Cenário de insumos biológicos no Brasil: Qual é o futuro dos fertilizantes?
A produção e o uso de fertilizantes biológicos têm crescido ano a ano e safra após safra no Brasil, ainda que os fertilizantes químicos dominem e influenciem o mercado global do insumo.
Aos poucos, os insumos biológicos ganham importância, à medida que a sustentabilidade passa a fazer cada vez mais parte do agronegócio e da economia brasileira. Esses fertilizantes se diferenciam dos químicos principalmente na questão ambiental e na saúde, além da crescente demanda por alimentos orgânicos.
O Agro Times entrevistou Bernardo Silva, diretor-executivo do Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert), sobre o futuro dos fertilizantes no Brasil. Confira:
Agro Times: Qual é a posição do Brasil, na comparação com outros países que se destacam na produção de fertilizantes?
Bernardo Silva: O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes, considerando o NPK (Nitrogênio, Fósforo e Potássio) e os biológicos. Mesmo sendo o oitavo maior produtor do mundo, o país está na primeira posição no ranking dos importadores. Hoje, a nossa dependência no mercado externo de fertilizantes beira os 90%, não existe outra potência agrícola no mundo que tenha tamanha dependência externa como tem o Brasil.
Se olharmos na questão de novas tecnologias, temos visto muitas empresas tradicionais do universo NPK investindo em inovação e sustentabilidade de forma mais intensa. Isso engloba toda a cadeia tradicional, algo que vai além dos biofertilizantes, mudando as matérias-primas, como os nitrogenados, por exemplo, saindo do carvão mineral como é feito na China, gás natural como acontece na Rússia e no Brasil mesmo.
Temos no Brasil a planta de Araucária, antiga planta da Petrobras que está hibernada, e usava resíduos asfálticos para mudar esse cenário de matérias-primas, com o biometano substituindo hidrocarbonetos fósseis. Existe o hidrogênio verde para produção de amônia, ureia verde. Ou seja, a inovação do setor vai além dos biológicos.
Olhando especificamente para os biológicos, vimos recentemente um estudo McKinsey que busca monitorar a adoção de novas tecnologias pelo agronegócio global, e o Brasil, dentre os países pesquisados, está na liderança de aceitação nos biológicos. Assim, o agricultor brasileiro está mais suscetível e confortável na adoção dessas novas tecnologias em complemento com os fertilizantes tradicionais.
Agro Times: É possível vislumbrar um futuro próximo onde os fertilizantes biológicos tenham mais importância do que os químicos na agricultura? Dá para projetar um protagonismo do Brasil nesse sentido?
Bernardo Silva: O Brasil consome quase 50 milhões de toneladas de NPK, e a parte de biológicos ainda é muito pequena na comparação com esse montante. Não há um estudo que mostra essa proporção.
O Brasil, sem dúvida alguma, será um protagonista. No entanto, é difícil entender qual será o futuro desses insumos na comparação com os fertilizantes tradicionais por diversos motivos. Um deles é a questão da escala. Qual será a escala e a capacidade instalada para a produção global desses novos fertilizantes? Como eles serão “customizados” para a realidade brasileira? Qual será o arcabouço regulatório que vai permitir a comercialização e utilização em grande escala desses produtos?
Existe também a questão do custo mercadológico, quando o preço do petróleo e do gás natural está nas alturas, isso se torna uma alternativa interessante, mas, quando o preço está em queda, inviabiliza essas novas tecnologias.
Podemos traçar um paralelo com a biotecnologia industrial, voltada para substituição de processos e produtos de base fóssil. Quando o barril do petróleo estava entre US$ 120-150, surgiu no Brasil e no mundo uma série de projetos de etanol de segunda geração (E2G) que buscava substituir o etanol de primeira geração e principalmente os combustíveis fósseis. Assim, quando o barril do petróleo caiu entre US$ 20-40, todos os projetos foram parados por não haver viabilidade econômica, e só agora, com alguns projetos liderados pelo Brasil – pela Raízen (RAIZ4), inclusive – isso voltou a ser uma realidade, mas muito mais sobre um aspecto de economia circular, de sustentabilidade, do que uma alternativa para outros biocombustíveis.
Dessa forma, conseguimos fazer o mesmo paralelo para os biofertilizantes. Vemos novos projetos nos últimos anos, olhando essa alta do preço dos fertilizantes, que sabemos que é cíclica, e quando o preço cair a patamares “mais realistas” historicamente, a gente pode ver esse ímpeto frear.
A grande questão que vai mudar essa conjuntura fica para a parte ambiental. Como os produtores que utilizarem esses produtos serão remunerados ou recompensados por isso, porque é um custo substituir os NPK’s por biofertilizantes em absoluto. É preciso de uma escala muito grande e preços compatíveis ou menores que o próprio fertilizante tradicional.
Agro Times: Quais são os principais problemas do uso de fertilizantes químicos? Por que essa transição precisa acontecer e quais são os principais impeditivos para o maior uso biológicos na agricultura?
