Mercados

Como a pandemia fez o mais longo bull market da história terminar em pânico

13 mar 2020, 19:46 - atualizado em 13 mar 2020, 19:46
O choque transformou a preocupação com o coronavírus em pânico total, varreu trilhões de dólares dos mercados acionários da Ásia (Imagem: Reuters/Aly Song)

Enquanto um colapso no preço do petróleo provocava caos nos mercados financeiros globais, o gestor de recursos de Madri Diego Parrilla telefonou para um colega que concordou: era melhor irem trabalhar de manhã logo cedo.

Ainda de manhã, o preço do petróleo já havia perdido um terço do valor.

O choque transformou a preocupação com o coronavírus em pânico total, varreu trilhões de dólares dos mercados acionários da Ásia e ditou fortes quedas dos futuros das bolsas europeias e norte-americanas.

“Avaliamos o livro”, disse Parrilla, que administra um fundo de 300 milhões de euros comprado em ouro e bônus e que usa opções para apostar em quase tudo, menos em dólares. “Estávamos em boa posição”, disse ele. “Decidimos em quais partes do portfólio iríamos realizar lucros primeiro.”

Assim começou a pior semana de Wall Street desde 2008, que fez de Parrilla um dos poucos vencedores em meio ao abalo que encerrou o mais longo bull market (mercado em alta) da história dos EUA. Seu fundo Quadriga Igneo tem alta de 30% em 2020.

O apagão também expôs a complacência do mercado conforme os preços batiam recordes em fevereiro e a inadequação de seus hedges à medida que as correlações de risco se deterioravam.

O tombo de 30% abriu crateras em moedas ligadas ao petróleo –o rublo russo desabou 9%– e nos preços das ações das principais petrolíferas (Imagem: REUTERS/Heinz-Peter Bader)

“São nestes tempos que grandes fortunas são construídas, e não nos mercados de alta”, disse James Rosenberg, consultor privado e gestor de patrimônio na Baillieu Holst, em Sydney.

“Mas você precisa comprar as empresas certas, precisa ter apetite por um pouco de dor e miséria e precisa ser paciente.”

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Choque do petróleo

A reviravolta que levou mercados já estressados ​​pelo surto global de coronavírus a dar uma guinada foi uma queda no já fraco preço do petróleo, que se seguiu à decisão da Arábia Saudita de iniciar uma guerra de preços com a Rússia.

O tombo de 30% abriu crateras em moedas ligadas ao petróleo –o rublo russo desabou 9%– e nos preços das ações das principais petrolíferas –da Shell à Exxon Mobil, passando pela Petrobras (PETR3;PETRE4) –, que sofreram quedas percentuais de dois dígitos.

No fim do dia, os títulos de empresas petrolíferas fortemente endividadas estavam sendo negociados muitas vezes abaixo do seu valor nominal, e os temores de uma crise de crédito cresceram.

Foi nesse ponto que Parrilla –que havia argumentado há anos que as ações estavam supervalorizadas e que o custo de apostar contra elas no mercado de opções tinha bom valor– fez novas apostas.

As conversas nos pregões e nas mesas de gestoras de Sydney a Cingapura, Hong Kong, Londres, Nova York e São Paulo eram de crise (Imagem: REUTERS/Kai Pfaffenbach)

“Chegamos à segunda-feira e vemos que as coisas estão acontecendo. E, de um ponto de vista disciplinado, estávamos operando mais em mercados que estavam atrasados, como o VIX”, disse ele, referindo-se ao índice de volatilidade da CBOE, “termômetro do medo” de Wall Street.

As conversas nos pregões e nas mesas de gestoras de Sydney a Cingapura, Hong Kong, Londres, Nova York e São Paulo eram de crise.

“Quando essas grandes coisas acontecem, você não tem espaço”, disse Sean Taylor, diretor de investimentos para Ásia-Pacífico da empresa alemã de gestão de ativos DWS. “Você não pode realmente operar os fundamentos, não está no preço”, disse.

Taylor passou a noite em uma ligação telefônica com outros chefes regionais para discutir a mudança do petróleo, seguido de outra reunião na noite seguinte para examinar as previsões econômicas globais.

“Quando isso acontece, você não pode fazer muito a respeito”, disse Taylor, cuja experiência nas crises financeiras mexicanas, russas e asiática nos anos 1990 e na crise financeira global de 2008 lhe ensinou lições difíceis sobre liquidez e o ajudou a se preparar.

