E-commerce

Com 18 anos de vida, Mercado Livre está só começando, diz cofundador

11 dez 2017, 15:45 - atualizado em 11 dez 2017, 15:45

Do desafio da estrutura da internet brasileira no início dos anos 2000 até as possibilidades atuais de meios de pagamentos e entrega, a trajetória do Mercado Livre tem como premissa buscar a melhor experiência na compra e venda de produtos online. Essa é a estratégia de longo prazo da empresa de tecnologia, segundo o cofundador e COO, Stelleo Tolda. “A sensação é que a gente só está começando o nosso negócio, 18 anos depois.”

“No Brasil, a gente olha até um nível de desenvolvimento do comércio eletrônico que está à frente de outros países da região e, mesmo assim, a gente fala de uma penetração de 4% dentro do varejo. Ou seja, tem 96% do varejo que não acontece no meio online. Qual o tamanho que esse varejo pode ter? Hoje, a gente já vê, por exemplo, a China, que é o mercado que lidera o e-commerce no mundo, com uma penetração de 20% do varejo daquele país. Só aí a gente vê cinco vezes a penetração que a gente tem aqui no Brasil e, mesmo assim, é um mercado que ainda cresce muito.”

O cofundador e COO do Mercado Livre concedeu uma entrevista ao podcast da gestora Rio Bravo Investimentos e que pode ser acompanhada abaixo, em texto, ou por meio de áudio:

Se há 18 anos eu contasse para você, Stelleo, quando você estava lá em Stanford, que o seu negócio se transformaria em algo desse tamanho que tem hoje o Mercado Livre, haveria como projetar isso em planilha, em business plan?

Não, eu não acreditaria, muito possivelmente, e talvez eu ficasse até com um pouco de medo, porque pareceria ser algo maior do que naquele momento era possível. Dito isso, o potencial do comércio eletrônico é algo que eu acreditava e o Marcos Galperin, fundador do Mercado Livre, a quem eu conheci em Stanford, acreditava. Curiosamente, mais do que nunca a gente continua acreditando. E a sensação – eu digo isso para o pessoal internamente, mas digo também para vocês que nos ouvem – é que a gente só está começando o nosso negócio, 18 anos depois.

O negócio que vocês tinham desenhado lá no início, quais características foram mantidas e quais características foram transformadas e vocês tiveram que adaptar nesse período?

Acho que a principal característica é que o marketplace tinha potencial de funcionar nesse ambiente que é a internet e era um marketplace que ganharia mais valor com o tempo. Algo que na teoria, quando estávamos em Stanford, falávamos era o chamado efeito de rede. Em inglês, a network effect, que é: o valor de uma rede é maior quanto maior o número de participantes dessa rede. Isso é algo que, desde aquele momento, a gente já sabia e de fato, na prática, foi o que aconteceu.

Hoje, o nosso marketplace é do tamanho que ele é e o valor que ele tem é a partir, justamente, dessas conexões que existem nessa rede. Um participante do marketplace do Mercado Livre pode ser um vendedor ou um comprador e as inter-relações que existem podem acontecer entre qualquer membro dessa rede. Isso é algo que não mudou.

O que mudou é a gente agregar serviços ao nosso negócio. A visão que a gente tinha de oferecer uma experiência excelente se manteve no tempo, mas como a gente oferece essa experiência excelente é que foi aumentando. E aí a gente fala de pagamentos, de envios, como a gente se envolveu nessas etapas para trazer uma experiência melhor.

Para continuar oferecendo um serviço excelente foi necessário agregar outros serviços ou consolidar outros serviços?

Sim, foi necessário. A gente nasceu lá atrás com um marketplace… Até antes de ser um marketplace, nós éramos um marketplace no formato de leilão, um site de leilão. E a gente identificou cedo que o potencial do leilão era pequeno e que o comércio eletrônico tinha um potencial maior. A venda através do preço fixo e não desse preço variável, que era o leilão. Mas isso ficou para trás bem cedo na nossa história.

Mesmo ali no início, a gente era um marketplace em que havia simplesmente a conexão entre o vendedor e o comprador. Isso se mostrou, ao longo do tempo, insuficiente para a gente ter essa experiência excelente. O que a gente identificou é que a questão do pagamento era um ponto de fricção em qualquer transação. Era necessário que as partes acordassem como uma iria fazer o pagar o pagamento.

Assim como depois, mais tarde, a gente também passou a endereçar a questão da logística na entrega como outro grande ponto de fricção, o que também, em toda transação, era necessário resolver, endereçar. Como eu vou fazer para entregar esse produto para o comprador? Então, naquele momento, lá atrás, no começo, a gente tinha a situação de as partes até se encontrarem para resolver esse problema. O comprador levando o dinheiro e o vendedor levando o produto, e aí havia até o aperto de mão, que é o nosso logotipo até hoje.

