China deve escolher entre inflação ou poluição gerada pelo aço
O vasto setor siderúrgico da China é palco de um conflito entre o crescimento econômico e uma agenda verde que aponta para desafios mais amplos, enquanto o presidente Xi Jinping tenta “limpar” o maior emissor de carbono do mundo.
O governo está pressionando para que a produção de aço caia de um recorde de mais de 1 bilhão de toneladas, em uma campanha desencadeada pela promessa de Xi de entregar uma economia neutra em carbono até 2060. Mas as primeiras medidas para espremer as siderúrgicas levaram a uma disparada dos preços e criaram uma dor de cabeça para legisladores preocupados com o aumento da inflação.
O choque de prioridades ficou evidente no apelo recente do premiê Li Keqiang por controles mais fortes sobre os mercados de commodities. Seus comentários seguiram dados que mostraram os preços ao produtor subindo em março no ritmo mais rápido desde julho de 2018, uma tendência que pode trazer problemas à recuperação da economia.
Altos executivos de empresas de materiais industriais, incluindo siderúrgicas, foram convocados para reuniões governamentais para discutir por que os preços estão subindo e como reagir, de acordo com pessoas a par do assunto. As siderúrgicas tiveram um aumento na lucratividade e a maior delas, Baoshan Iron & Steel, viu suas ações listadas no índice Shanghai avançarem quase 40% este ano, enquanto o índice de referência caiu.
“Em relação ao aço, eles realmente não têm ninguém a quem culpar, a não ser a si próprios”, disse Atilla Widnell, diretor-gerente da Navigate Commodities, em entrevista por telefone de Singapura. Tentar manter a produção sob controle junto com a demanda alimentada por estímulos inevitavelmente significou preços muito mais altos, disse ele.
A bobina de aço na China, usado em tudo, de carros a edifícios, é a mais cara desde 2008. Alumínio, que também é tema de políticas de carbono, atingiu o pico de uma década. A forte demanda está desempenhando um papel importante junto com os cortes de oferta, já que a recuperação econômica da China da pandemia depende fortemente de setores intensivos em commodities, como a construção.
Deixar a inflação subir muito é um risco para a economia porque acaba minando a demanda por produtos, ou levando as autoridades a restringir medidas monetárias e fiscais que promovam o crescimento.
É uma preocupação global que obviamente se estende muito além do aço, à medida que os países traçam seus cursos para sair da pandemia, e a China não divide seu índice de preços ao produtor por setores específicos. Mas a produção de aço é vital para sua economia, empregando grandes números, e o efeito da contenção da oferta sobre os preços mostra como os governos terão de trilhar um caminho cuidadoso ao reestruturar indústrias ditas “sujas”, mas importantes.
Carbono
A China produz bem mais da metade do aço mundial e o setor há muito é alvo das autoridades por causa da poluição persistente. Mas não é mais apenas a poluição das chaminés que está chamando a atenção do governo. A indústria também é responsável por cerca de 15% do carbono que a China lança na atmosfera todos os anos.
“A iniciativa neutra em carbono colocará pressão persistente sobre os preços ao produtor nos próximos anos”, disse Zhiwei Zhang, economista-chefe da Pinpoint Asset Management em Hong Kong, por e-mail. “O impacto do preço pode aparecer primeiro nos suspeitos de sempre, como o aço, que é intensivo em carbono, mas é provável que se espalhe para mais produtos manufaturados por causa da mudança geral do carvão para a nova energia.”
A China determinou cortes no principal centro siderúrgico de Tangshan, no norte, e prometeu checagens em todo o país para garantir que as regiões não estão desrespeitando os limites. A repressão em Tangshan provavelmente se repetirá em todo o país em meio à “aplicação vigorosa das políticas de restrição de oferta da China”, disse Tracy Liao, do Citigroup, em uma nota enviada por e-mail.
Os comentários do premiê Li sobre a inflação não ofereceram medidas específicas para combater a alta dos preços das commodities. O governo está considerando um ajuste nos impostos para trazer mais aço estrangeiro e compensar qualquer déficit doméstico. Mas isso é complicado por causa de uma recuperação muito forte no mercado global de aço.
Isso deixa os formuladores de políticas com um quebra-cabeça que pode não ter solução. “Como eles podem cortar a produção de aço?”, disse Widnell, da Navigate. “A resposta é que eu não acho que eles possam.”