Comprar ou vender?

Cogna (COGN3) a R$ 18 com ‘Fator Lula’? É o que ação precisa ou mercado erra ao precificar Fies turbinado?

20 out 2022, 16:35 - atualizado em 20 out 2022, 16:35
Cogna
Seria esse o impulso que a companhia precisa para se recuperar, processo que se arrasta desde 2017? (Imagem: Instagram/ Kroton Educação)

A ação da Cogna (COGN3), uma das maiores empresas de educação do país, disparou nas últimas semanas na esteira da corrida eleitoral.

A alta ocorreu, sobretudo, após promessa do ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva de turbinar os programas Fies (financiamento estudantil) e Prouni.

Os papéis de educação, que ainda não se recuperaram do estrago feito pela Covid-19, são apontados como beneficiários de uma eventual volta de Lula à presidência. Seria esse o impulso que a companhia precisa para se recuperar, processo que se arrasta desde 2017?

Para analistas ouvidos pelo Money Times, a equação não é tão simples.

O x da questão: Fies

Apesar de ter sido criado em 1999, foi nas gestões petistas que o Fies ganhou fôlego e abrangência. Em 2010, na esteira do bom momento econômico vivido pelo Brasil, as regras mudaram, tornando-se mais flexíveis, como a queda da taxa de juros de financiamento de 6,5% para 3,4%.

Em 2015, novos critérios facilitaram ainda mais o ingresso de pessoas ao ensino superior. Porém, com a crise fiscal que atingiu o país, o programa encolheu ano após ano.

Além da falta de recursos do governo, a economia embicou, desabando 3% em 2016.

Desemprego em alta e perda de renda do brasileiro, essenciais para sustentar a entrada ao ensino superior, fizeram com que os estudantes abandonassem ou adiassem o sonho do diploma — o que colocou as empresas em uma ‘sinuca de bico’.

Para se ter uma ideia do estrago para a Cogna, uma das redes mais beneficiadas (e prejudicadas) com o programa do governo, em 2014 eram 258 mil alunos matriculados. Em 2020, o total passou para 20 mil e, no primeiro semestre deste ano, a companhia encerrou o período com 6,6 mil, queda de 97%.

E mais do que o número de alunos, a analista Paola Mello, da gestora GTI Administração de Recursos, lembra que o ticket (valor pago por aluno) do Fies era alto.

“Muitas pessoas, além de estudar, foram estudar cursos de valores agregados muito superiores ao que elas poderiam bancar. Ela faria um curso de Administração, mas foi fazer uma Engenharia, ou Medicina ao invés de Enfermagem”, coloca.

Tudo isso se refletiu no preço da ação. O papel saiu de R$ 18 em 2017 para os atuais R$ 2,90, atingindo a mínima histórica em julho, quando chegou a R$ 2.

Problema mais embaixo

Mesmo que os analistas concordem que o encolhimento do Fies tenha sido o principal fator para a derrocada da ação, o problema da Cogna é seu alto endividamento — a companhia fechou o segundo trimestre de 2022 com uma dívida bruta de R$ 6,9 bilhões.

“O caminho ideal para a Cogna é desalavancar e resolver o problema de dívidas. É isso que afeta bastante a empresa. E com o recente programa de dívida ela se capitalizou e ganhou fôlego”, afirma Virgílio Lage, especialista da Valor Investimentos.

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, recorda que a Cogna passou cinco anos enxugando sua estrutura para se readaptar a uma realidade “sem” Fies e Prouni, não só estruturalmente, mas financeiramente, acumulando vários trimestres de prejuízo.

“Hoje a empresa não depende de fato dessa receita, e caso viesse ajudaria bastante, mas longe de ser a tábua de salvação, pois com uma concorrência crescente, a margem do setor diminuiu, o que abre menos margem para erros”, discorre.

O analista diz ainda que a empresa não está tão bem capitalizada para aproveitar essa oportunidade na linha dos “cursos premium”, como Medicina e Odontologia.

“Então, para aproveitar essa oportunidade, a Cogna teria de aumentar o seu já elevado endividamento, ou diluir os acionistas através de uma nova emissão de ações, o que mostra que a conta é mais complexa do que parece”, completa.

Lula
Lula promete fortalecer o Fies (Imagem: REUTERS/Mariana Greif)

E se… Lula ganhar?

Na visão de Mello, é difícil fortalecer o Fies com a atual situação fiscal do país.

“Eu não acredito em cenário de ter um novo Fies fortalecido, mesmo em uma eventual vitória do Lula. A situação fiscal do Brasil é muito mais delicada do que quando a Dilma assumiu. Naquele período existia muito mais espaço para esse tipo de programa. Hoje já seria bem mais complicado”, observa.

A analista destaca ainda que existe um fator social, já que boa parte dessas dívidas do Fies nunca foram pagas. Recentemente, o presidente Bolsonaro deu um perdão para parte dos estudantes.