As partes se encontram fisicamente e dão as mãos para sinalizar o fechamento do negócio. Isso ainda acontece, só que acontece não no mundo físico. Acontece com o pagamento, que é integrado hoje ao nosso sistema, e com o envio, que é também integrado. E a gente entende que essa é uma experiência de marketplace muito melhor do que era antes.

Você falou na sua primeira resposta sobre efeito de rede. O efeito de rede em 1999 e início dos anos 2000 no Brasil era muito pequeno, porque a internet era discada. Então, falar de efeito de rede hoje, com 4G e as pessoas operando por celular, talvez seja muito óbvio, mas como era isso lá atrás, em 2000 e 2001, atravessando a bolha da internet?

Quando nós lançamos, e você falou bem, a gente tinha uma penetração na internet e na população brasileira e latino-americana – estamos em 19 países da região – que era da ordem de 3%. A gente olhava para a população do país e apenas 3% tinham acesso à internet. Era uma rede, mas era uma rede muito menor e, além disso, era uma rede que tinha uma experiência, até mesmo de conexão, muito pior do que a gente tem hoje. Era a conexão discada, os modens que foram aumentando a sua velocidade com o passar do tempo, mas que eram conexões muito piores do que as que a gente tem hoje.

O curioso é que nenhum desses problemas que a gente pode imaginar, como a qualidade do acesso e a quantidade de pessoas que participavam da rede, foi um obstáculo para a gente lançar o Mercado Livre e fazer crescer o Mercado Livre. Acho que a visão do empreendedor é essa, de buscar solução para os problemas. Então, a gente sim navegou por várias evoluções.

Podemos falar também sobre penetração de cartão de crédito e bancarização, o que era também muito mais baixo naquele momento. Os meios de pagamento ainda pouco desenvolvidos e hoje a gente ainda tem uma participação razoável do boleto como meio de pagamento que a gente chama de offline, uma interação do mundo fora da internet com o mundo dentro da internet.

Quanto de participação?

É pequeno. No nosso caso, é por volta de 20%. Já foi maior e tem sido cada vez menor, mas ainda é relevante. A gente ainda tem uma parcela da nossa população que não tem cartão de crédito ou prefere não usar ou tem um limite baixo – também é uma característica da nossa população dos cartões de crédito. Então, o meio offline de pagamento existe e, curiosamente, não só no Brasil, existe em todos os países onde a gente atua.

De início, a percepção acerca da atuação do Mercado Livre estava bastante ligada aos produtos usados.

Sim, verdade.

Qual era a importância desses produtos lá atrás? Qual era o tamanho da presença desses produtos lá atrás? E qual é a importância deles hoje?

Hoje, eles representam menos de 10% do nosso volume e representavam a maioria. Não digo a totalidade, porque mesmo logo no início da nossa história, e é curioso isso… O nosso marketplace surgiu do zero. A gente tinha zero vendedores e zero compradores. Fazer o marketplace funcionar é quase como fazer fogo a partir de uma faísca. Como é que você faz? É o ovo e a galinha, é ‘Tostines está fresquinho porque vende mais ou vende mais porque está fresquinho?’. Como você faz o marketplace surgir? A gente apontou, entre outras coisas, para trazer o mundo físico para dentro do mundo online.

Os nossos esforços iniciais para povoar esse marketplace com vendedores e produtos envolveu desde nós colocarmos os nossos próprios produtos e dos amigos e família, que eram coisas usadas, até a gente bater em portas de comércio de lojas físicas e dizer “Olha, tenho aqui um meio para gerar venda para você. Me dá o seu catálogo, não vai te custar nada, eu vou replicar o seu catálogo nesse meio digital e você vai passar a receber pessoas interessadas em comprar o seu produto. Por sinal, não vou te cobrar nada por isso no primeiro momento”.

Então, a gente teve uma presença também de produtos novos no início, mas não era o foco naquele momento. Naquele momento o foco era gerar uma oferta, o que teve que acontecer em paralelo com gerar também a demanda, trazer compradores para esses produtos. É como eu disse: criar fogo da faísca.

Levando em consideração que a estrutura da plataforma online corresponde a um modelo de intermediação de comercialização do Mercado Livre, você pode dizer se o modelo de negócio surgiu a partir da idealização da plataforma ou se foi o contrário? Ou seja, vocês criaram esse modelo de comércio online a partir de um projeto de intermediação?

A nossa grande inspiração foi o eBay. Quando nós estávamos em Stanford cursando o MBA, o Marcos Galperin e eu, o eBay era uma empresa já de sucesso nos Estados Unidos. Inclusive, a abertura de capital se deu justamente em 1998, que foi entre o nosso primeiro e segundo ano na universidade. Lá, o que nós vimos foi que esse meio da internet se prestava a esse tipo de intermediação que você menciona e que dali era possível se criar um modelo de negócio. A inspiração do eBay foi também no sentido do modelo, que era a transação acontecia através desse meio e o eBay era remunerado por conta dessa transação, dessa aproximação entre as partes.

