Cepea: o estudo das doenças na economia
Há alguns anos, o Cepea desenvolve estudos de avaliação de impactos econômicos e socioambientais de problemas sanitários e fitossanitários e de políticas de prevenção e controle de pragas e doenças.
Diferentemente da maior parte dos estudos econômicos, o grande desafio deste tema é a necessidade de associar os instrumentos e modelos de análise econômica aos modelos biológicos, que descrevem o padrão de disseminação de doenças e pragas.
Os estudos se iniciaram pelo interesse de alguns pesquisadores, com o desenvolvimento de um instrumento de análise econômica que pudesse ser aplicado e acoplado, de forma geral, às análises de risco de pragas, as ARP.
A ARP é um instrumento de gestão de risco, requerido para avaliar o risco de ingresso de pragas quando são importados produtos vegetais, como o trigo, frutas, sementes e outros.
Os EUA, Reino Unido, Austrália são pioneiros na aplicação de instrumentos de análise econômica a questões relacionadas à política de defesa agropecuária, gerando estudos que se tornaram referências nessa área e que ainda são incipientes em países em desenvolvimento.
Casos como os da febre aftosa, cujo status dos países ainda afeta seu desempenho no mercado internacional, da contaminação de alimentos por salmoneloses, da crise de gripe aviária, e, mais recentemente, da peste suína africana (PSA), exemplificam alguns dos mais emblemáticos alvos dos pesquisadores que atuam na epidemiologia econômica.
Na área fitossanitária, igualmente, ainda em meados dos anos 90, a disputa sobre exportações mexicanas de abacate para os EUA, devido a problemas com pragas existentes no México e ausentes no país importador, gerou estudos interessantes, cujas análises econômicas contribuíram grandemente para a solução da controvérsia e abertura do mercado norte-americana.
Diversos outros casos, envolvendo, inclusive, o Brasil, constituem problemas economicamente relevantes, mas passam, muitas vezes, desapercebidos pelos pesquisadores formados no mainstream da ciência econômica.
É o caso das moscas de frutas, que prejudicam as exportações brasileiras de manga, uva, mamão, goiaba, entre outras, encarecendo os processos de produção, pós-colheita e comercialização, por exigirem padrões de certificação específicos dos compradores, inspeções a campo, nos packing houses e nos embarques, quarentenas, tratamentos de desinfecção.
Isto sem mencionar os casos que passam por longos processos de reconhecimento de equivalência de procedimentos de desinfecção e outros. Pode-se ilustrar esta situação com a negociação para abertura do mercado japonês às exportações de manga do Brasil, que levou mais de uma década.
Há situações, ainda, que envolvem a preservação das economias agropecuárias dos estados. Estudos realizados pelo Cepea, em parceria com o Fundecitrus, mensuraram a magnitude dos impactos econômicos que as medidas de prevenção e de controle da disseminação do Huanglonbing (conhecido como Greening) e do cancro cítrico, no estado de São Paulo, visavam evitar.
Uma das lições que ficaram evidenciadas nestes estudos foi a de que a prevenção custa menos do que o controle curativo, quando se observam o médio e longo prazos. Análise para o cancro cítrico mostrou isto claramente, com razões benefício-custo mais elevadas para estratégias de prevenção da entrada do cancro e de seu alastramento do que nos cenários curativos.
Em escala nacional, e no âmbito da saúde animal, o estudo mostrou também que prevenir é melhor que remediar, quando se trata da gripe aviária, tendo em vista o potencial de impacto desta doença na avicultura nacional.
Mais frequentemente, as demandas por estudos que avaliem problemas dessa natureza emergem de agências públicas de defesa e de entidades de classe e setoriais, buscando amparo científico para análises econômicas, utilizando instrumentos que permitam quantificar e valorar a qualidade sanitária e as políticas para seu monitoramento e garantia.
Vários estudos realizados pelo Cepea, analisando a relação benefício-custo de políticas sanitárias, apontam para razões positivas.
