do FGV/IBRE, na área de Mercado de Trabalho, para o Ekonomus

Desde o lançamento de “O Capital no Século XXI”, escrito pelo economista Thomas Piketty em 2014, o mundo voltou a debater intensamente o papel do Estado na redistribuição de renda. Recentemente, as políticas tributárias pró-empresas do Governo Trump trouxeram novamente à tona esse tema e, aqui no Brasil, a eleição de Bolsonaro com a promessa de uma reforma tributária e previdenciária estão para colocá-lo também na agenda nacional.

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Para se compreender como o Estado influencia a distribuição de renda no país em sua forma mais direta, é preciso entender os conceitos de “Market income” (ou “Renda de Mercado”) e “Disposable Income” (ou “Renda Disponível”). O primeiro define a renda que os indivíduos auferem no mercado, antes mesmo de pagar ou receber qualquer valor para/do Setor Público. Ou seja, são puramente os salários, lucros e aluguéis que recebemos sem o pagamento de qualquer taxa ou imposto. Já o segundo, por sua vez, denota todas as rendas que recebemos, incluindo as transferências do Estado (como aposentadorias, pensões e Bolsa Família), mas também já descontados os impostos.

Desse modo, um Estado é muito redistributivo se a desigualdade da renda disponível for muito menor do que a da renda de mercado. Felizmente, o economista Frederick Solt criou uma grande base chamada “Standardized World Income Inequality Database (SWIID)”, que inclui dados do Índice de Gini, que calcula a desigualdade de renda, para a renda do mercado e para a renda disponível de diversos países do mundo desde a década de 60. Com isso, é possível visualizar a relação entre os dois índices para cada país no mundo.

O Gráfico 1, abaixo, mostra no eixo x a média entre os anos 2005 e 2015 do que vamos chamar de “Market Gini” (medindo, de 0 a 100, a desigualdade da renda de mercado) e, no eixo y, a média no mesmo período do que vamos chamar de “Disposable Gini” (medindo na mesma escala a desigualdade da renda disponível).

Gráfico 1: Desigualdade recente da Renda de Mercado e Disponível no Mundo (2005-15)

2005-15 Gini Average 3

Fonte: Standardized World Income Inequality Database (SWIID); Elaboração própria (Observação: os países da América Central estão incluídos na América do Norte)

Como se vê, o Gráfico separa os países por continente, permitindo traçar uma linha de redistribuição continental, o que possibilita comparar com a linha preta, que demarca aonde estariam os países que não redistribuem (nem para cima nem para baixo) nada da renda. Quanto mais afastada a linha continental está da linha preta, mais os países do continente são redistributivos.  Da mesma forma, um ângulo menor significa que o Estado está redistribuindo mais renda conforme ela se concentra no mercado, de modo que o aumento de concentração da renda disponível é menor.

O Gráfico 1 já dá diversas informações importantes. Primeiro: a Europa é, de longe, o continente onde os Estados são mais redistributivos. Da mesma forma, todos os outros parecem redistribuir muito pouco, com exceção de dois na Oceania (Nova Zelândia e Austrália) e um na América do Norte (Canadá). Já o Brasil, representado no Gráfico 1 pelo ponto verde em meio a outros rosas, na América do Sul, parece está relativamente melhor do que a média, ainda que atrás da Europa e dos países previamente citados.

Para visualizar o que tem acontecido no mundo ao longo do tempo,  o Gráfico 2 mostra um gif dos mesmos dados do primeiro, mas para cada ano desde 1993. Ainda que ele tenha a vantagem de mostrar como tem evoluído a redistribuição dos Estados por continente, para a Oceania, que têm poucos países, cujos dados nem sempre estão disponíveis, a linha de redistribuição assume comportamento pouco estável.

