Chama o Max: Resgatem o orgulho nacional
No mercado financeiro, chamamos de tempestade perfeita a um conjunto de fatores negativos que impactam uma empresa, levando esta a grandes desafios para se reerguer.
Tudo junto e na mesma hora. Algo difícil de se lidar e que exige força e determinação para superar as dificuldades.
Esse é o cenário que assola aquela que por muito tempo foi um orgulho nacional por sua tecnologia de ponta, qualidade dos seus produtos reconhecidos internacionalmente e excelência de seus engenheiros e técnicos. Falo da nossa Embraer (EMBR3).
É triste ver uma companhia tão relevante para o nosso país ser deixada no ostracismo pelo mercado financeiro. Uma empresa que já valeu mais de R$ 20 bilhões hoje é avaliada por R$ 5 bilhões.
Será que não há um exagero nisso tudo? Difícil dizer, mas fico me beliscando todo dia sobre o case. Será que essa ação não chegou ao seu piso?
Pense em uma noiva que imaginou por anos o momento do seu casamento. Comprou o vestido dos sonhos; organizou uma linda cerimônia e uma festa com tudo de melhor, além da presença dos melhores amigos e familiares.
No dia do casamento, o noivo não aparece. A noiva foi abandonada no altar.
Esse foi o enredo da Embraer nos últimos anos no noivado com a fabricante de aeronaves norte-americana Boeing.
Em 2017, Embraer e Boeing iniciaram um namoro que culminaria com a venda da unidade de jatos comerciais da brasileira para a americana por US$ 4,2 bilhões.
Nesse contrato de matrimônio, uma nova empresa seria constituída sob o nome de Boeing Brasil – Commercial, da qual a gigante americana teria 80% de participação e a Embraer ficaria com os 20% restantes, além de uma parceria para comercialização do avião militar KC-390, em que a Embraer ficaria com 51% e a Boeing com 49%.
Estava tudo acertado. Assim, a noiva começou a pensar na cerimônia e na festa. Nos últimos dois anos, a Embraer gastou quase R$ 500 milhões para se preparar para essa fusão.
Dividiu os centros de custo, construiu uma sede para a nova empresa, transferiu linhas de montagem dos jatos executivos para outra planta, movimentou funcionários, correu com a aprovação dos órgãos reguladores aqui e no exterior. O casamento estava ficando pronto.
Só que, em abril deste ano, a Boeing desistiu da parceria. Afundada em uma crise sem precedentes, turbinada pela queda dos aviões 737 MAX e pelas consequências desastrosas da pandemia, a Boeing não aguentou o tranco e abandonou a Embraer no altar.
E agora? Como a noiva vai dar a volta por cima?
A Embraer terá que se reconstruir e unir as duas divisões operacionais em um dos momentos mais delicados da história para a aviação internacional. Certamente, mais algumas centenas de milhões serão gastos nessa reestruturação.
Assolado pela redução do fluxo de pessoas em viagens, o setor de aviação teve que deixar seus aviões parados no pátio por muito tempo e só agora começa a voltar a voar.
As companhias aéreas tiveram que renegociar contratos, demitir pessoas e cortar investimentos, exatamente a compra de novas aeronaves.
Ou seja, vai demorar para a Embraer receber o mesmo nível de pedidos de outrora. Mas, ao mesmo tempo, esta crise toda pode gerar oportunidades interessantes para a empresa.
Acredito que, com menos passageiros e menos viagens longas, a demanda por aviões de médio porte vai crescer mais do que se previa anteriormente. Assim, as companhias aéreas vão priorizar os aviões com capacidade para até 150 lugares, exatamente a especialidade da Embraer.
China e Índia podem ser países que formariam novas parcerias com a fabricante brasileira. O governo brasileiro, que é detentor de uma golden share da empresa que permite à União vetar mudança de controle, reafirmou que um novo comprador ou parceiros poderiam vir dessas duas nações, o que seria um grande gatilho para a ação da empresa.
Sendo assim, o que está, de fato, precificado em EMBR3?
Hoje temos uma empresa com mais de US$ 15 bilhões de carteira de pedidos firmes e que, diferentemente de Airbus e Boeing, não perdeu pedidos na crise. Os clientes somente postergaram os prazos para receber as novas aeronaves; assim, em algum momento no futuro, essa receita será retomada.
Mesmo assim, no terceiro trimestre a empresa entregou o mesmo número de aeronaves que no primeiro semestre todo de 2020, mostrando uma demanda mais aquecida e uma sinalização de que o pior já ficou para trás.
Se no lado operacional a empresa está tendo que se reerguer e arrumar novamente a casa, no lado financeiro, não vemos maiores riscos.
A liquidez corrente está em 2 vezes, mostrando que a empresa tem folga para honrar seus compromissos de curto prazo; a dívida líquida/patrimônio líquido gira em torno de 0,60, o que não evidencia problema de solvência, e a companhia vale hoje 30% do seu patrimônio líquido, um múltiplo bastante descontado.
O que será que já está no preço? Será que não estamos vendo uma clara oportunidade de longo prazo aí?
Sem dúvida, a recuperação operacional da Embraer vai ser árdua, mas há sinais de que a empresa está barata. Também não podemos esquecer os seus diferenciais competitivos: jatos regionais com boa aceitação no mercado, aviação executiva de primeira linha com demanda crescente, o importante track record no segmento militar e avenidas de crescimento com novos negócios.
Sabemos que a tese de investimento é complexa e exige um estudo detalhado da empresa para ganharmos mais convicção. No entanto, no patamar atual, me parece que se trata de um caso assimétrico, em que há pouco a perder e muito a ganhar no longo prazo.
A noiva tem que seguir em diante e há uma longa vida pela frente. Torço para resgatarmos esse orgulho nacional e que EMBR3 volte a exercer o protagonismo que historicamente apresentou na Bolsa.
Grande abraço!