“A verdade é que o financiamento estudantil não foi equacionado em nenhum país. Olha os Estados Unidos, uma das maiores economias do mundo, e têm grandes desafios nessa parte de financiamento estudantil. Não veremos o Fies como no Governo Dilma. O Prouni, sim, é um programa que roda bem e deve continuar. Você dá bolsas em troca de isenções de impostos, acredito que continue”, completa.

Cogna está fazendo a lição de casa?

Para os analistas, o plano de apostar no EAD (ensino à distância) parece correto. Em 2020, a companhia apresentou um plano de reestruturação do Campus Kroton, que reúne universidades como Anhanguera e o Colégio Pitágoras.

Além disso, a empresa lançou um marketplace de educação voltado para jovens e adultos que integrou produtos de ensino da empresa com outros oferecidos por terceiros, na expectativa de preservar seus negócios em meio à crise gerada no setor pela pandemia.

“Dado todos esses desafios, parece ser muito mais interessante ter uma empresa voltada para o ensino online, com um ticket que o aluno consegue pagar, mesmo um aluno classe baixa, que não precisa de crédito e que não vai ter uma inadimplência”, diz Mello, da GTI.

Ela argumenta que apesar do ticket mais baixo (calcula-se ser necessário de dois a três alunos do digital para um aluno presencial), as mensalidades estão dentro da realidade do brasileiro.

“Se olhar a população brasileira, poucas pessoas têm dinheiro para pagar um ticket acima de R$ 800 por mês. Agora, um ticket de R$ 200, muitas pessoas podem pagar, até uma pessoa que ganha um salário mínimo. A estratégia de focar no digital e deixar no presencial só cursos de maior valor agregado funciona e é o caminho certo”, observa.

Já Idean, da Ação Brasil Investimentos, ressalta que é necessário saber se a companhia terá fôlego para viver esse sonho por conta do alto endividamento, “se o país vai conseguir manter o ritmo de crescimento e melhorar a economia local, já que é um setor cíclico”.

“As pessoas só buscam capacitação com a certeza de que vão continuar empregadas e a renda continuará aumentando, e se a margem financeira permitirá continuar o crescimento e a inovação na empresa”, complementa.

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Em caso de vitória de Jair Bolsonaro, a ação poderia sofrer, pois o mercado veria como muito reduzida a chance de retorno de um Fies e um Prouni mais robustos (Imagem: REUTERS/Suamy Beydoun)

E se… Bolsonaro ganhar?

Apesar da recente melhora, os analistas ainda têm mais dúvidas do que certezas para o futuro da companhia. Segundo Idean, são muitos “e se” para responder, os quais devem ser acompanhados trimestre a trimestre para saber se, de fato, o “caminho certo” está acontecendo.

Para ele, em caso de vitória de Jair Bolsonaro, a ação poderia sofrer, pois o mercado veria como muito reduzida a chance de retorno de um Fies e um Prouni mais robustos.

“A tendência é que o ambiente fique ainda mais desafiador para essas empresas, o que provavelmente pode tirar o apetite de alguns investidores que esperam essa tese”, destaca.

Apesar disso, Idean coloca que os fatores macro são mais importantes para se acompanhar o setor. “É o crescimento, ou não, da economia que vai determinar em boa parte se as pessoas vão ter um pouco mais de renda para investir em educação”, pontua.

Diferente da opinião de agentes do mercado, Mello não acredita que ação tenha subido por conta do fator Lula.

“A ação está muito barata, o pior já passou de pandemia, o balanço está bem mais limpo e há toda a reestruturação que fizeram nos últimos dois anos”, diz.

Ela também recorda que investidores começam a tomar mais risco porque, em termos relativos, o Brasil está melhor que o resto do mundo.

“Outro fator que ajuda a Cogna é que foram feitas muitas transações no mercado de cursos de medicina e os valuation estão elevadíssimos. O mercado espera que a Cogna faça algo com a sua parte de medicina. Isso poderia trazer recursos para a companhia, desalavancar mais”, completa.

É hora de comprar?

Em relatório recente, o BB Investimentos manteve a recomendação neutra para o papel com preço-alvo de R$ 4.

A analista Melina Constantino, que assina o documento, revisou as projeções da companhia para cima, como Ebitda, que mede o resultado operacional, em função de números acima do esperado no segundo trimestre, mesmo diante de um cenário macroeconômico desfavorável e da dificuldade de repasse da inflação nas mensalidades.

Apesar disso, a cautela para a Cogna permanece, com os frutos da reestruturação concluída na Kroton e a recuperação dos resultados pós-pandemia coincidindo com a piora sensível do ambiente de negócios doméstico em meio à volatilidade de um período eleitoral.

“Neste contexto, preservamos a cautela para um setor bastante cíclico, como o educacional, mesmo diante de alguns indicadores domésticos que têm surpreendido positivamente, como os dados do mercado de trabalho e o encerramento do ciclo de aperto monetário no Brasil”, completa.

De acordo com compilação da Reuters, de 14 analistas, sete possuem recomendação neutra, sete de venda e nenhum de compra.

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