Início do ano legislativo marca começo de negociações de pautas de Lula; quais serão as dificuldades do presidente?
Nesta quarta-feira (1), deputados federais e senadores eleitos e reeleitos tomam posse para iniciar oficialmente seus mandatos. Os parlamentares, novos ou veteranos, devem equilibrar suas discussões, seus planos e sugestões, com os interesses do novo governo federal.
No mesmo dia, Lula apresenta ao Congresso a Mensagem Presidencial, que elenca as prioridades do governo para o ano. A reforma tributária, o novo arcabouço fiscal e o Bolsa Família deverão aparecer com destaque no documento.
Ao longo dos próximos anos, Lula terá dificuldades para impor as pautas que são de seu interesse, mas especialistas acreditam que o novo presidente tem boas possibilidades de conseguir articular.
Reforma Tributária
Logo após sua posse para o terceiro mandato como presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva definiu como prioridade aprovar uma reforma tributária no Congresso Nacional para os primeiros meses de 2023.
Perseguida há anos por diferentes presidentes, a reforma busca tornar mais simples e justo a cobrança de impostos no país.
“A reforma tributária finalmente vai sair do papel”, afirmou o senador Humberto Costa (PT), que fez parte do governo de transição, no fim de 2022, e foi ministro da Saúde de Lula entre 2003 e 2005.
“Como a reforma tributária é de interesse do país, não tenho dúvida de que o Parlamento fará a sua parte”, disse o senador Carlos Viana (PL), líder do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Existem sobre a mesa diferentes propostas de reforma tributária. Um dos formuladores desta última proposta é o economista Bernard Appy, que ocupa no Ministério da Fazenda o cargo de secretário extraordinário da reforma tributária.
O cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que a reforma desenhada por Appy é a que tem mais chances de vingar:
“Na eleição presidencial de 2018, essa proposta teve o apoio dos principais candidatos, incluindo Fernando Haddad, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e Marina Silva. A exceção foi Jair Bolsonaro. Por mais espinhosa que uma reforma tributária seja, por afetar múltiplos interesses e deixar ganhadores e perdedores, a proposta de Appy congrega apoio maior do que propostas anteriores”, acredita o especialista.
Couto enxerga outro fator que abrirá caminho para o avanço da reforma tributária no Congresso. O governo Lula, de acordo com ele, colocará para funcionar novamente as engrenagens típicas do presidencialismo de coalizão.
Dada a multiplicidade de partidos políticos, o governante normalmente não dispõe de maioria automática no Legislativo. Pelas regras do presidencialismo de coalizão, ele precisa abrir-se à negociação política com os parlamentares de modo a atraí-los para a base governista. No caso dos partidos de oposição, o presidente tem que angariar o apoio deles pelo menos na votação de projetos importantes.
“Bolsonaro fez uma coisa bastante curiosa como presidente. Embora tivesse uma base parlamentar que o protegia, ele abdicou da condição de líder de uma coalizão legislativa, aquele que faz a agenda do governo avançar. Ele mandava projetos importantes para o Congresso e dizia: “Já fiz a minha parte e não tenho mais nada a ver com isso. Agora o problema é do Senado e da Câmara”. Isso deve mudar. Lula tende a se empenhar e retomar o protagonismo do Poder Executivo porque foi assim que ele se comportou em seus dois mandatos anteriores. Ele teve contato próximo com os parlamentares, participou de negociações e dialogou, tudo o que Bolsonaro não fez”, finaliza.
O cientista político João Feres Júnior, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), concorda com essa avaliação.
“Bolsonaro fez um governo atípico no Brasil porque, em termos de políticas públicas e legislação, empenhou-se muito pouco em ser protagonista. Nem mesmo a pauta ultraconservadora que ele tanto defendeu teve avanços ou provocou grandes debates parlamentares. Em vez de ter uma agenda de políticas públicas, teve uma agenda de desmonte do Estado. Além disso, ele governou mais por decretos assinados por ele próprio do que por leis aprovadas pelo Parlamento. Como o governo Lula é mais propositivo, certamente voltaremos ao paradigma anterior do presidencialismo de coalizão, que é o mecanismo que garante a governabilidade”, acredita o cientista político.
Novo arcabouço fiscal
A aprovação de um novo arcabouço fiscal, incluindo alguma âncora que substitua o teto de gastos no controle das contas públicas também é uma prioridade do novo governo. Aprovado na virada de 2016 para 2017, o teto se mostrou insustentável especialmente após os gastos expressivos do Estado decorrentes da pandemia de covid-19, iniciada em 2020.
Feres Júnior explica que o teto de gastos criou “um problema seríssimo para a solvência da administração pública”:
“Se não se resolver a questão dos gastos públicos, não será possível governar o Brasil. Até mesmo Bolsonaro, que tinha um projeto de encolher o Estado, enfrentou problemas sérios para tentar se manter dentro do teto. Há que entenda que ele de fato rompeu o teto, principalmente no ano eleitoral. Imaginemos, então, as dificuldades que seriam enfrentadas por um governo que tem na agenda a reconstrução da capacidade estatal, como é a gestão Lula. Sem possibilidade de gastar, o poder público fica de mãos atadas numa situação trágica e urgente como a dos índios ianomâmis. Tendo pouca capacidade financeira, o Estado não tem como mitigar as desigualdades e garantir a dignidade da população”, explica.
Auxílio-Brasil, Bolsa-Família revisão de valores
Em breve, Lula deve anunciar uma reformulação das regras do Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família, e uma atualização nos valores pagos e seus regras.
A PEC aprovada no final do ano passado garante o acesso aos valores prometidos por Lula ainda durantes as eleições, mas o acordo necessita de ajustes para se tornar sustentável.