As coisas aconteceram mais ou menos ao mesmo tempo. É claro que o desafio de fazer com que, efetivamente, esse se tornasse depois um negócio viável já foi bem mais complicado. No primeiro momento quando nós lançamos, nós éramos 100% gratuitos, não cobrávamos pelo nosso serviço. Por que? O objetivo era fazer com que houvesse movimentação, um número maior de vendedores e produtos e um número maior de compradores.

É claro que nós sabíamos que isso não seria sustentável e o nosso objetivo sim seria que em algum momento a gente começasse a cobrar. De fato, foi o que aconteceu. Algum tempo depois começamos a cobrar pelos nossos serviços. Até demoramos a fazer isso, porque era um mercado extremamente competitivo. Quando nós nos lançamos havia também outros fazendo a mesma coisa que nós estávamos fazendo, também sem cobrar por esse serviço. Então, nós fomos cuidadosos de escolher o momento certo para começar a cobrar e monetizar esse nosso marketplace pela questão competitiva.

Algumas empresas do meio digital, sobretudo startups, pensando hoje, não costumam dar tanta importância assim para a estratégia de longo prazo. No caso de vocês, e você fala isso em outras entrevistas que eu tive a oportunidade de acompanhar, o longo prazo é muito importante.

Sim.

O quanto isso tem sido definitivo para vocês em termos de possibilitar novos negócios?

A gente teve e tem uma visão de longo prazo, sim. Sem ela não teria sido possível chegar até onde nós chegamos. Hoje, os principais executivos da empresa todos têm no mínimo 17 anos de casa. A maioria deles, 18 anos de casa, estão desde o início do nosso negócio. E acho que todos eles tinham essa ideia de que o comércio eletrônico tinha potencial e que iria levar tempo para ele amadurecer, que iria levar tempo para a gente criar um negócio autossustentável a partir dele.

E isso que eu disse no início de que a gente está só começando é a sensação que nós temos ainda hoje, porque esse negócio tem um potencial gigantesco. A gente olha para o tamanho que o comércio eletrônico tem e ele é muito pequeno ainda dentro do que é o varejo de cada um dos países onde a gente atua e a gente não enxerga a razão pela qual ele não pode ser muito maior.

Ele pode ser muito maior especificamente no Brasil ou nos 19 países?

Em todos os países onde nós estamos. No Brasil, a gente olha até um nível de desenvolvimento do comércio eletrônico que está à frente de outros países da região e, mesmo assim, a gente fala de uma penetração de 4% dentro do varejo. Ou seja, tem 96% do varejo que não acontece no meio online. Qual o tamanho que esse varejo pode ter? Hoje, a gente já vê, por exemplo, a China, que é o mercado que lidera o e-commerce no mundo, com uma penetração de 20% do varejo daquele país. Só aí a gente vê cinco vezes a penetração que a gente tem aqui no Brasil e, mesmo assim, é um mercado que ainda cresce muito.

E eu não vejo razão estrutural pela qual no Brasil e no resto da América Latina a gente não se beneficie do que o comércio eletrônico oferece de facilidade, abertura e sortimento de produto, até como meio também para desenvolvimento de negócios. A gente tem muitos empreendedores que vivem de vender no Mercado Livre. Esse conceito de democratizar o comércio que a gente fala também é um veículo pelo qual o comércio eletrônico se desenvolve.

Recentemente, o Mercado Livre passou a ocupar o Nasdaq 100, substituindo o Yahoo. O que essa conquista representa para vocês e, na esteira dessa questão, como é que vocês vão fazer para se manter nesse posto?

Para nós, foi um motivo de muito orgulho estar hoje no grupo seleto das cem principais empresas de tecnologia desse índice Nasdaq. Podemos dizer as cem principais empresas de tecnologia do mundo. Em substituição ao Yahoo tem um significado duplo. Para nós, tem um significado, como eu disse, de orgulho, porque a gente passou a ocupar um espaço que até então era ocupado por uma empresa ainda muito reconhecida como um nome que, em dado momento, foi quase sinônimo de internet.

Talvez os ouvintes mais jovens não se deem conta disso, mas quem está aí há mais tempo lembra do Yahoo quase como a principal marca da internet. Antes de existir Google, Facebook, o Yahoo foi a primeira grande marca da internet. O outro aspecto é o do alerta que isso nos traz, como simbologia de que nesse mundo de tecnologia as mudanças ocorrem muito rápido e é preciso inovar para você continuar na vanguarda.