O anúncio do presidente dos EUA, Donald Trump, na quarta-feira, de restrições surpreendentes às viagens de 26 países europeus colocaram os índices de ações em queda livre (Imagem: Facebook/Casa Branca)

“As pessoas riem das técnicas antiquadas dos caras mais velhos, mas quando isso acontece, nos saímos um pouco melhor, porque você não é pego com midcaps (empresas na faixa média de valor de mercado) e liquidez. É a liquidez que realmente te pega nesses mercados”, disse.

Confusão na quarta-feira

É mais ou menos o que aconteceu durante o restante da semana, depois do que se provou ser um voo de galinha na terça-feira.

O anúncio do presidente dos EUA, Donald Trump, na quarta-feira, de restrições surpreendentes às viagens de 26 países europeus, seu fracasso em mencionar medidas médicas que seriam tomadas para combater o coronavírus e a decepção com a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de não reduzir as taxas de juros não colocaram apenas os índices de ações em queda livre.

Em vez de fugirem para ativos de refúgio, investidores os venderam para cobrir outras perdas. Os rendimentos dos bônus, que haviam mergulhado apenas alguns dias antes, aumentaram. Ao mesmo tempo, a volatilidade no mercado de câmbio disparou mais com o aperto na liquidez.

“As quantias são menores, mas os spreads são muito maiores porque a liquidez está começando a desaparecer do sistema”, disse Stuart Oakley, chefe global de fluxo de câmbio da Nomura em Cingapura.

Tudo havia se tornado uma disputa alucinada por dólares e nada mais, com o índice Dow Jones da bolsa de Nova York sofrendo sua maior queda diária desde 1987 (Imagem: Reuters/Andrew Kelly)

“Os mercados se tornaram tão desordenados que as correlações entre ativos e moedas se deterioraram completamente. Estamos em um mundo completamente diferente. É um grande momento assustador, porque te diz que as pessoas estão sendo forçadas a desfazer posições.”

Quinta-feira negra

Na quinta, tudo havia se tornado uma disputa alucinada por dólares e nada mais, com o índice Dow Jones da bolsa de Nova York sofrendo sua maior queda diária desde 1987.

Após uma grande recuperação nesta sexta-feira, o Dow fechou a semana com queda acumulada de 10,4%, enquanto o índice S&P 500 perdeu 8,9%.

Quando o australiano Geoff Wilson, gestor de fundos, acordou como de costume às 2h, o solitário tom de voz na CNBC foi suficiente para saber que o crash para o qual ele havia começado a se preparar estava acontecendo.

“Aconteceu muito rapidamente”, disse Wilson, cuja empresa Wilson Asset Management administra cerca de 1,84 bilhão de dólares norte-americanos e mais do que dobrara sua exposição a cash (estratégia mais defensiva) nas últimas três semanas.

“Para mim, isso é uma combinação de 1987 e a crise financeira global”, disse ele, depois de passar a semana entre o trabalho e a casa revisitando todas as teses de investimentos para limpar a carteira de ações fracas.

Parrilla, em Madri  aposta em mais desaceleração na China (Imagem: Unsplash/@markuswinkler)

“Nós as tínhamos comprado porque quando as taxas de juros estão baixas e a economia está razoavelmente bem a dívida não era uma grande preocupação… agora isso já era.”

Ao fim da semana, o índice STOXX 600 –referência para as ações europeias– caiu 18%. O índice ASX 200 da Austrália tombou 11%, e norte-americano S&P 500 concluiu sua pior semana desde 2008.

Como Parrilla, em Madri, que aposta em mais desaceleração na China, Wilson espera que as coisas piorem antes de melhorarem.

Outros, no entanto, estão achando alguns dos descontos irresistíveis.

Scott Flanders, ex-diretor executivo da Playboy Enterprises e chefe da seguradora online eHealth, ligou para seus corretores em Nova York na hora do café da manhã em Palo Alto, Califórnia, na segunda-feira. “Estou colocando dinheiro para trabalhar agora”, disse ele.

“Comprei 5 mil ações do JPMorgan, comprei Bank of America e Citigroup. Eles (os bancos) estão sendo atingidos com força… mas estão muito mais capitalizados do que durante a crise de 2008.”