Bernardo Silva: Eu não acredito que haja um problema com os fertilizantes químicos, que chamamos de inorgânicos. Utilizados de forma correta, eles são tão bons quantos os biológicos, tudo é uma questão de quantidade. Se você usar acima do necessário, existe a questão de contaminação do solo, assim como se você utilizasse biológicos muito maior do que o necessário.
Na minha visão, a vantagem dos fertilizantes biológicos é que eles podem ser fabricados em qualquer região do mundo que possua capacidade econômica e científica para tal. Você não precisa de uma jazida de potássio ou fosfato no seu território para desenvolver um fertilizante biológico, então a restrição de recursos naturais é relevante. No entanto, se você for explorar minerais em áreas ambientalmente sensíveis, isso se torna um problema. Então, a mineração, a produção de fertilizantes inorgânicos, depende da disponibilidade de localização e quantidade desses recursos naturais. Esse é o principal ponto além da questão ambiental.
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Entendemos que há possibilidade para uma vantagem, no sentido da redução da pegada de carbono, de determinados produtos biológicos em relação ao produto fóssil. Porém, se incorporarmos novas tecnologias, inovações no segmento tradicional, como por exemplo o uso da amônia verde através do hidrogênio ou do biometano, pode ser tão benéfico ou mais benéfico do que o biológico. Isso porque a produção de biológicos depende de outros insumos, seja capital, intelectual, financeira ou água.
Existe uma diferença e não podemos olhar para um como bom e outro como mal, porque são problemas e situações diferentes.
Agro Times: A guerra na Ucrânia, em função das altas nos custos com fertilizantes, aumentou essa “urgência” sobre o uso de biológicos?
Bernardo Silva: Eu não acho que a urgência deveria ser pela questão da guerra na Ucrânia, porque ninguém fomenta uma indústria, um segmento completamente novo por uma questão temporária, conjuntural. Entendo que a incorporação dessa alternativa deve ser feita a partir da agregação de valor da produção agrícola por meio da redução da pegada de carbono.
Aquele produtor que pega um fertilizante nitrogenado que vem da China ou da Rússia, que tem aquela matéria-prima mais “poluidora”, que conta com todo o impacto ambiental de logística, para trazer esse produto, e de produção. Com isso, é necessário pôr outro prisma e entender como o produtor pode agregar valor substituindo um fertilizante com maior pegada de carbono e inserir esse produto em mercados que recompensam isso, através de créditos de carbono e programas preferenciais a agriculturas mais sustentáveis.
É uma ótica de agregação de valor sob um aspecto de ESG (Environmental, Social and Governance).
Agro Times: Essa transição dos insumos anda de mãos dadas com uma transição energética?
Bernardo Silva: Eu acredito que sim. O Brasil, por ser um grande exportador de alimentos, tem a possibilidade de gerar riquezas através desses elementos de sustentabilidade. Um produto que tem uma menor pegada de carbono, vamos supor soja ou milho que utiliza biológicos, caso receba uma compensação por essa menor pegada de carbono quando ele for exportado para China ou União Europeia, o Brasil vai adotar essa prática, porque somos um grande exportador de alimentos.
Existe também a questão das sanções com a União Europeia impondo barreiras a produtos que são ambientalmente danosos, oriundos de áreas de desmatamento. O Brasil, para fugir dessas sanções e se adequar a essas novas demandas, busca essa nova saída.
Em contrapartida, tudo depende do custo e do benefício. O benefício está claro. Agora, não sabemos se haverá essa compensação financeira e se o custo valerá a pena, além de outros fatores que não conseguimos projetar.
Agro Times: Como as grandes empresas, listadas na B3, podem contribuir para esse avanço na questão do uso de fertilizantes biológicos?
Bernardo Silva: A questão do reconhecimento, da recompensa desses investimentos em insumos biológicos, motivaria empresas como a Raízen, por exemplo, a seguir esse caminho. Se as ações das empresas vão valorizar por elas adotarem práticas ESG, se isso for refletido no valor dos seus papéis, na rentabilidade e atratividade dos seus projetos, ela vai naturalmente seguir esse caminho.
Por fim, eu acredito que não temos que olhar essa tecnologia como um substituto. Temos ouvido muito que os biológicos vão substituir o NPK, e eu acredito na verdade que eles vão se complementar.
Na minha avaliação, é impossível existir uma substituição no médio prazo, assim como não há uma substituição para o petróleo e o gás natural. São coisas que podem acontecer no futuro, mas precisamos entender que não é realista esse olhar e esse discurso, sob a pena de perdermos o foco no que realmente importa. Uma visão de longo prazo do Brasil para os fertilizantes como um todo, precisamos produzir tanto os químicos como os orgânicos no nosso território, além de liderarmos a adoção dessas iniciativas. Precisamos trazer a pesquisa e o desenvolvimento para perto, ao invés de depender de tecnologia e produção externa.