Então, quando nós olhamos para a frente, a simbologia é: ótimo, muito bom, a gente conseguiu atingir algo que poucas empresas conseguiram, mas ao mesmo tempo a gente só vai se manter nesse seleto grupo se a gente continuar a ser inovador, se a gente continuar a fazer crescer o nosso negócio.

Uma outra gigante do comércio eletrônico global, a Amazon, chegou no Brasil há alguns anos com a venda de livros e se estabeleceu. Neste segundo semestre de 2017, a empresa veio para cá com toda a sorte de produtos eletrônicos. Pensando no longo prazo, como é que esse player impacta a estratégia de vocês?

A gente tem uma estratégia que não está focada nos nossos concorrentes. Acho que é importante dizer que a nossa estratégia é de oferecer a melhor experiência. A gente acredita que isso é o que vai fazer com que o Mercado Livre continue a crescer e a se desenvolver e fazer com que a nossa rede seja uma rede cada vez maior, voltando em um ponto que a gente falava no início sobre esse efeito de rede. Dito isso, reconhecemos eles como um grande player nesse segmento no qual nós já aprendemos e, provavelmente, temos coisas ainda a aprender, mas o fato é que operar o comércio eletrônico localmente em cada um dos mercados onde a gente está não é a mesma coisa do que operar fora do país.

Cada país tem as suas questões de relacionamento com vendedores – é algo bem particular de um país -, meios de pagamento locais que são especificamente locais, e com a infraestrutura logística também naquele país. Então, o fato de ter um relacionamento com algum meio de pagamento em um país ou algum provedor logístico em um país não te traz, necessariamente, nenhum benefício para um segundo país. Você precisa se conectar, mesmo que seja a mesma empresa globalmente.

Então, sei lá, Mastercard e FedEx. O fato de você estar conectado com Mastercard nos Estados Unidos não quer dizer que te dá algum benefício para você se conectar com Mastercard no Brasil. O modelo, por exemplo, de avaliação de risco que você tem para aceitar um pagamento de cartão de crédito lá nos Estados Unidos não é o mesmo modelo para você aprovar um pagamento com cartão de crédito aqui no Brasil. Mesma coisa com a logística. A operação logística que você tem nos Estados Unidos pode te dar uma noção do que é uma operação logística eficiente, mas os provedores com os quais você vai trabalhar aqui no Brasil são outros. O desafio de operar o comércio eletrônico é muito local. A gente tem 18 anos atuando nesse mercado, então acho que o desafio para quem está começando hoje nesse mercado é correr atrás. Hoje, a gente é o líder nesse segmento, então a gente é que está à frente.

Em 2018, para onde vai o Mercado Livre?

Vamos continuar a crescer muito. Nossa expectativa é essa, estamos trabalhando para isso. Trabalhamos muito no que é o sortimento de produtos, então a gente tem uma iniciativa forte, que são as lojas oficiais. A gente tem trazido marcas de fabricantes e de varejistas para vender no Mercado Livre. Temos uma vitrine tão grande e oferecemos para eles essa vitrine para que eles venham anunciar e vender aqui conosco. Esse é um trabalho constante e tem sido desenvolvido muito satisfatoriamente até aqui, mas com um caminho muito grande.

A gente ainda hoje tem conversas com empresas grandes, marcas conhecidas que não têm uma visão ainda para o comércio eletrônico, não têm uma estratégia para o comércio eletrônico, curiosamente. Mas nisso eu vejo uma oportunidade, então esse é um caminho que vai continuar em 2018. A questão logística é para nós também outra questão de muito foco. Temos trabalhado para que o tempo de entrega dos produtos seja menor e que o custo de envio seja menor também conforme a gente vai ganhando escala, e isso é uma área de foco para a gente.

Recentemente, a gente lançou o que a gente chama de operação de fulfillment, que é uma operação em que a gente armazena os produtos dos nossos vendedores e, conforme eles vendem no Mercado Livre, a gente faz toda a operação logística de manuseio, empacotamento e entrega desse produto por conta desses vendedores. O benefício que traz é um tempo menor de manuseio, um tempo menor de entrega do produto, uma satisfação maior do nosso cliente comprador e também uma satisfação do cliente vendedor. É um serviço que a gente está oferecendo para eles. É algo que a gente lançou há muito pouco tempo aqui, ainda é muito insipiente, mas em 2018 a gente pretende acelerar isso muito.

A terceira área de foco em 2018 é a área de pagamentos, que para a gente é uma área que já é representativa dentro do marketplace do Mercado Livre, mas a gente olha para pagamentos como um negócio gigantesco fora do ambiente do Mercado Livre. Ou seja, como um meio para facilitar pagamentos na internet o Mercado Pago tem um caminho grande e um potencial até mesmo maior do que o marketplace. Vamos continuar também a acelerar o negócio de pagamentos em 2018.