Clã português contorna crise com venda de participação em estradas do país
A família Mello, de Portugal, sobreviveu a duas guerras mundiais, nacionalizações e resgate internacional. A estratégia de se manterem unidos e tomar algumas decisões importantes na hora certa parece ter valido a pena mais uma vez, mesmo em meio a uma pandemia.
O clã bilionário, que teve papel central na industrialização de Portugal, concretizou um de seus maiores desinvestimentos no fim do mês passado: a venda de uma participação na Brisa-Auto Estradas de Portugal, o que avaliou a maior operadora de rodovias pedagiadas do país em 3 bilhões de euros (US$ 3,3 bilhões).
A transação, que ainda não foi concluída, foi concretizada mesmo com a quebra dos negócios globais devido ao coronavírus.
“A adversidade não é um fenômeno novo para nós”, disse Vasco de Mello, presidente do conselho e diretor-presidente da holding familiar Grupo José de Mello, em conferência na semana passada.
“Passamos por mudanças de regime, guerras coloniais, crises econômicas, nacionalizações e o grupo sempre demonstrou capacidade de superá-las.”
Mello disse que os recursos com a venda da participação na Brisa – cerca de 1,2 bilhão de euros, segundo cálculos da Bloomberg – permitirão ao grupo reduzir dívidas e investir em negócios existentes e novos.
Ele não quis dar detalhes, sendo que qualquer decisão precisa ser discutida em um conselho de estratégia familiar que reúne regularmente os 12 irmãos Mello.
“Este é um grupo que se reconstruiu em tempos muito difíceis e está acostumado a lidar com incertezas e turbulências”, disse Miguel Figueira de Faria, historiador português e autor de livros sobre o clã. “O sucesso da família veio da capacidade de permanecer unida, uma cultura forte de vínculos com o passado e negócios que se mostraram corretos.”
Capitão da indústria
O papel da família na economia de Portugal remonta a Alfredo da Silva, um dos primeiros capitães da indústria do país. Sua holding CUF operava fábricas que produziam sabão, produtos químicos, fertilizantes e têxteis. Posteriormente, a operação expandiu-se para bancos, seguros, assistência médica, tabaco e transporte.
Silva, com seu bigode característico, costumava dizer que “o que o país não tem, a CUF cria”. No início da década de 1970, a família empregava cerca de 110 mil pessoas em mais de cem empresas e respondia por cerca de 5% do PIB de Portugal.
Em 1974, a família Mello perdeu o controle da maioria das empresas em Portugal após a revolução que derrubou a ditadura de quatro décadas. Alguns membros da família Mello e outros portugueses ricos fugiram do país, enquanto alguns foram presos.
‘Destruição gigantesca’
A família começou a retornar na década de 1980. Investiu em empresas novas e participou de um programa de privatização após Portugal ingressar na União Europeia, em 1986.
“As nacionalizações representaram uma gigantesca destruição de capital para o país e, obviamente, para a família”, disse Mello. “Era necessário reconstruir o grupo, e meu pai foi realmente o reconstrutor.”
Próxima geração
Os irmãos Mello lideram diferentes negócios: Vasco é o presidente da Brisa, Salvador comanda a divisão de saúde, João é o responsável pela Bondalti, enquanto Pedro dirige o negócio de vinhos e também é presidente do conselho de família.
O grupo está pronto para novas opções de investimento, e Vasco de Mello disse que membros da família mais antigos avaliam dar mais poder à próxima geração.
A família Mello conta com mais de 100 membros. Uma vez por ano, eles se encontram no Monte da Ravasqueira, propriedade da família, a cerca de 126 quilômetros ao leste de Lisboa e famoso pelo vinho homônimo.
“Estamos revendo e reformulando nosso protocolo familiar, que já tem 20 anos”, disse Vasco de Mello. “No futuro, também haverá a presença da próxima geração.”