Internacional

Com o mundo alarmado, desafio de Bolsonaro ao coronavírus poderá ser desafio do agro pós-crise

31 mar 2020, 15:25 - atualizado em 31 mar 2020, 16:05
Comércio Exportação Alemanha
Comércio global já deverá cair 30%, com China crescendo menos, e o Brasil não pode criar problemas nas relações internacionais (Imagem: Reuters/Fabian Bimmer)

A atitude negacionista do presidente Jair Bolsonaro sobre a extensão do risco sanitário do coronavírus, alarmando líderes mundiais e as agências multilaterais de combate à doença, ainda está por ser vista em termos de possíveis danos ao Brasil nas relações comerciais após a crise passar.

Como tudo que acontece hoje em torno da pandemia é sem precedentes, sem precedentes deverá ser o ‘novo’ mundo, inclusive sobre os níveis de pragmatismo comercial que vêm imperando até então.

O governo brasileiro não deve negligenciar os riscos de retaliações, nem também se sentar na competitividade do agronegócio e a dependência que muitas nações dele têm.

“As próximas três a quatro semanas serão cruciais”, complementa Marcos Jank, pesquisador e chefe do Insper Agro Global, se referindo ao prazo que a extensão da pandemia pode alcançar e se o discurso do presidente seguirá o mesmo, pedindo o fim do isolamento, ou se mudará o tom.

Um dos aspectos que Jank acentua é que a urgência sanitária à saúde humana, com a explosão da crise, deverá ter uma ponte automática com as questões sanitárias envolvendo agricultura e carnes.

O mundo vai olhar com lupa – mais do que já o faz – os produtos dos grandes fornecedores globais, como os do Brasil, concorda o especialista em relações internacionais do agronegócio.

O agronegócio brasileiro, de acordo com ele, tem um sistema sanitário forte, mas é muito exposto, como acontece com qualquer player e também pelos vários problemas gerados no passado, como o último, conhecido por Carne Fraca, por adulterações nas carnes.

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Novos paradigmas

A FAO (agência da ONU para alimentação e agricultura) já abordou o tema com esse viés, tanto quanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) – que anda irritada com o governo brasileiro – deverá também cobrar posturas mais radicais de controle sanitários pelos grandes compradores.

“O mundo caminha para um comércio mais administrado (mais controlado), não há dúvida, e uma das questões futuras será as exigências que o novo coronavírus imporá nas relações”, diz. Ele também acentua o termo “novos paradigmas”.

Jank até 2019 foi coordenador do Asia-Brazil Agro Alliance, que representa a Unica (açúcar), ABPA (suínos e aves) e Abiec (carne bovina) em negociações naquele quanto do mundo, com escritório em Singapura, e naturalmente observa os movimentos da China.

E ficou preocupado quando o País protagonizou ruído com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) acusando a China de espalhar a covid-19 por culpa do regime comunista.

As arestas teriam sido aparadas, segundo o Palácio do Planalto divulgou após conversa de Bolsonaro com Xi Jinping, mesmo porque o momento crítico que o mundo vive não leva a outra situação. Mas até que ponto isso ficou no ‘caderninho’ dos chineses ninguém sabe.

Há vários caminhos que podem ser tomados indiretamente pela China. Abrir mais as janelas às exportações dos Estados Unidos, especialmente em carnes, roubando um pouco do mercado brasileiro, seria um deles, embora o pesquisador e professor acredite que o acordo comercial será muito abalado pelos acontecimentos atuais.

Pressões

Há que se lembrar que ainda há uma lista com mais plantas frigoríficas do Brasil, de todas as proteínas, para serem habilitadas pela China. E podem sofrer mais atrasos do que o momento conturbado já indica.

Outro ponto é a triangulação de pressões. A China está usando a pandemia na Europa e até nos Estados Unidos como diplomacia comercial, enviando ajuda, tanto quanto a Rússia.

E também poderá sofrer influências de líderes europeus no futuro para manter comércio com nações distantes do ideário do governo Bolsonaro, que inclui, entre outros, as questões ambientais também minimizadas.

A Europa não é totalmente dependente do agronegócio brasileiro como os Chineses, mas tem o fator influência a seu favor.

E, do ponto de vista mais direto, há o já esvaziado acordo Mercosul-UE, dependente de aprovação de cada país-membro, e que agora poderá ficar mais no limbo do que esteve após o governo ser igualmente negacionista com as queimadas em 2019, prevê o consultor em relações comerciais Michel Alaby, da Alaby & Associados.

“Até o Donald Trump mudou o tom de uns dias atrás, quando também minimizava a crise, e parou inclusive de criticar a China pela doença, tanto que há informações de que Pequim está enviando aparelhos respiratórios aos Estados Unidos”, analisa o consultor, hoje também da Associação Comercial de São Paulo, e especialista em Mercosul e países árabes.

Isso mostra, segundo ele, que o Brasil não pode correr risco de isolamento.

Até a Argentina, com problemas econômicos piores que os brasileiros, aderiu antes que muitas nações ao lockdown completo – e ontem estendeu o prazo – e com certeza isto deverá ser visto com muita simpatia nas relações comerciais com a Europa, independente de Mercosul, além das negociações da dívida externa do país, lembra Alaby.

Mundo desconhecido

O certo mesmo é que a recessão mundial bate às portas e ficou mais evidente com a previsão da Organização Mundial de Comércio (OMC) de retração de 30% no fluxo mercantil, e isso é algo que foge a qualquer avaliação precisa de como será o rescaldo.

Tanto como Marcos Jank, Antônio Correa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia, igualmente acrescenta que nenhum país poderá se dar ao luxo de ter travas em seu comércio internacional.

Para economias em desenvolvimento, que podem ter um impacto avassalador, menos ainda, destaca o professor do Insper.

“Se prevalecer o pragmatismo comercial diante de que os grandes consumidores não são autossuficientes, talvez não atrapalhe tanto essa linha adotada pelo governo brasileiro de confrontar o combate ao coronavírus frente às ações emergenciais que a maioria dos países está adotando”, avalia Lacerda, também diretor da Faculdade de Economia da PUC-SP, para quem as pressões dos países desenvolvidos e da OMS para o governo brasileiro não relaxar as exigências protocolares no combate à pandemia são legítimas.

Mas como o mundo como o conhecemos não deverá ser mais o mesmo – e ainda estamos no escuro sobre o futuro – o economista deixa algumas portas abertas para cenários desconhecidos.

É mais ou menos o que quis dizer Pedro de Camargo Neto, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e ex-negociador internacional tanto para governos quanto para entidades como ABPA e Abiec.

“Acho tudo muita especulação ainda. Existe uma antipatia com o presidente Bolsonaro, porém pode não se transferir no tempo para o país. A covid-19 pegou todo mundo de surpresa, vivemos um dia a dia desconhecido, portanto prefiro a cautela e dando um passo de cada vez”, complementa.