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Claudia Mancini: cadeias de suprimentos levam rasteira da COVID-19 e blockchain pode reerguê-las

18 maio 2020, 13:00 - atualizado em 18 maio 2020, 11:42
Cadeias de suprimentos foram muito afetadas conforme o pânico causado pela pandemia fez com que muitos produtos esgotassem e empresas não conseguiam atender a demanda (Imagem: Freepik/senivpetro)

Bastou os governos mundo afora anunciarem o distanciamento social e o confinamento (“lockdown”) por conta da COVID-19 para que a população corresse para os mercados e abastecessem suas despensas, inclusive (e inexplicavelmente) de papel higiênico.

Foi a expressão do medo, de que problemas no fornecimento impedissem que produtos chegassem às prateleiras para venda.

A tragédia da escassez não se confirmou, apesar de a pandemia afetar o comércio global e escancarar falhas e processos jurássicos nas “supply chains” (cadeias de suprimentos).

A globalização as tornou em uma colcha de retalhos de produtos vindos de diferentes fornecedores e países, em boa parte da China, onde tudo começou.

Estima-se que ao menos 51 mil empresas no mundo tenham fornecedores diretos (tier 1) nas áreas chinesas afetadas pela COVID-19 e ao menos cinco milhões tenham fornecedores de fornecedores (tier 2).

No Brasil, pesquisas apontam que a maioria das empresas teve problema na logística de produtos e matérias-primas com a pandemia.

Além da distribuição global de fornecedores dificultar a vida na quarentena, há outros fatores que são de alto risco para as cadeias de suprimentos em qualquer situação.

A tecnologia blockchain facilitaria o processo de rastreamento de produtos, ao saber, em tempo real, aonde vão, onde estão e se já foram entregues para o destinatário (Imagem: Freepik)

Um deles é que empresas não costumam monitorar o que vem de fornecedores indiretos. Outro é que, mesmo em 2020, boa parte do trabalho de “back-office” — se não toda — é feita no papel.

Portanto, numa situação em que deve-se fechar ou reduzir a jornada de trabalho, os que procuram saber o paradeiro da sua carga acabam no “ninguém sabe, ninguém viu”. Ou seja, hoje, você sabe exatamente onde está o entregador da sua pizza, mas não tem ideia em que lugar do planeta está sua carga.

É justamente aí que entra a tecnologia blockchain. Por sua capacidade de integrar diversos membros de uma cadeia de suprimentos com o compartilhamento seguro de dados para todos, foi logo usada na pandemia para garantir o fornecimento de equipamentos médicos, remédios e itens de proteção, como máscaras.

Já falamos em outras edições que blockchain é uma rede feita para conectar o maior número de membros possível, idealmente de diversos segmentos de uma cadeia de produção.

Os dados são compartilhados por todos com mais rapidez, segurança e transparência. Tudo é registrado de forma é imutável, ou seja, se um dado estiver errado propositadamente ou por descuido, para mudá-lo é preciso fazer um novo registro que todos os participantes poderão conferir.

Com a criptografia, o compartilhamento é mais seguro. Se blockchain for associado a soluções como internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), em que se coloca um chip num produto para acompanhar seu trânsito, e/ou inteligência artificial (IA), para analisar todos os dados, seu impacto positivo na cadeia de suprimentos pode ser enorme.

A tecnologia é nova e muitos projetos estão em fase de testes, pois cada empresa ou cadeia precisa avaliar se blockchain é, efetivamente, a melhor solução. Mas é fato que as cadeias de fornecimento estão entre as maiores usuárias da tecnologia.

A tecnologia blockchain já é aplicada, por exemplo, no rastreamento de drones que levam suprimentos médicos que precisam ser usados com urgência (Imagem: Crypto Times)

São projetos que vão do monitoramento e da rastreabilidade de origem de produtos — como está sendo feito pela Mercedes-Benz com suas baterias — ao compartilhamento de dados e documentos nas exportações de soja e milho, projeto que traders líderes do agronegócio lançarão no Brasil.

