Combustíveis: Até quando os preços no Brasil serão afetados pela guerra na Ucrânia?
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Em meio a negociações turbulentas, não há expectativas no cenário internacional de que o preço do petróleo volte tão cedo ao patamar anterior à invasão da Ucrânia pela Rússia. A má notícia é que, para o Brasil, o cenário indica continuidade na alta no preço dos combustíveis.
Na manhã desta segunda-feira (21), o barril de petróleo do tipo Brent, que em momentos de tensão no conflito ultrapassou a marca histórica dos US$ 130, era negociado no patamar dos US$ 115. Antes da invasão, negociações rondavam os US$ 95.
Com a disparada no preço da commodity no mercado internacional, a Petrobras (PETR4) anunciou no dia 11 de março um reajuste de quase 19% no preço da gasolina e 25% no diesel, gerando insatisfações por parte do governo e população.
“Imprevisível”
Para Antonio Gelis Filho, professor da FGV e especialista em geopolítica, as sanções sofridas pela Rússia torna o cenário menos controlado do que qualquer outra crise de abastecimento no mercado do petróleo já vista.
Comparando o momento atual aos choques do petróleo dos anos 1970, quando os países árabes interromperam a exportação em meio a um conflito geopolítico com Israel, o professor é mais pessimista com o presente.
“Em 73, se alguém quisesse acabar com o choque, poderia naquele exato momento. O resultado era uma decisão sobre a qual se tinha controle potencial. Agora, não”, diz.
Segundo Gelis Filho, a Rússia, ao se preparar para dar início ao conflito, se programou para receber e suportar as sanções impostas.
Na última sexta-feira (18), Putin discursou para milhares de pessoas, em um estádio lotado para a comemoração da anexação da Crimeia, e aproveitou para dar sua visão sobre o que está em curso na Ucrânia. Na ocasião, o líder exaltou a “operação especial”.
O especialista acredita que muitas nações, inclusive europeias, não serão capazes de seguir os EUA, país com maior autonomia energética, na esteira de embargos. “Existe muito espaço pra Rússia agir”, afirma.
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Política de preços
No cenário doméstico, as discussões recaem sobre o que a Petrobras pode ou não fazer para atenuar o impacto da flutuação internacional dos preços do petróleo no bolso do consumidor.
O presidente Jair Bolsonaro, atendendo aos caminhoneiros, uma de suas bases mais fiéis, frequentemente demonstra insatisfação com a política de preços da empresa, e há a expectativa de que ele troque novamente a chefia da estatal, com a recente “fritura” pública do General Luna e Silva.
No dia 16 de março, por exemplo, Bolsonaro disse a jornalistas que “existe a possibilidade” de substituição do general. Em posicionamentos mais recentes, o presidente recuou e chegou a rechaçar a possibilidade de uma interferência, a qual não é vista com bons olhos por agentes de mercado.
“Grande erro”
Para Alessandra Ribeiro, sócia-diretora da Tendências, a estatal não deveria agir em sentido de segurar os preços do combustíveis. “Como empresa, ela busca ser mais eficiente o possível para dar retorno a seu acionista“, diz.
Apesar de ter a União como acionista majoritária, a Petrobras também tem acionistas privados, que, segundo Ribeiro, acabam pagando injustamente pelo financiamento de uma política pública de controle de preços.
Dependência da gasolina
Para Paulo Feldman, economista e professor da USP, o maior problema encontra-se no fato de que o país é dependente da gasolina, derivada do petróleo, quando poderia ter autonomia no uso do etanol.
“Somos o único país do mundo que poderia ter evitado cair nessa crise” disse, referindo-se à alta dos preços dos combustíveis.
O economista afirma que o país tem capacidade produtiva e estrutura para expandir o uso do biocombustível, mas não o faz porque usineiros preferem lucrar exportando açúcar e mandando etanol para o mercado internacional.
Dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) apontam que a exportação de etanol, na safra de 2020 a 2021, movimentou cerca de R$ 6,8 bilhões, contra R$ 4 bilhões da safra de 2019 a 2020. Para o período de 2021 a 2022, o valor já chega a R$ 5 bilhões.
Para Feldman, caberia ao governo um pacote de estímulos para que donos de usinas voltassem suas produções ao mercado interno.
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Pacotes legislativos
Desde o início da crise, o Congresso se mobilizou para aprovar projetos com o objetivo de aliviar o impacto no bolso do consumidor.
Mas, segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado, os pacotes propostos pelo governo para contornar o aumento, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a isenção do PIS/Cofins, devem causar perda de arrecadação e promover rombo de mais de R$ 30 bilhões nas contas públicas.
Feldman acredita que a redução dos impostos não vai ser capaz de resolver a situação. “O governo está achando que vai fazer mágica com os impostos, mas vai acabar piorando a situação”, afirma.
O professor lembra que o mercado tende a reagir com desconfiança a rombos nas finanças públicas, o que desvaloriza o real e deteriora a situação macroeconômica como um todo.