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Chama o Max: Quebra de paradigmas

03 jul 2020, 14:18 - atualizado em 03 jul 2020, 14:19
“Está havendo uma quebra de paradigmas”, diz Max Bohm

Acordei ontem com a seguinte manchete em um famoso site de finanças brasileiro: “Estrategistas veem alta modesta da bolsa até fim do ano”.

Paro e penso. Como esses estrategistas podem concluir isso?

Ainda afirmam que, em função dos fundamentos apresentados pelas empresas, o Ibovespa não passaria dos 100 mil pontos (+3% do patamar atual).

Já sou um pouco pé atrás com a maioria dos analistas do sell side. A tendência de correr atrás do rabo e errar previsões é uma constante.

A justificativa dada pelo pouco otimismo dos estrategistas seria o descasamento entre o crescimento esperado médio dos lucros das empresas e o momento atual da economia. Desse modo, defendem que, considerando um múltiplo histórico de Bolsa e o lucro acumulado de todas as companhias do índice neste ano, a Bolsa encerraria 2020 nos 100 mil pontos.

Para mim, há alguns pontos que estão sendo ignorados por esses estrategistas.

Os lucros das varejistas de vestuário, das companhias aéreas e dos restaurantes, sim, estarão bastante comprometidos em 2020. Sem dúvida.

Mas as empresas deixarão de existir em 2020?

As companhias da Bolsa são a nata do mundo corporativo. Seus concorrentes menores e menos sólidos financeiramente podem ficar pelo caminho. Lojas Renner (LREN3), Burger King (BKBR3) e Azul (AZUL4), não. Continuarão bem vivas em 2021, 2022, 2023 e, assim, sucessivamente.

Investidores estão comprando Bolsa hoje, pois acreditam em uma recuperação, ainda que gradual, mais adiante. O ano de 2020 será péssimo e todo mundo sabe disso.

O que vai mexer com os mercados são os prognósticos para 2021 e como vai ser a intensidade desta retomada. O jogo está lá na frente, mas começa a se decidir agora. O fluxo recente para Bolsa mostra que os investidores estão animados com essa recuperação. Aliás, será uma recuperação em formato de V ou de U?

Outro ponto para o qual queria chamar atenção é o fato de que analisar múltiplos hoje é algo que deveria ficar em segundo plano. E olha que para um analista fundamentalista reconhecer isso é realmente difícil.

Explico.

Aquele papinho de só compro empresa com múltiplos inferiores a 5 vezes EV/Ebitda e 10 vezes Preço/Lucro acabou. Falar que Ibovespa acima de 12 vezes Preço/Lucro está caro, para mim, não quer dizer nada.

Nunca foi tão importante fazer “stock picking”. Sempre devemos separar o joio do trigo.

Está na hora de olharmos mais para o negócio das empresas. Entender se aquelas companhias possuem vantagem competitivas duradouras ou se elas estão adaptadas a um mundo novo mais digital e de mudanças cada vez mais rápidas.

Se ficássemos presos a múltiplos, não se comprariam ações da Amazon (AMZO34), Netflix (NFLX34), Tesla (TSLA34), Magazine Luiza (MGLU3), Totvs (TOTS3), Locaweb (LWSA3), Linx (LINX3) e Sinqia (SQIA3), entre outras. Todas empresas de tecnologia que negociam a múltiplos exorbitantes, mas que são os grandes destaques de performance recente nas Bolsas.

Se o investidor ficar preso a múltiplos, não vai investir no que seguirá subindo. O caro vai ficar mais caro ainda.

Por fim, lembro da velha máxima do mercado: “Contra fluxo não há fundamentos”. Nunca essa frase fez tanto sentido.

O colunista lembra de um ditado conhecido no mercado: “Contra fluxo não há fundamentos” (Imagem: Pixabay)

Os principais bancos centrais do mundo vêm injetando uma liquidez sem precedentes nos mercados e nas economias como forma de conter os estragos econômicos e financeiros provocados pela pandemia do novo coronavírus.

Hoje, eles são os grandes formadores de preço e continuarão sendo até que encontremos novamente um cenário mais normalizado.

Nas palavras recentes de Ray Dalio, um dos maiores gestores da atualidade: “O mercado de capitais não é mais ‘livre’. Hoje, mercados e economias são guiados pelos bancos centrais”.

Onde estou querendo chegar?

Está havendo uma quebra de paradigmas. Temos um mundo diferente de tudo o que já vimos e estudamos.

Múltiplos já não são tão importantes; identificar o quão sustentável é um negócio será essencial a partir de agora.

Os fluxos de capital continuarão se sobrepondo aos fundamentos. O canhão de liquidez dos bancos centrais (Fed à frente), associado a taxas de juros em patamares mínimos históricos, inclusive no Brasil, dará suporte para as Bolsas no mundo.

Assim, vejo um segundo semestre positivo para os mercados e, principalmente, para o Ibovespa, e acredito que ele poderá ultrapassar, sim, os 100 mil pontos até o fim do ano. Quiçá, voltando para a sua máxima histórica, aos 119 mil pontos. Discordo de vocês, estrategistas!

Temos mais certezas do que incertezas neste momento. Já conhecemos mais sobre a Covid-19; teremos o anúncio de uma vacina em breve.

O risco fica com a possibilidade (considero baixa) de uma segunda onda e a volta de um lockdown generalizado, o que poderia afetar significativamente a recuperação econômica global. Mas não trabalho com esse cenário-base.

“Nós, analistas, temos que ter consciência, de uma vez por todas, que o mundo mudou”, afirma Max Bohm (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Nós, analistas, temos que ter consciência, de uma vez por todas, que o mundo mudou. A nova normal passa por um mundo mais líquido por um tempo, onde o fluxo migratório para a Bolsa será cada vez maior.

A tecnologia veio com tudo; o e-commerce já está mudando o padrão de consumo das pessoas. Não podemos ignorar isso.

Aquela empresa que sempre foi dominante em seu segmento de atuação terá que inovar, se digitalizar e se mover na direção deste novo mundo tecnológico. Múltiplos mais caros serão mais comuns e tudo bem com isso.

O value investing mudou, ou, pelo menos, deve ser visto de outra forma. Sinto dizer que Graham vai se remexer no túmulo e Buffett pode continuar perdendo ótimas oportunidades por continuar preso a antigos padrões.

No final das contas, prefiro ficar com as conclusões de Charles Darwin: quem se adapta às mudanças tem mais chance de ter sucesso.

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