Gráfico 2: Desigualdade de Renda de Mercado e Disponível no Mundo, por ano

Mapa Mundo Gini 93-15

Fonte: Standardized World Income Inequality Database (SWIID); Elaboração própria (Observação: os países da América Central estão incluídos na América do Norte)

O Gráfico 2 já dá algumas mais informações: primeiramente, se vê pelo movimento no eixo x um lento, mas consistente processo de aumento da desigualdade da renda de mercado na América do Norte e da Europa (principalmente nos anos 90), enquanto na América do Sul acontece o inverso, os pontos estão se deslocando para a esquerda no eixo x, o que mostra uma redução da concentração. Outro fator possível de visualizar são as linhas de redistribuição, que parecem pouco se alterar, o que evidencia uma grande estabilidade histórica no grau redistributivo dos Estados por continente.

Analisando mais especificamente a América do Sul (e, por consequência, o Brasil), o Gráfico 3 dá as mesmas informações do último, mas apenas para esse continente, nos anos de 2005 a 2015. Como é possível observar, de fato há uma queda muito relevante do Gini da Renda de Mercado nesse período, indicando um alto grau de desconcentração dos rendimentos do trabalho, lucro e aluguel. Da mesma forma, confirmando o Gráfico anterior, este mostra uma grande estabilidade da linha de redistribuição, indicando que não está havendo grande mudança do papel do Estado nesse ramo entre esses anos.

Gráfico 3: Desigualdade de Renda de Mercado e Disponível na América do Sul, por ano

Mapa South America Gini 05-15

Fonte: Standardized World Income Inequality Database (SWIID); Elaboração própria

O Brasil, como se vê, é o país com maior desigualdade de Renda de Mercado, com exceção do Suriname, que aparece apenas em 2005. No entanto, quando se analisa a Renda Disponível, a desigualdade brasileira fica sempre atrás da registrada na Colômbia, e em muitos anos também atrás da do Peru, Paraguai e Bolívia. Isso significa que, apesar de nossa sociedade ser a mais desigual do Continente, nosso Estado é também um dos que mais redistribuem renda.

Podemos analisar especificamente o Brasil fazendo um Gráfico da diferença entre o Gini da Renda de Mercado e o da Renda Disponível, para a avaliar a evolução do grau de redistribuição do Estado Brasileiro ao londo dos anos. Felizmente, nessa base há dados disponíveis para o país desde a década de 60, de modo que é possível visualizar essa relação por um longo horizonte de tempo, evidenciado no Gráfico 4.

Gráfico 4: Diferença da desigualdade de Renda de Mercado e Disponível no Brasil

Brazil ao Longo do Tempo

Fonte: Standardized World Income Inequality Database (SWIID); Elaboração própria

O Gráfico mostra a impressionante estabilidade da redistribuição do Estado ao longo do tempo. Uma única mudança de patamar ocorreu nos anos 60, passando de 8 para 9 pontos de Gini de diferença, e assim se mantendo até os anos 2000, a partir de quando há menor estabilidade e se aparenta haver uma tendência de alta, mas que é fortemente revertida nos anos finais.

Os Gráficos acima puderam fornecer diversas informações. Em primeiro lugar, mostra-se que, com exceção da Europa e alguns outros poucos países desenvolvidos, os Estados no mundo redistribuem muito pouco a renda, com uma diferença entre o Gini da Renda de Mercado e a Disponível geralmente entre 5 e 10 pontos de 100. O Brasil não escapa deste último grupo, mas está até um pouco melhor com relação à média mundial e aos seus vizinhos. Para um país ainda em desenvolvimento, portanto, nosso grau de redistribuição é até um pouco melhor do que o que se vê no resto do mundo.

Além disso, há pouca evidência de uma grande mudança recente no papel dos Estados – incluindo o Brasil – na redistribuição de rendimentos, com uma grande estabilidade da relação da desigualdade entre as duas rendas ao longo dos últimos 20 anos. Dessa forma, nem parece que estamos em uma tendência de redução do Estado de Bem Estar Social, como também não há evidência de que estamos aumentando a progressividade dos impostos e redistribuições no mundo.

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