Com ou sem nova ajuda ao etanol dos EUA, Nordeste se preocupa com a sobra subsidiada da pandemia
As importações anuais de etanol, no último triênio, têm ficado em torno de 1,5 bilhão de litros. Como deve ser a base para 2020 também, isso dará ao redor de 71% de toda produção nordestina do biocombustível na última safra, de 2,1 bilhões de litros. O fornecimento é praticamente 100% dos Estados Unidos.
Mais preocupante para os produtores da região, incluindo um pouco da Norte, para onde se dirige a quase totalidade das importações, é que 2020 tem pandemia, tem consumo bem mais fraco, e tem uma safra nova em vias de começar.
O problema em 2019 já foi considerado grave pelos produtores, mesmo antes do governo Bolsonaro ampliar a cota americana livre de impostos, de 600 para 750 milhões de milhões de litros. O que passa paga 20%, mas é uma taxa solenemente ignorada pelas distribuidoras que compram o etanol, pois, como lembra Renato Cunho, presidente do Sindaçúcar PE e da Novabio, o subsídio tradicional ao milho – a matéria-prima do biocombustível de lá – interna o produto aqui ainda muito competitivo.
Nos primeiros seis meses de 2020, a cota livre já foi ultrapassada, com a internação de mais de 800 milhões de litros do produto.
No calor da crise econômica deflagrada pela doença global, enquanto há rumores de que o embaixador dos EUA, Todd Chapman, move ações para o governo ampliar a cota do país ou cortar o imposto do excedente, mais ajuda chegou aos agricultores americanos. Mais US$ 1,6 para serem divididos com a soja e algodão.
“Além da crise sistêmica de redução do consumo de combustíveis nos Estados Unidos, há a questão da dificuldade de implantação do E15 (mistura do anidro na gasolina) em vários estados por pressão do lobby da petroleiras”, diz o presidente da Novabio, entidade nacional ainda jovem e que já conta com 40 usinas associadas.
Onde mais as destilarias americanas podem desovar seus estoques se não no Brasil? O mandato para mistura de etanol nos outros lugares é suficiente para abocanhar as produções locais.
Cunha mostra que se a média nacional de recuo do consumo no primeiro semestre raspou os 17%, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustível (ANP), no Nordeste o tombo foi de 25%.
Açúcar
O detalhe é que a safra da região acaba em fevereiro, portanto no último ciclo não houve tempo do Nordeste virar a chave para produzir mais açúcar no mix já mais açucareiro, como está sendo o caso da safra do Centro-Sul. A covid-19 não era uma realidade global e o dólar estava mais comportado.
E o açúcar nordestino, que deveria ser a contrapartida compensatória dos Estados Unidos em seu mercado, como se esperava que visse a ocorrer quando o governo brasileiro deu mais cota ao etanol, segue com espaço limitado. “A nossa cota é de 150 mil toneladas, enquanto da República Dominicana é de 180 mil”, afirma Renato Cunha.
O maior produtor mundial de açúcar perde, proporcionalmente, até para a cota argentina, de 40 mil toneladas.
A porção brasileira, que mal atinge 2% das importações globais americanas da commodity, dá para ser performada por apenas uma usina de média para pequena.
Ou seja, há distorção das regras de livre mercado para o etanol importado e distorção nas cotas do açúcar seguem como dantes, à beira da safra 20/21 para os três maiores produtores regionais (Alagoas, Pernambuco e Paraíba), que começa em setembro.