Isto significa que, de modo geral, mesmo com as dificuldades metodológicas, escassez de dados e restrição na delimitação principalmente dos benefícios sociais e ambientais destas políticas, ainda se verifica que seus benefícios superam, regra geral, seus custos econômicos.
Mais recentemente, monitoramos, via análise das estruturas de custo de produção para grãos selecionados, os impactos das principais pragas, em uma abordagem que permite avaliar um efeito poupa terra.
Ou seja, se os produtos de controle químico fossem usados corretamente, as perdas em produtividade que evitam estão indiretamente prevenindo futuras pressões sobre o uso da terra.
Se este é um comportamento visível no campo: pouco provável. Contudo, com mais investimentos em educações sanitária e ambiental, e alguns instrumentos de comando e controle, sabemos que é possível o efeito poupa-terra, ao mesmo tempo em que se mantém a renda dos produtores e um uso mais sustentável do controle químico, dentro de uma lógica de manejo técnico de pragas e doenças.
Este tipo de análise econômica associada à análise de aspectos biológicos e produtivos não é um tema comum na agenda de pesquisa e docência dos economistas brasileiros.
Nas áreas técnicas, há uma compartimentalização: a doença é tratada em seus aspectos epidemiológicos, métodos de controle e prevenção, impactos sobre o sistema produtivo, mas, em comparação com outros países, pouco se avançou na aplicação de modelos de análise de impactos e riscos socioeconômicos advindos das doenças e pragas.
Isto pode resultar da dificuldade de comunicação entre áreas de conhecimento tão distintas, ou da falta de maturidade na compreensão destes desafios e de sua importância para a sociedade. Seja como for, em alguns momentos, a sociedade se vê mais próxima dessa realidade e demanda respostas.
Isto já ocorreu, no mundo, por ocasião da emergência da doença da vaca louca e da já mencionada gripe aviária. Por constituírem-se em zoonoses, doenças animais que podem ser transmitidas aos homens, suscitaram preocupações e questionamentos dos órgãos públicos e dos agentes privados engajados na produção.
A epidemiologia econômica vem se aproximando, agora, dos cidadãos em geral, no mundo e no Brasil, que se veem diante de um cenário que há de provocar uma grande transformação em termos de hábitos e, sobretudo, de sensibilidade social e econômica às questões de higiene e saúde pública.
Parece claro que a atual crise de saúde pública suscitou a consciência dos problemas econômicos que gera – e dos quais, em algumas instâncias, também se origina e se alimenta –, e de suas consequências micro e macroeconômicas. Certamente, estes aprendizados dolorosos da atual crise servirão para sensibilizar toda a sociedade sobre a necessidade de alocar recursos para áreas como esta, que abarcam conhecimentos das mais diversas extensões, para seu enfrentamento.
A globalização, aqui compreendida tanto no sentido de uma intensificação da movimentação de mercadorias, recursos financeiros e de pessoas, eleva os riscos de transmissão de doenças e pragas pelo mundo, acelera o processo de disseminação, seja dos problemas de saúde humana quanto os animais e de vegetais.
O planejamento deve focar, pois, no fortalecimento de estruturas de monitoramento, vigilância, tecnologia laboratorial, e, sobretudo, educação e capacitação. O planejamento deve ter visão eclética e ampla, para enfrentar este novo mundo de desafios que requerem não mais a compartimentalização do conhecimento, mas uma visão transversal, que aceita os desafios da interação entre distintas áreas de conhecimento, necessária para o enfrentamento dos complexos dilemas e problemas que a sociedade continuará enfrentando.
O Brasil é um grande produtor de alimentos e o desenvolvimento de estudos e a fundamentação do planejamento público nas áreas de defesa agropecuária, de prevenção da entrada de patógenos, animais e vegetais, deverão crescer em atenção nos próximos anos, e, esperamos, assistir à valorização daqueles que, silenciosamente, trabalham, pesquisam e estudam para evitar catástrofes no sistema alimentar nacional.
Garantir alimentos saudáveis e alinhados com normas e regulamentos sanitários e fitossanitários que evitam contaminação e disseminação de doenças.