O que se busca, dentre outras coisas, é maior agilidade e prevenção de erros, já que interrupções na cadeia e outros problemas, como “recalls”, contaminação de alimentos e trabalho escravo, custam caro.

Com consumidores cada vez mais exigentes sobre a origem e a forma como produtos são feitos, a necessidade desse monitoramento tem crescido.

O World Economic Forum (WEF) afirma que, para a recuperação do baque sem precedentes em velocidade e escala causado pela pandemia, será preciso que as cadeias de suprimentos sejam mais tecnológicas. “Mais de 4 trilhões de produtos são embarcados todos os anos e não podemos continuar a operar no escuro quando se fala em rastreá-los.”

Alexandre Boschi, gerente sênior e especialista em “supply chain”, logística e manufatura da consultoria Ernst & Young (EY), afirma que empresas de setores como hospitalar, bens de consumo e indústrias de base têm buscado suporte para resolver problemas em suas respectivas cadeias.

“Muitas delas não estavam preparadas para gerir negócios nessa pandemia e a interrupção foi imediata”, disse ele.

Setores que cresciam exponencialmente, como mobilidade e automação no varejo, suspenderam projetos até entenderem o novo cenário. Outros tiveram uma demanda de logística para entregas, por exemplo, para a qual não estavam preparados.

E agora?

A adesão do blockchain não será imediata; são necessários inúmeros testes em diversos setores para que empresas confiem na tecnologia (Imagem: Freepik/ vector_corp)

Agora, empresas buscam por tecnologias que ajudem a reduzir custos operacionais e garantam maior resiliência de suas cadeias de suprimentos, para que sejam mais ágeis, flexíveis e responsivas, diz Carlos Rischioto, líder técnico de blockchain da IBM.

Por isso, a pandemia pode acelerar o uso de soluções como blockchain, IA e “cloud” (armazenamento em nuvem). Mas não se espere uma corrida maluca no mundo pós-pandemia. Será um processo em etapas, embora com redução na tomada de decisão das empresas, diz o executivo.

Porém, optar por algo como blockchain não é só uma questão de tecnologia. Exige que os membros da rede queiram um modelo de negócios mais colaborativo, de consensos e transparência.

O prêmio é um controle melhor da cadeia, da produção e um menor número de disputas, já que tudo é registrado, inclusive os contratos. É, em última instância, uma mudança de mentalidade.

Fúlvio Xavier, gerente sênior para blockchain da EY, concorda que a adoção de tecnologias se dará em etapas e acredita que, no caso de blockchain, será mais lenta do que muitos imaginam, por conta da complexidade de sua implantação.

Mas a adoção de novas tecnologias, como blockchain e IoT, volta para a pauta das empresas e deve auxiliar nas dinâmicas de mercado e na eliminação das deficiências notórias das cadeias de suprimento.

Apesar de imaginar um processo em etapas, há dois pontos muito importantes a considerar.

O primeiro é que ninguém sabe exatamente o que será o novo normal. Ainda é cedo para saber o real impacto da pandemia na velocidade dos projetos, lembra Rischioto.

Outro ponto, como explica Boschi, é que uma coisa é “fazer digital” e outra é “ser digital, o que exige uma estratégia de transformação digital”.

Vamos ver o quanto a pandemia conseguirá criar, nas empresas brasileiras, consciência para a transformação.

Claudia Mancini é jornalista e cientista política, especializada em economia e negócios. É fundadora e editora-chefe do site Blocknews, focado na cobertura do uso de blockchain em empresas, governos e projetos sociais. Passou a estudar e cobrir a tecnologia ao ver os benefícios que pode gerar em eficiência, transparência e inclusão social. É membro do Womcy (Women in Cybersecurity), acompanhando a ligação entre segurança cibernética e blockchain. Segue também a evolução das outras tecnologias da 4ª Revolução Industrial, como Internet das Coisas (IoC) e Inteligência Artificial (IA).

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