Brasil

Com value investing tropical, Carlos Herrera vê maiores dividendos na Bolsa em 2018

21 dez 2017, 12:47 - atualizado em 21 dez 2017, 16:09
Carlos Herrera
(Foto: Facebook)

Se no longo prazo todos estaremos mortos, no curto prazo emergente latino-americano beiramos o precipício de tempos em tempos. Chile, México, Peru e Colômbia atravessaram pontos de inflexão em um padrão que flerta com o caos, mas pode culminar em décadas de crescimento, enriquecendo quem apostou no mercado de ações. É isso que passa pela cabeça de Carlos Herrera, analista da casa de análise Eleven Financial, ao estudar o cenário atual do Brasil. “É uma oportunidade”, disse em entrevista ao Money Times.

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Engenheiro com mestrado em economia de minerais, Herrera contou que se debruça na metodologia de value investing focada em dividendos aplicada a países em desenvolvimento, como o Brasil. Nesse value investing tropicalizado, a ideia de casar com uma ação ao estilo católico deve ser repensada, afinal, há cisnes para todos os gostos.

“O foco é longo prazo, mas seguir pragmático. Isso de ficar a vida toda só existe nos livros, em países que tudo está equacionado e as coisas funcionam super bem. Mas aqui o bom é justamente não ter ainda as coisas equacionadas, pois aí há ótimos retornos a serem capturados”, afirmou. Olhando para 2018, o analista prevê dividendos maiores das empresas brasileiras, mesmo em caso de recuperação mais tímida da economia, em razão da lição de casa provocada pela crise.

O método do Herrera de garimpar ações descontadas, com falta de consenso, sob a premissa de longo prazo, segue quatro critérios de seleção de empresas: uma gestão financeira conservadora (ou que esteja indo nessa direção); capacidade de gerar uma rentabilidade alta no longo prazo; boa geração de caixa; e um valuation atraente. “Dificilmente você encontrará todos eles ocorrendo ao mesmo tempo sem que haja algum bom grau de incerteza. Por outro lado, é essa incerteza que oferece assimetrias e boas oportunidades.”

Chileno naturalizado brasileiro, Herrera gosta de política. Sem palpitar especificamente sobre candidaturas, fez um paralelo da corrida presidencial no Brasil em 2018 com a chegada ao poder de Ollanta Humala, no Peru, em 2011. “Há momentos em que os incentivos dos políticos estão alinhados com os incentivos da população”, avalia. “Creio que há uma chance de que mesmo se houver algum candidato no segundo turno que, aparentemente, não seja pró-mercado, ele necessariamente terá que fazer alguma mudança para continuar o processo de reformas do qual o mercado está gostando.”

Leia, a seguir, os principais trechos da conversa do Money Times com o analista da Eleven, Carlos Herrera:

Filosofia de investimento

O value investing precisa ser adaptado. Se for muito dogmático e seguir à risca o conselho do value investing de buscar companhias muito boas com as quais você deveria ficar casado ao jeito católico para a vida toda, isso aqui no Brasil não funciona. Curiosamente, sendo o país mais católico do mundo, ninguém vai à missa e muitos se divorciam. Então, você tem que se adaptar. Se até o catolicismo aqui se adaptou, por que o value investing não vai se tropicalizar também?

É preciso ser pragmático. Muitas vezes você faz um trabalho certo, a partir das suposições certas, mas acontece alguma coisa inesperada que muda tudo do dia para a noite e você vai se dar mal. Há a opção de ficar se lamentando ou agir – e você tem que agir. Isso se chama ser pragmático. Ter a mente fria e tropicalizar o value investing. A minha filosofia é um value investing adaptado, que considera o contexto local para construir riqueza no longo prazo.

Experiência latino-americana

Nós pensamos que o Brasil é super imprevisível. Mas esse cenário caótico não era muito diferente do que acontecia no Chile em 1990, no México em 1995, e na Colômbia, no ano 2000. Todos esses países atravessaram períodos de 10, 15, 20 ou 30 anos de ritmo de crescimento do PIB de 5% ao ano. O mercado acionário andou bastante, e quem investiu ficou rico. Em suma, a imprevisibilidade é normal na América Latina.

Aprendi na pessoa física o que aconteceu quando eu estava no Chile, entre 1990 e 2003. Nesse período aconteceu o maior boom na Bolsa do Chile e na economia chilena. O PIB cresceu 5% ao ano, a inflação convergiu para 0% real, e quem investiu na Bolsa conseguiu retorno de 46 vezes em dólares (entre 1990 e 2010), ante a renda fixa que rendeu 2 vezes. O dilema em 1990 era mais ou menos o mesmo: um caos político, incertezas, taxa de juros elevada e o dividendo yield muito baixo. A opção era investir na renda fixa que rendia 7% ao ano real ou investir na Bolsa, com o dividend yield das empresas em 2%. Até que a economia começou a andar, por 20 anos, crescendo, a taxa de juros caiu, e as ações que rendiam pouquíssimo, começaram a aumentar os lucros.

Acho que é mais ou menos o ciclo onde estamos no Brasil. O cenário politico é imprevisível hoje pelas eleições. Enquanto o cenário macro sempre vive sob ameaça de mudança disruptiva. Ao se investir aqui é preciso estar ciente de que haverá cisnes aparecendo com mais frequência do que em outros países. Cisnes de todas as cores: negros, ruivos e etc. Não somente cisnes: há dias que aparece o zoológico inteiro.

