Coluna do Fernando Luiz

Como Americanas (AMER3) e Light (LIGT3) colocam em xeque a indústria de fundos

18 maio 2023, 14:45 - atualizado em 18 maio 2023, 15:43
Americanas
“Crédito privado corporativo não é para pessoa física e muito menos para amadores”, discorre o colunista (Imagem: Renan Dantas/Money Times)

Assim como no caso da crise da Americanas (AMER3), muitos fundos de investimentos, distribuídos no mercado como de baixo risco com retornos próximos ao CDI, estão sendo impactados com cotas negativas por conta da recuperação judicial da Light (LIGT3).

Estima-se que há 26 fundos de crédito com cerca de 3 milhões de cotistas que tiveram perdas com a desvalorização dos títulos da empresa.

Estes milhões de investidores foram pegos de surpresa, sofrendo as consequências dos riscos assimétricos assumidos pelos gestores, o que prejudica a confiança da indústria como um todo.

Os cotistas já vinham retirando recursos dos fundos. Segundo dados da Anbima, em abril, a indústria de fundos de investimento registrou saques líquidos de R$ 43,2 bilhões. É o pior resultado do ano e o sexto mês consecutivo em que o setor registra mais resgates do que aportes.

Sabe-se que, pelo regulamento, os fundos DI e gestores têm autorização para alocar até 10% dos recursos em crédito privado corporativo e o risco é apresentado como “estatístico”.

No entanto, na prática, isso tem gerado perdas para investidores que só querem alocar seu capital sem riscos e dormirem tranquilos, mesmo que para isso tenham que abrir mão da possibilidade de um retorno maior.

No final do dia, tais fundos apresentam uma assimetria absurda quando falamos da relação risco e retorno e os desavisados cotistas são surpreendidos em situações como esta. Ao decidirem alocar parte do capital em crédito corporativo privado, o gestor transforma o risco de parte do fundo em binário.

Explicando melhor, se a empresa está em dia com as suas contas, não há volatilidade no valor do título de crédito privado, ao contrário do que ocorre com as ações. No entanto, se as dívidas deixam de ser pagas, como no caso da Americanas e agora Light, o ativo simplesmente despenca e as perdas se tornam evidentes, resultando em cotas negativas.

Ora, o paradoxo está dado: fundos DI deveriam ter risco e retorno próximos aos do CDI e é isso que o investidor espera. Mas, tais fundos rendem muito pouco para os riscos que correm. Assim, ou deveriam dar uma rentabilidade maior ao cotista, deixando claro que existe probabilidade de perda, ou evitar colocar ativos deste tipo em carteira.

De toda forma, na realidade atual, em até 10% do PL de tais fundos, existe o risco binário. E ele está estampado no regulamento. O problema é que gerentes e os assessores, convenientemente, esquecem de avisar os cotistas que também nunca leram os tais regulamentos.

Crédito privado corporativo não é para pessoa física e muito menos para amadores. É preciso de uma gestão profissional para controlar de forma assertiva os riscos e entender a dinâmica de diversificação que funciona. Correr este tipo de risco requer que a rentabilidade exigida também seja mais alta e a entrega ao investidor deveria ser muito acima do CDI.

Foi justamente esta assimetria que me deixou reticente em aplicar em fundos DI, quando vendi minha empresa e queria deixar o dinheiro líquido para encontrar outro investimento interessante.

Reserva de emergência não é para correr um risco desta magnitude e este tipo de investimento tampouco é para conservadores. Um fundo caixa jamais deveria ter crédito privado corporativo em seu portfólio.

Esta é a filosofia que seguimos na Trópico Investimentos. Risco é risco, mesmo que tenha nome de estatístico.