Agricultura

Com fiscalização frouxa, plantio de soja em áreas indígenas gera conflitos

13 nov 2020, 13:33 - atualizado em 13 nov 2020, 15:45
Indios
Os territórios indígenas cobrem quase 13% do Brasil, indo da Amazônia até os pampas no Rio Grande do Sul (Imagem:@m_albini/via REUTERS)

Um conselho de anciãos Kaingang da reserva indígena Serrinha, no Rio Grande do Sul, pediu ao Ministério Público Federal em Brasília que seja criada uma força-tarefa que coíba o arrendamento de suas áreas para o plantio de grãos em escala comercial.

O arrendamentos e parcerias rurais em terras indígenas são proibidos por lei, mas constituem uma prática antiga e respaldada pelo Estado brasileiro ao longo de décadas, embora fira a Constituição.

Por meio de Termos de Ajustes de Conduta com cooperativas comandadas por índios, o MPF diz querer acabar com a prática em prol de um modelo em que os nativos produzam de maneira autônoma.

Mas a falta de recursos para o plantio, a pandemia do novo coronavírus e o recrudescimento da violência na região de Serrinha, reserva de 12 mil hectares onde se planta soja, milho e trigo, tornou difícil a fiscalização dos acordos, segundo a Funai e também representantes do MPF em Passo Fundo.

Os territórios indígenas cobrem quase 13% do Brasil, indo da Amazônia até os pampas no Rio Grande do Sul. Por força da forte demanda por grãos produzidos aqui, a pressão é grande para aumentar as áreas de plantio, o que é abertamente apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro.

“O combate ao arrendamento é necessário,” disse à Reuters o MPF de Passo Fundo, que responde pelos TACs em Serrinha e na Terra Indígena de Nonoai, também no Rio Grande do Sul. “[Mas] não existem soluções prontas, nem simples, e os resultados não são imediatos.”

Mês passado, enquanto o Brasil iniciava a nova safra de soja, os anciãos de Serrinha formalmente reclamaram da falta de fiscalização dos TACs por parte do MPF e da Funai. Eles alegaram que os líderes indígenas que controlam o aluguel das terras não prestam contas, enquanto crianças morrem de fome nas reservas.

“O arrendamento, que coopta lideranças mediante vantagens individuais, traz prejuízos às coletividades indígenas, mormente pela violência que acompanha tais conflitos”, segundo o conselho de anciãos em Serrinha.

O plantio em terras indígenas representa apenas uma fração do total da área com soja no Rio Grande do Sul, de 5,9 milhões de hectares na última safra. Mas para o MPF, o foco são as violações da lei e a transição para um modelo em que os índios produzam de forma independente, embora os conflitos internos nas reservas tornem a meta inglória.

Oito pessoas respondem pelo assassinato do cacique Antonio Mig Claudino, em 2017, um crime motivado pelo controle do arrendamento das terras em Serrinha, segundo uma pessoa a par do processo criminal.

Não muito longe dali, na Terra Indígena de Cacique Doble, uma investigação do MPF de Erechim relacionada ao plantio de soja em 1.550 hectares revelou possíveis violações de direitos humanos por parte dos líderes da tribo que controlam a produção, de acordo com documentos vistos pela Reuters.

Em Cacique Doble, os líderes Kaingang da tribo são suspeitos de se locupletar das riquezas das terra, além de supostamente tratar opositores com violência, segundo relatório do antropólogo Sérgio Brissac, de março de 2020, que forma parte de dois inquéritos civis.

A Funai diz que os líderes indígenas não podem participar da atividade agrícola, o que contraria o espírito dos TACs. O MPF diz que há inquéritos policiais e ações penais em curso para investigar e responsabilizar os envolvidos em episódios de violência praticados entre índios.

Multinacionais

O acesso a mercados pelo Brasil depende da observância das leis e também de práticas justas e sustentáveis nas cadeias de suprimento do agronegócio.

Em nota, o Ministério da Agricultura diz desconhecer a prática dos arrendamentos, e afirma não ter dados sobre quantos hectares são plantados com grãos em terras indígenas no Brasil.

A chinesa Cofco, com sede no país que mais importa soja no mundo, diz que a originação da oleaginosa e outros grãos no Rio Grande do Sul é feita por intermédio de fornecedores indiretos, como cooperativas agrícolas e comerciantes, ao contrário de outras regiões, onde as tradings compram diretamente do produtor.

Em nota, o Ministério da Agricultura diz desconhecer a prática dos arrendamentos, e afirma não ter dados sobre quantos hectares são plantados com grãos em terras indígenas no Brasil. (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

“Com base em nossa análise e mapeamento das cooperativas com as quais trabalhamos no Estado do Rio Grande do Sul, estamos confiantes de que o risco da soja proveniente de terras indígenas entrar em nossa cadeia de abastecimento é mínimo,” disse a Cofco em nota.

A norte-americana Bunge diz não realizar compras diretas de volumes oriundos de áreas em terras indígenas. A rival ADM afirma não comprar grãos vindos de tais áreas.

A Cargill, que não possui instalações no Rio Grande do Sul, afirma que qualquer compra de grãos neste estado seria por meio de cooperativas e comerciantes locais.

A Louis Dreyfus Commodities não se manifestou.

(Atualizada às 15h45)

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