Com Mercado Livre, B2W e Magazine Luiza, Brasil precisa da Amazon?
Quando a Amazon.com anunciou o lançamento do seu programa Prime no Brasil no mês passado, as ações das concorrentes de comércio eletrônico caíram.
Os investidores também fugiram em 2017, quando a maior varejista do mundo abriu um maketplace para vender eletrônicos a consumidores brasileiros. Nos dois casos, as ações se recuperaram rapidamente quando os investidores se lembraram que as empresas locais correm pouco risco de sucumbir frente ao intruso americano.
Sete anos depois de entrar no Brasil, a empresa com sede em Seattle está lutando para ganhar força contra um grupo de concorrentes locais, com extensas redes de entrega, marcas fortes e profundo entendimento dos consumidores brasileiros.
Com apenas dois centros de distribuição e seleção mais limitada do que os players brasileiros, a Amazon não consegue competir de igual para igual com varejistas como Mercado Livre (MELI) e Magazine Luiza (MGLU3). Por isso, optou por atrair clientes com o Prime, que oferece aos assinantes frete grátis, além de músicas, filmes, séries, livros e jogos.
No início deste mês, a Amazon também anunciou que começaria a vender aparelhos equipados com a assistente digital Alexa, que fala português e canta hinos de times de futebol – um gesto para os fãs fervorosos do país.
A aposta é que, se os brasileiros se engajarem com a Alexa e com as ofertas de entretenimento do Prime – igualmente ajustadas para o consumo local – também começarão a fazer compras na Amazon.
“É um mercado importante para que eles tenham sucesso”, diz Mark Mahaney, analista da RBC Capital Markets. “É um mercado onde eles recentemente fizeram uma iniciativa importante e é de certa forma um teste sobre o quanto os consumidores globais são receptivos à proposta de valor da Amazon.”
A Amazon aposta nas suas operações internacionais, que no ano passado geraram 28% da receita, para ajudar a compensar a desaceleração do crescimento das vendas em seu mercado doméstico. Na quinta-feira, a empresa registrou sua primeira queda no lucro trimestral ano a ano desde o início de 2017, e reconheceu estar gastando mais do que o esperado em suas iniciativas para fazer entregas mais rápidas. Suas investidas internacionais têm sido irregulares.
A Amazon não conseguiu criar um grande negócio na China, onde o Alibaba e a JD.com superaram a Amazon. A empresa então se concentrou na Índia, comprometendo-se a gastar mais de US$ 5 bilhões para concorrer com a Flipkart Online Services, adquirida no ano passado pelo Walmart. Nos últimos anos, a Amazon também investiu no México, Turquia e Austrália.
Mahaney diz que o Brasil, sexto país mais populoso do mundo, é provavelmente o segundo mercado internacional mais importante para a Amazon. Como a Índia, o país sul-americano possui grandes bolsões rurais de pobreza, mas também abriga milhões de moradores de cidades de classe média que se sentem confortáveis em fazer compras com seus smartphones.
De fato, as compras por celular representam 43% das compras online, contra 5% há cinco anos, segundo o Ebit, braço de pesquisa de comércio eletrônico da Nielsen.
O comércio eletrônico está relativamente bem estabelecido nas grandes cidades. Em São Paulo, trabalhadores terceirizados cruzam o trânsito entregando tudo por motos, bicicletas e scooters, de smartphones a cerveja. Mas, fora das cidades e das regiões sul e sudeste mais desenvolvidas, os motoristas enfrentam estradas esburacadas e roubos de carga.
Em algumas áreas remotas, a entrega de uma compra online pode levar mais de duas semanas e as taxas de entrega podem exceder o custo dos produtos.
Essas condições tendem a favorecer as empresas locais.
O maior – e único player puramente de comércio eletrônico – é o Mercado Livre. Fundada há 20 anos em Buenos Aires, a empresa possui uma ampla operação logística, serviços de pagamento online e mais de 12 milhões de fornecedores vendendo mais de 260 milhões de itens.
