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Claudia Mancini: blockchain parece ser a luz no fim do túnel do setor energético

04 jul 2020, 11:00 - atualizado em 03 jul 2020, 16:18
O blockchain pode ser um grande aliado da migração de práticas danosas ao meio ambiente para o uso de energia renovável (Imagem: Unsplash/@ale_s_bianchi)

Mudanças profundas no setor energético, que está se descentralizando e digitalizando, e nos consumidores, que cada vez mais querem usar energia limpa, ver transparência nas empresas e até compartilharem o que usam, estão abrindo espaço para o uso do blockchain nessa indústria.

A aplicação de blockchain em energia não é tão comentada como em outros setores. Estima-se que haja entre 150 a 180 casos no mundo, sendo que boa parte deles são testes.

Podem não ser muitos, mas há dois pontos importantes que precisamos considerar: o primeiro é que testam-se formas de operação do setor completamente diferentes do que estamos acostumados a ver.

O outro é que há previsões de que os investimentos em blockchain nessa indústria têm potencial para chegar a US$ 34,7 bilhões em 2025, o que seria um crescimento médio de 83% ao ano, desde 2018.

Modernizar o setor incluindo o uso de blockchain pode significar benefícios como redução de custos, tarifas mais baixas, maior precisão no controle do consumo e de valores a serem cobrados, segurança no fornecimento e novas formas de ganhar dinheiro para as empresas e até para você, leitor.

Tem ainda um outro fator que é o incentivo a energias renováveis, como a solar e a eólica.

Faltam informações sobre o número de casos no Brasil, mas existem para diferentes funções, tanto no setor de petróleo e gás, conhecido por ações inovadoras, quanto no setor elétrico, conhecido por ter várias operações que pararam no tempo e que precisam urgentemente de modernização.

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“Prosumidores” é o termo híbrido para “produtores/consumidores” e se refere àqueles que fornecem, mas também utilizam o serviço (Imagem: Reuters/Amanda Perobelli)

Nova figura: o prosumidor

Em 2018, a EDP foi a primeira do setor no país a anunciar blockchain para medir e registrar o consumo e geração de energia solar de seus consumidores, a chamada geração distribuída.

Esses consumidores alugam cotas de centrais solares, consomem a energia das placas e podem vender o que não usarem. São os tais prosumidores, uma figura que está se tornando comum no mundo todo.

Um aparelho criptográfico nos contadores acompanha o movimento de uso e venda de eletricidade e calcula valores e taxas com segurança.

Blockchain pode criar modelos de negócios principalmente para os pequenos geradores e na área de renováveis, afirmam Marcela Gonçalves e Jennifer Simões, da startup Multiledgers, no artigo “Uma perspectiva da tecnologia Blockchain no setor de energia”, publicado no Boletim de Conjuntura do Setor Energético da FGV de janeiro de 2020.

Pode também facilitar o acesso a energia em locais onde a eletricidade ainda não chega. Na África, há projetos de energia solar com esse objetivo. É sempre bom lembrar que a energia que está iluminando o ambiente em que você está, ainda não é acessível a todos.

Por isso, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas, o sétimo, é o de que, até 2030, todas as pessoas do mundo tenham acesso a serviços de energia modernos, acessíveis financeiramente e confiáveis.

Esse tipo de negociação de energia dos prosumidores é chamada de pessoa para pessoa (P2P, na sigla em inglês). É a venda direta, sem intermediários.

A Fohat, uma startup de apenas três anos, do Paraná, tem feito projetos desse tipo aqui e fora. Um deles é para o Queen Victoria Market em Melbourne, na Austrália.

Ali, estão ajudando a criar um sistema de geração e venda de energia na comunidade formada pelo mercado e seu entorno. Isso permite que a energia solar gerada durante o dia e não usada pode, por exemplo, ser vendida à noite para quem precisa.

Veículos elétricos parecem uma realidade distante, mas se houver mais incentivos de blockchain e projetos de energia limpa, logo os estaremos dirigindo por aí (Imagem: Brave New Coin)

Carros elétricos

Com o surgimento dos carros elétricos, sistemas inovadores com blockchain também começam a aparecer nessa área. Dentre as soluções está a de devolver à rede a carga da bateria que não vai ser usada. Blockchain faz o controle desse vai e vem de energia.

Quem testa, está se preparando para um provável futuro em que veículos elétricos serão algo mais comum.

E nessa mesma linha de olhar o hoje com um olho e o amanhã com outro, a AES Tietê está, com a Fohat, montando um balcão de negociação digital de energia do mercado livre. Esse é o mercado em que grandes consumidores compram energia diretamente das geradoras.

Hoje, cerca de 30% da energia é vendida no mercado livre, mas a expectativa é de que, até 2028, tudo seja comercializado dessa forma.

O sistema da AES usa contratos inteligentes nas negociações, que são feitos digitalmente, criptografados e não podem ser alterados, uma característica do blockchain. Se alguém não cumpre o que está no contrato, o sistema dispara a eventual penalidade.

Certificados de uma empresa que se compromete com a sustentabilidade pode beneficiar o meio ambiente, o “bolso” das empresas e sua reputação (Imagem: Unsplash/@zburival)

Incentivo à energia limpa

Não é novidade a emissão de certificados que representam uma quantidade de energia limpa gerada uma empresa. Há um mercado desses certificados, comprados, por exemplo, por uma empresa consumidora que quer mostrar que é sustentável.

O Instituto Totum, emissor desses certificados, os I-REC, está usando blockchain para garantir que um certificado não seja vendido duas vezes ou alterado.

Aqui, o motivo de uso da tecnologia é evitar fraudes. Com a segurança gerada por blockchain, o instituto espera que mais gente se interesse pelos certificados. Com eles, a geradora ganha na venda da energia e na do certificado.

Para óleo e gás, tem casos também no Brasil. A Petrobras está testando blockchain para a assinatura interna e digital de relatórios, por celular. O objetivo, neste caso, é transparência.

O que foi citado neste artigo são apenas alguns dos usos da tecnologia em energia. Há ainda outros que certamente serão revelados. O importante é as empresas no Brasil tentarem descobrir se, e para o quê, a tecnologia pode ser aplicada em seus negócios.

Blockchain não serve para tudo, portanto estudar e testar é primordial. A obrigação que as concessionárias de eletricidade têm de investir 1% da receita operacional líquida em pesquisa e desenvolvimento (P&D )pode ajudar nesse processo.

Além da análise técnica e operacional, é preciso avaliar se questões regulatórias e normativas facilitam ou barram o uso de novas tecnologias como o blockchain.

Mudanças poderão ser necessárias para determinar padrões, uso correto de dados privados e novos cálculos de tarifas, para citar alguns pontos.

Fácil, não é. Mas também não é impossível. Se o preço de entregar mais acesso, eficiência e segurança aos consumidores inclui essas mudanças, vale a pena.

Claudia Mancini é jornalista e cientista política, especializada em economia e negócios. É fundadora e editora-chefe do site Blocknews, focado na cobertura do uso de blockchain em empresas, governos e projetos sociais. Passou a estudar e cobrir a tecnologia ao ver os benefícios que pode gerar em eficiência, transparência e inclusão social. É membro do Womcy (Women in Cybersecurity), acompanhando a ligação entre segurança cibernética e blockchain. Segue também a evolução das outras tecnologias da 4ª Revolução Industrial, como Internet das Coisas (IoC) e Inteligência Artificial (IA).