Claudia Mancini: blockchain público, privado e híbrido – cada um no seu quadrado
Em minha coluna de março — a primeira aqui no Money Times —, escrevi sobre como empresas e governos descobriram que a tecnologia blockchain pode ajudá-los a serem mais eficientes e transparentes. É um uso diferente daquele das criptomoedas.
Se você ainda não conhece essa diferença, vale conhecer, porque seu próximo emprego ou oportunidade de investimento pode estar no blockchain empresarial ou numa empresa que usa essa tecnologia.
Para começar, é preciso lembrar que o mercado divide blockchain em três tipos: redes públicas ou não permissionadas (“permissionless”), privadas ou fechadas (“permissioned”) e híbridas.
Redes públicas (“permissionless”)
Tudo começou com a rede pública Bitcoin; outras apareceram, como Ethereum. São redes em que participa quem quiser. Para os “puristas”, é o verdadeiro blockchain pela estrutura descentralizada e democrática.
Isso quer dizer que as informações estão distribuídas na rede. Todos veem, mas são criptografadas —privadas. Além disso, todos “comandam” a rede porque fazem parte da estrutura de governança.
As transações são peer-to-peer (P2P), de um membro para o outro, sem intermediários, como Satoshi Nakamoto, o criador do blockchain que conhecemos e do Bitcoin, pregou. É o poder de decidir sobre seus recursos e a libertação de poderes centralizados, pregada pelos libertários que, em geral, são puristas.
Quando algum membro, chamado de nó, consegue registrar um bloco de informações criptografadas na cadeia, recebe uma moeda como bitcoin ou um token como recompensa, o que incentiva o uso da rede (processo conhecido como mineração).
Além dos registros, os nós também validam as transações registradas pelos nós mineradores para garantir que está tudo certo, já que se trata de uma rede de confiança, sem um controle central.
Isso busca evitar ataques que prejudiquem as transações, os saldos dos usuários e as redes em si. Se houver uma tentativa de ataque, as chances são grandes do mau agente ser identificado, já que todos os nós possuem cópias idênticas dos registros.
Por isso, as informações “escritas em pedra” em criptografia e blocos dificilmente serão mudadas.
Redes privadas (“permissioned”)
As redes privadas chegaram depois das redes de cripto, mas também estão em expansão e isso ajuda a explicar por que o LinkedIn Learning afirmou que blockchain será a habilidade técnica mais procurada em 2020.
Não sabemos como serão as coisas depois que a pandemia do coronavírus passar, mas a transformação digital das empresas é caminho sem volta, seja lá o ritmo em que vá acontecer.
Projetos em blockchain continuam a aparecer, como os anunciados recentemente pela Covantis, de gigantes como Cargill e Bunge, GrainChain — ambos incluem o Brasil — e BMW.
As empresas veem os benefícios de blockchain, mas não querem que seus dados fiquem expostos, em boa parte para não entregarem suas estratégias de mercado e respeitarem regras de compliance.
Então, passaram a criar suas próprias redes. Como blockchain é um negócio de comunidade, estão fazendo isso com parceiros de negócios.
Pode ser para controlar qualidade na cadeia de suprimentos, como faz a BMW, acelerar o trânsito de uma carga internacional, como faz a TradeLens, ou tornar o envio de dinheiro a outros países mais rápido e barato, como é o caso da Ripple.
Na rede privada, opera quem faz parte do negócio — por isso o termo “permissionada”. As transações financeiras ou de dados são entre os membros (P2P) e visíveis apenas para quem faz a transação.
O grupo decide como a plataforma vai funcionar: regras como os dados que serão trocados entre os membros, a responsabilidade de cada um e quem e como se decide sobre mudanças.
Essas regras de governança, aliás, são um calcanhar de Aquiles. A Accenture diz que essas discussões podem representar cerca de 30% do tempo investido num projeto blockchain.
Deu para perceber que a privacidade existe nessa rede conforme os membros a acharem importante para seus negócios e para a comunidade.
Os dados registrados também não mudam, como no blockchain público — para mudar, deve-se criar outro dado para corrigir o anterior. Não é preciso, mas pode haver um esquema de validação de informações.
Como a validação é muito mais fácil e o grupo decide quais são as regras do jogo, os blockchains permissionados podem ser bem mais eficientes e flexíveis do que os públicos em dois pontos importantes: registram mais transações por segundo e não geram um gasto absurdo de energia em seus registros.
Contratos inteligentes
Para completar, foram criados aplicativos para facilitar a vida das empresas nas redes blockchain.
Por exemplo, os contratos inteligentes, que têm criptografados os dados do acordo, inclusive as penalidades, que podem ser aplicadas automaticamente se o combinado for desrespeitado. No mundo dos negócios, onde o “diz que não disse” é frequente, isso é música para os ouvidos.
Esses contratos se chamam “smart contracts” e rodam em plataformas como a Ethereum. Sim, é uma rede pública, mas a grande sacada de Vitalik Buterin, o russo-canadense que a criou em 2013, aos 19 anos, foi pensar em novas aplicações para blockchain.
Por isso, redes como a Quorum, criada pelo JP Morgan para instituições financeiras, replicaram a estrutura da Ethereum numa rede fechada. Buterin é um gênio mesmo.
Uma forte crítica a essas redes é a de que fogem do conceito purista de blockchain: informações não são descentralizadas, pois requerem permissão, e não necessariamente há anonimato nem geração de blocos.
Assim, dizem que não são blockchain, pois apenas usam a tecnologia de registro distribuído (DLT). O fato é que, na prática, quem vende e usa chama de “blockchain”.
Blockchains híbridos
Finalmente, chegamos às redes híbridas. Elas também podem ser customizadas, com uma parte de dados aberta aos membros, mas operando por permissão.
A XinFin é um exemplo. Nela, carteiras digitais podem ficar abertas para a compra e venda de tokens e as empresas podem ter sub-redes e se comunicarem por elas.
Nessa toada de projetos no mundo corporativo, a empresa de pesquisas Gartner estimou que, em 2030, o valor adicionado aos negócios pelo blockchain chegaria a cerca de US$ 176 milhões e depois saltaria para US$ 3,1 trilhões em 2030.
De novo: se esses valores se confirmarão após a pandemia, é cedo para saber. Mas tudo indica que parte disso vai ser executado.
Claudia Mancini é jornalista e cientista política, especializada em economia e negócios. É fundadora e editora-chefe do site Blocknews, focado na cobertura do uso de blockchain em empresas, governos e projetos sociais. Passou a estudar e cobrir a tecnologia ao ver os benefícios que pode gerar em eficiência, transparência e inclusão social. É membro do Womcy (Women in Cybersecurity), acompanhando a ligação entre segurança cibernética e blockchain. Segue também a evolução das outras tecnologias da 4ª Revolução Industrial, como Internet das Coisas (IoC) e Inteligência Artificial (IA).