“Se você falar com qualquer empresa que entrega no Brasil inteiro, ela tem algum tipo de rede que desenvolveu com uma série de parceiros”, diz o diretor de operações Stelleo Tolda. “A gente já entendeu como funciona.”
Não que ele ache que sua participação de mercado de 33% esteja garantida. O Mercado Livre planeja gastar mais de R$ 3 bilhões no próximo ano em serviços financeiros e para abrir mais centros de distribuição que permitirão expandir a entrega no dia seguinte para, pelo menos, 16 cidades.
Os outros três principais players locais confiam em suas próprias operações físicas e transformaram seções de suas lojas em centros de coleta e retirada de pedidos online – uma grande vantagem em um país maior que os Estados Unidos continental.
O Magazine Luiza, que começou como uma rede de lojas de eletrodomésticos, tem mais de 1.000 lojas em todo o país onde os compradores podem retirar eletrônicos e sapatos e em breve poderão buscar fraldas, maquiagem e outros produtos comprados no site.
A Amazon oferece uma variedade mais limitada de mercadorias e prazos de entrega maiores; dos mais de 20 milhões de produtos vendidos no Brasil, 13 milhões são livros.
Seus dois centros de distribuição estão localizados perto de São Paulo, o que significa que mesmo os membros do Amazon Prime podem contar com frete em dois dias ou mais, apenas para cerca de 500.000 produtos e em 90 cidades. A empresa diz que as entregas em outros centros urbanos levarão três dias ou mais.
Em vez de partir para uma queda de braço com os concorrentes locais, a Amazon parece estar tentando atrair consumidores com o Prime e o leque de opções de entretenimento incluídos na assinatura de R$ 9,90 por mês. A empresa já está começando a adaptar o conteúdo aos gostos locais; em breve lançará um documentário sobre a seleção brasileira de futebol.
“Netflix e o Spotify já cumpriram o papel de educar o cliente [brasileiro] nesse tipo de consumo”, diz Alexandre Van Beeck, sócio da consultoria GS&Consult. “Com o Prime, a Amazon vai aprender que eu gosto de um certo tipo de filme, de livro com o Kindle. E com esses dados, poderá me oferecer determinados produtos com mais assertividade e menos custos.”
Talvez, mas chegar à mesma agilidade de entrega das varejistas locais não será fácil. “Construir uma rede de pequenas transportadoras é bastante complicado”, diz Julie Chariell, analista sênior da Bloomberg Intelligence. Ela lembra que a B2W (BTOW3) levou quase 10 anos para montar sua rede de entregas. A empresa já está testando entrega por drones, evidência de sua crescente sofisticação.
A Amazon poderia adquirir uma startup de entrega local? Chariell diz que é possível, mas que essas empresas têm muito funding de firmas de venture capital e private equity, e portanto, têm pouco incentivo para vender o negócio.
Mesmo que a Amazon conseguisse adquirir uma empresa de tamanho médio, ainda precisaria adaptá-la às suas operações e depois estender seu alcance geográfico. “Não é necessariamente uma solução instantânea”, diz Chariell.
Mas a Amazon não precisa dominar o comércio eletrônico brasileiro para ter sucesso no país. As compras pela internet devem crescer 87%, para R$ 128,7 bilhões até 2023, segundo a Euromonitor International. Isso significa que a Amazon pode aumentar sua receita, mesmo sem ganhar participação de mercado dos rivais.
À medida que as compras migrarem das lojas físicas para sites e smartphones, a Amazon pode ganhar simplesmente por ser uma opção a mais.
Em um evento de varejo em agosto, o gerente da Amazon no Brasil, Alex Szapiro, demonstrou pouca urgência. “Não temos pressa”, disse ele, repetindo o mantra de paciência estratégica da empresa de Jeff Bezos.
“O que acontece hoje nos Estados Unidos levou 25 anos. Queremos fazer rápido, mas, para a gente, fazer certo é mais importante do que fazer rápido.”