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CCJ pode votar projeto das “Dez medidas contra a corrupção”

14 jun 2019, 17:42 - atualizado em 14 jun 2019, 17:42
Pacheco
O senador Rodrigo Pacheco, relator do projeto, apresentou sete emendas em que recupera partes das medidas excluídas na votação na Câmara e mantém a punição para abuso de autoridade de magistrados

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) deve votar na próxima terça-feira (18) o projeto de lei de iniciativa popular conhecido como “Dez medidas contra a corrupção”. O PLC 27/2017 nasceu de uma campanha de procuradores da República e foi aprovado pela Câmara com modificações, o que gerou controvérsia. Parado no Senado há dois anos, ele deve finalmente avançar depois de ter sido pautado na reunião anterior pela presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS).

Na ocasião, o relator do projeto, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), apresentou seu parecer, favorável a grande parte da versão que veio da Câmara. Pacheco acrescentou sete emendas que modificam o texto. Caso o PLC seja aprovado no Senado com essas mudanças, ele precisará voltar para os deputados para uma avaliação final.

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Abuso de autoridade

Uma das emendas diz respeito a um ponto polêmico: as punições a juízes e promotores por abuso de suas funções, algo que não constava do texto original e foi inserido pela Câmara. Rodrigo Pacheco manteve os dispositivos, mas explicitou que as condutas descritas no projeto só representarão crime de abuso de autoridade se forem praticadas para “prejudicar” ou “beneficiar” a outros ou a si mesmo, ou quando eles agirem comprovadamente “por mero capricho ou satisfação pessoal”.

Além disso, a modificação do relator destaca que a simples divergência na interpretação da lei ou na análise de fatos e provas não deverá configurar, por si só, prática criminosa.

Outra emenda busca retomar um dispositivo do texto original que foi removido pela Câmara: a ação civil de extinção de domínio, instrumento que seria usado para reaver bens conquistados de forma ilícita mesmo sem a responsabilização penal dos indivíduos.

Para Rodrigo Pacheco, trata-se de “poderosa ferramenta” contra a impunidade, pois permite alijar organizações criminosas de seus meios materiais mesmo em casos de prescrição do crime ou falecimento de envolvidos.

Exclusões

O relatório de Pacheco também excluiu dispositivos do projeto, a maioria dos quais adicionada pela Câmara. É o caso, por exemplo, das penas escalonadas, uma inovação que aumentava o tempo de prisão em crimes como peculato e corrupção ativa e passiva de acordo com o valor da vantagem financeira obtida indevidamente. O senador diz acreditar que o montante auferido nesses crimes deve servir para a definição da pena, mas não para qualificá-la.

Também saem as mudanças nas regras de prescrição de atos de improbidade administrativa, que seriam unificadas em um prazo de dez anos (atualmente há vários prazos, dependendo do caso). Pacheco avalia que a legislação atual já está adequada, uma vez que prevê a imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário.

O relator ainda removeu alterações nas regras dos embargos de declaração, que tornariam esses recursos menos frequentes, e o endurecimento da pena para o crime de estelionato — esta última medida já constava do texto original formulado pelos procuradores.

Por fim, Rodrigo Pacheco retirou do projeto todos os dispositivos que mexem no Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689, de 1941). Ele argumenta que já existe uma reforma do Código em andamento no Congresso, e que é mais adequado que quaisquer mudanças sejam concentradas nesse trabalho.

Extrapauta

O PLC 27/2017 foi incluído de última hora na última reunião da CCJ, na quarta-feira (12), para leitura do relatório, que fora entregue no mesmo dia. Segundo a presidente da comissão, senadora Simone Tebet (MDB-MS), a inclusão havia sido um pedido do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, após conversa com “alguns líderes”.

Membros da comissão contestaram o avanço do projeto sem que houvesse a previsão dele na pauta do dia. O líder do PSL, Major Olimpio (SP), negou que tivesse sido consultado e anunciou que recorrerá contra a decisão, que ele classificou como uma “quebra do Regimento” Interno do Senado. Outros líderes protestaram, como Esperidião Amin (PP-SC), do Bloco Unidos Pelo Brasil (MDB/PP/PRB), e Eduardo Girão (CE), do Podemos.

