Internacional

China abala rede secreta de especialistas de US$ 10 mil por hora

24 maio 2023, 12:13 - atualizado em 24 maio 2023, 12:13
China
O impacto na confiança de investidores na China pode ser duradouro, de acordo com entrevistas com mais de 20 gestores de recursos (Imagem: REUTERS/Aly Song)

Conversas privadas com executivos de empresas e ex-funcionários do governo que custam mais de US$ 10 mil por hora. Linguagem codificada e estratégias para contornar as linhas vermelhas regulatórias.

Para hedge funds e outros investidores globais, as vastas “redes de especialistas” da China tornaram-se uma ferramenta fundamental para navegar em uma potência econômica opaca, mas potencialmente lucrativa.

Para o Partido Comunista de Xi Jinping, a indústria secreta representa algo muito mais ameaçador: um risco à segurança nacional que deve ser contido.

Essa contradição agora abala o mundo financeiro, à medida que o governo da China reprime essas redes de especialistas elogiadas há menos de uma década, durante o primeiro mandato de Xi como presidente.

A campanha antiespionagem – centrada na Capvision, uma gigante do setor com escritórios em Xangai e Nova York – reacendeu a preocupação entre observadores da China de que a obsessão de Xi por segurança e o controle mais rigoroso das informações devem interferir em seu esforço para atrair investidores estrangeiros.

Autoridades chinesas dificilmente são as primeiras a examinar redes de especialistas, que se tornaram conhecidas do grande público nos EUA em 2010 por seu papel em escândalos sobre o uso de informações privilegiadas em hedge funds, entre eles SAC Capital Advisors e Galleon Group.

Mas a campanha de Xi se destaca pela força da repressão, sua ênfase na segurança nacional em um momento de crescentes tensões com os EUA e seu papel dentro de uma iniciativa mais ampla do governo para restringir o acesso ao que muitos consideram dados básicos sobre empresas e a economia.

O impacto na confiança de investidores na China pode ser duradouro, de acordo com entrevistas com mais de 20 gestores de recursos, consultores e advogados ligados a redes de especialistas.

Algumas empresas que se apoiaram por muito tempo no setor para se sentirem confortáveis com sua exposição à China começam a recuar ou cortar totalmente o acesso. Consultores especializados do exterior restringiram viagens à China, enquanto os que vivem no país estão cada vez mais cautelosos sobre com quem trabalham e o que dizem — independentemente de sua proximidade com setores sensíveis como semicondutores e defesa.

Mesmo quando a China tenta atrair investidores, o país “teme uma perda de controle das informações sobre as empresas que são transmitidas para estrangeiros”, disse George Magnus, economista e associado do Centro da China da Universidade de Oxford. “Esse tipo de ação simplesmente vai colocar mais combustível no ‘momentum’ de dissociação que já podemos ver.”

A demanda por serviços de especialistas aumentou à medida que Xi reforçou o controle sobre outras fontes de informação e investiu contra uma série de setores com regimes regulatórios mais rigorosos.

A Capvision, com mais de 450 mil consultores autônomos em seus livros, é a mais proeminente na China. Outras incluem a americana Gerson Lehrman, Third Bridge, AlphaSights e Lynk Global. Além da Capvision, nenhuma das empresas foi investigada por autoridades chinesas.

Os preços na Capvision variavam de 500 yuans (US$ 71) por hora a US$ 10 mil, de acordo com o prospecto publicado no ano passado para a oferta pública inicial da empresa em Hong Kong, agora arquivada. A empresa, fundada em 2006, tem mais de 2 mil clientes, incluindo algumas das maiores consultorias globais, fundos de private equity e bancos, de acordo com seu site. Seu fundador e CEO Xu Rujie é o maior acionista, com uma participação de 29,4%, mostra o prospecto. Em 2020, a companhia tinha uma participação de mercado de 33% na indústria de redes de especialistas da China, segundo o documento.

Alguns estão otimistas de que o setor sobreviverá à campanha. A natureza de alto perfil da investigação da Capvision enviará uma mensagem clara à indústria de que precisa se autorregular melhor, disse um consultor de processos de diligência prévia na China, que pediu para não ser identificado.

No entanto, a repressão ocorre quando as relações da China com o Ocidente, em particular, estão tensas, o que deixa investidores mais cautelosos. O aperto regulatório imprevisível em setores que vão da tecnologia ao segmento imobiliário enervou empresas, enquanto a natureza extrema da extinta política Covid Zero da China nos três anos anteriores levou companhias a procurar mercados alternativos.

A ação contra a Capvision e outras empresas é a “manifestação física do mantra de Xi Jinping sobre um melhor equilíbrio entre desenvolvimento e segurança”, disse Christopher Johnson, presidente do China Strategies Group, uma consultoria de risco político. “Quando os dois estão em conflito, a segurança sempre vence. Essa é a mensagem abrangente.”

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