Cientista destaca risco de coronavírus em alimentos importados
Existe um risco real de transmissão transfronteiriça do coronavírus através do mercado agroalimentar global de US$ 1,5 trilhão, segundo um cientista que estudou o fenômeno.
É possível que as importações de alimentos contaminados possam transmitir o vírus para trabalhadores e também para o meio ambiente, disse Dale Fisher, médico infectologista do Hospital Universitário Nacional de Cingapura.
Os mercados de alimentos congelados podem ser um porto na primeira parte de uma cadeia de transmissão, acrescentou.
“É como pegar uma carona no alimento, infectando a primeira pessoa que abre a caixa”, disse Fisher, que também preside a Global Outbreak Alert and Response Network, em entrevista. “Não se deve confundir com a contaminação de prateleiras dos supermercados. Está realmente no mercado, antes de haver muita diluição.”
Nos últimos meses, a China tem chamado a atenção para vestígios do patógeno SARS-CoV-2 em embalagens e alimentos, o que provocou temores de que itens importados estariam relacionados a recentes surtos de coronavírus. O governo de Pequim ordenou uma série de medidas preventivas, o que criou problemas para parceiros comerciais.
Embora esse tipo de transmissão continue sendo um evento “estranho”, a escala do comércio global de alimentos é tamanha que ocorrerá algumas vezes em milhões de importações e exportações, disse Fisher.
‘Duas escolas’
É uma teoria que foi minimizada pela Organização Mundial da Saúde e alguns países ocidentais. A OMS disse que evidências recentes de epidemiologia mostram que é “improvável” que o vírus possa ser transmitido de superfícies para o sistema respiratório humano. Já a FDA, que regula fármacos e alimentos nos EUA, também declarou não ter conhecimento de nenhuma evidência indicando que a doença pode ser transmitida através dos alimentos.
Fora da China, onde autoridades estão cada vez mais atentas à possibilidade de o coronavírus ser transportado e transmitido por embalagens de alimentos, a teoria é pouco mencionada ou discutida. Fisher é um dos poucos especialistas internacionais que estuda a propagação de surtos em alimentos contaminados frescos e congelados.
“Há duas escolas de pensamento, e a visão da minoria, a qual eu adoto, é que há muitas evidências circunstanciais”, disse Fisher. “Muitas pessoas podem ser contra porque não querem assustar o mundo – a comida pode ser uma fonte.”
Experimentos feitos pela equipe de Fisher mostram que o coronavírus pode sobreviver no tempo e temperaturas associadas às condições de transporte e armazenamento usadas no comércio internacional de alimentos.
O estudo, publicado em agosto, não identificou enfraquecimento do vírus após 21 dias sob temperaturas padrão de refrigeração de congelamento de alimentos, quando o patógeno foi adicionado a amostras de frango, salmão e porco.
O fato de que o coronavírus tende a proliferar em ambientes frios e secos tornou instalações de armazenamento a frio espaços ideais para a propagação do patógeno. Processadoras de carne e unidades de abate, em vez de escolas e igrejas, são mais propensos a serem focos de surtos de Covid-19, de acordo com Fisher.
Controles na China
A China disse várias vezes nos últimos meses que produtos refrigerados importados representam um risco de ressurgimento do coronavírus no país. Posteriormente, o país baniu produtos importados, como frutos do mar da Indonésia e asas de frango do Brasil, após testes positivos em contêineres de transporte e embalagens de alimentos.
Fisher argumentou que o motivo pelo qual países asiáticos têm maior probabilidade de encontrar evidências de transmissão por alimentos e embalagens é porque os surtos foram controlados em muitas dessas nações, ao contrário daqueles no oeste, que agora enfrentam uma segunda onda de casos.
“Você nunca identificaria nos EUA ou na Europa, porque só identificaria se, depois de nenhum caso em 100 dias, tivesse um pequeno foco”, disse. “Então diria, como esse pequeno foco começou?”
Para evitar isso, produtoras de alimentos precisam garantir que trabalhadores estejam atentos ao uso de máscaras, lavagem das mãos e higienização regular de superfícies e utensílios, disse.