Por outro lado, isso é uma oportunidade. Quando falamos em criação de riqueza no longo prazo precisamos de eventos que tragam insegurança para que companhias ótimas fiquem extremamente descontadas e você consiga se posicionar. Então isso está a favor do investidor do longo prazo, e não contra.

Garimpando dividendos

É preciso cuidado para não cair em certos clichês que podem funcionar no exterior e não aqui. Um exemplo é essa teoria de comprar papéis que pagam bons dividendos, só porque pagam bons dividendos, como o setor elétrico. Isso não faz sentido per se. Essa premissa traz a suposição de que o entorno macro estará estável pelos próximos 20 anos, com regulação estável. Nada disso se aplica aqui. Aqui investe-se em ações. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitas companhias são consideradas proxy de renda fixa.

Eu recomendo pensar no retorno de dividend yield mais ganho de capital. Como estamos em um ponto de inflexão, saindo da maior recessão do século, o dividend yield será pequeno. Então preste atenção ao ganho de capital. Não adianta ganhar 20% de dividend yield no que eu chamo de ‘vaca morta’ se a empresa está pagando isso se endividando, ou a partir da venda de um ativo essencial, que faz com que o ativo caia 50%. Ou seja, você andou para trás, isso não é recorrente. O dividend yield é só um carimbo de qualidade, uma métrica de valuation. É uma parte dos critérios que utilizo. Mas é preciso ser mais flexível do que seria em um país desenvolvido.

Método de seleção de ativos

Procure empresa que tenha um endividamento baixo ou uma política financeira estável. Capaz de entregar uma rentabilidade razoável, decente, dotada de vantagens competitivas que permitam produzir um ROE, um ROIC aceitável no longo prazo. O outro ponto é boa geração de caixa que deveria refletir um dividend yield razoável. E o quarto ponto é o valuation atraente, encontrar a empresa excelente a um preço que faça sentido montar posição.

Ao preencher os outros critérios, o último de valuation é o mais importante de todos. Os outros três critérios não querem dizer que a empresa será a melhor de todas. A vida não é perfeita. É muito difícil conseguir a empresa perfeita. Para encontrar uma coisa barata, a empresa poderá ter algum grau de incerteza ou passar por algum problema.

Perspectivas para dividendos em 2018

O volume de pagamento de dividendos das empresas começará a aumentar. É natural. Estamos saindo da pior crise do século, e houve um efeito de diminuição de custo de dívidas. Se colocar tudo o mais constante, se o custo da dívida cair pela metade, por exemplo, sobra maior parte do lucro para o acionista, repercutindo em maiores dividendos. Você divide menos do lucro com o credor.

Há um efeito ainda melhor: se a economia recuperar, cresce a primeira linha do balanço das empresas, as receitas. Há duvidas de como será a retomada de 2018, crescimento de 3%, 4%? Mas, na verdade, pode até ser morna. Com esses dois anos de crise, houve grandes processos de enxugamento operacional nas empresas. Então, mesmo uma retomada morna abre espaço para uma alavancagem operacional em 2018. Isso vai repercutir em maiores dividendos ou em melhora de balanço, ou seja, a empresa ficará menos alavancada financeiramente. Neste último caso, talvez não reflita diretamente em maiores dividendos em casos específicos em 2018, mas em 2019. O ponto é que, no longo prazo, teremos 2018 e 2019 com maiores proventos de maneira geral.

Eleições em 2018

Posso dar uma ideia de cenários semelhantes na América Latina. Em 2011, eu geria ativos brasileiros em um fundo de investimentos em América Latina. Cuidávamos do Peru, em momento de eleições peruanas. O candidato que passou para o segundo turno e que podia ganhar era Ollanta Humala. Amigo do Lula, nacionalista, indígena, socialista, populista, enfim, tudo muito confuso, nada pró-mercado e por isso ninguém gostava dele. A Bolsa inteira começou a cair por conta da incerteza. E o Peru estava crescendo 5% ao ano nos últimos cinco anos anteriores, um período de consolidação democrática, de melhora nas instituições, e em todos os fronts da economia. Eu debatia assim com colegas: não se trata de ganhar quem você quer ou por quem você torce; no mercado, não se trata de torcer. É preciso ser pragmático e ler os sinais.

Interpolando o caso chileno de 1990 para o Peru de 2011, fazia algum sentido que o candidato que não era pró-mercado mudasse tudo? Ou seja, afastar investidores, provocar queda no PIB, enfim, um mega problema enquanto a economia se recuperava e as pessoas estavam felizes com consumo crescendo? O candidato pode ser o que for, mas é politico. E politico não é idiota. Ele vai querer no longo prazo se sustentar e se reeleger. Se o país não crescer, as pessoas não vão votar nele. Qual foi o passo seguinte? Assim que o Ollanta ganhou (tendo, inclusive, feito antes uma versão peruana da Carta ao Povo Brasileiro), começou a nomear ministros pró-mercado e apresentou um plano de infraestrutura. O cara não é louco. A Bolsa, que estava deprimida, voltou a andar.

Há momentos em que os incentivos dos políticos estão alinhados com os incentivos da população. Em um contexto de economia crescendo e desemprego caindo, a exemplo do Chile, em 1990, a população não quer mudar as coisas. Não dá para ter dois, três anos de recessão. No caso do Brasil, creio que há uma chance de que mesmo se houver algum candidato no segundo turno que, aparentemente, não seja pró-mercado, ele necessariamente terá que fazer alguma mudança para continuar o processo de reformas do qual o mercado está gostando. Caso contrário, ele não vai conseguir se sustentar no governo por muito tempo.

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