Os senadores Rose de Freitas (Podemos-ES) e Antonio Anastasia (PSDB-MG), por outro lado, saíram em defesa de Simone Tebet, exaltando sua “correção” na condução dos trabalhos.

Histórico

O projeto de lei das “Dez medidas contra a corrupção” foi formulado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e, depois de uma campanha de coleta de assinaturas, apresentado como proposta de iniciativa popular (PL 4.850/2016, na Câmara).

Sua tramitação na Câmara dos Deputados resultou em um texto muito diferente da versão original. Dos dez eixos temáticos organizados pela ANPR, apenas quatro permaneceram. Também foram acrescentadas as medidas contra o crime de abuso de autoridade de juízes e procuradores — iniciativa vista pelas categorias como “retaliação” do Congresso Nacional às investigações em curso no país.

O projeto foi enviado ao Senado, ainda em 2016. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu o andamento, atendendo a um mandado de segurança do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) que questionava irregularidades na tramitação. Entre elas estariam a inclusão do abuso de autoridade, que seria uma matéria estranha ao texto original, e o fato de que o projeto, de iniciativa popular, tivera sua autoria atribuída a um deputado (prática já utilizada antes, para agilizar o andamento da proposição).

O então presidente do Senado, Eunício Oliveira, enviou o projeto de volta à Câmara, onde as assinaturas de cidadãos foram confirmadas em número e autenticidade, de modo a se restaurar o caráter de iniciativa popular. O retorno levou à extinção do mandado de segurança, o que evitou que o projeto precisasse ser votado de novo pelos deputados.

Conteúdo

O texto que veio da Câmara estabelece, entre outras medidas, a tipificação do crime eleitoral de caixa dois; a criminalização do eleitor pela venda do voto; a obrigação de auditoria nos partidos políticos; o aumento das penas para crimes como peculato, corrupção passiva e corrupção ativa; e a transparência dos processos.

Venda de voto e caixa dois

O projeto altera o Código Eleitoral (Lei 4.737, de 1965) para explicitar que o eleitor comete crime ao negociar ou tentar negociar seu voto em troca de dinheiro ou outra vantagem. A pena prevista é de reclusão de um a quatro anos e multa. O crime de caixa dois eleitoral também está previsto, com pena de dois a cinco anos e multa. Qualquer arrecadação, recebimento ou gasto de candidato ou administrador financeiro que for feita “paralelamente à contabilidade exigida pela lei eleitoral” poderá ser assim tipificado.

Abuso de autoridade

O projeto determina que qualquer magistrado poderá ser punido por crime de abuso de autoridade quando proferir julgamento se for impedido por lei específica; atuar com motivação político-partidária; não cumprir os deveres do cargo; proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro; exercer outra função, salvo a de magistério; exercer atividade empresarial ou cargo de direção ou técnico em sociedade, associação ou fundação; receber custas ou expressar em meios de comunicação opinião sobre processo pendente de julgamento. A pena prevista é de reclusão de seis meses a dois ano e multa. Todo cidadão poderá apresentar representação contra um magistrado.

Já para o membro do Ministério Público, a proposta estabelece que serão crimes de abuso de autoridade: emitir parecer se alguma lei o impedir; recusar-se à prática de ato que seja de sua incumbência; instaurar procedimento sem indícios; não cumprir suas atribuições; agir de modo incompatível com a dignidade e o decoro; receber honorários, percentagens ou custas processuais; exercer a advocacia; participar de sociedade empresária; exercer outra função pública, salvo a de magistério; atuar com motivação político-partidária ou expressar opinião em meio de comunicação sobre processo pendente. A pena prevista também é de reclusão de seis meses a dois anos e multa.

As ações civis públicas que forem consideradas de má fé, com finalidade de promoção pessoal ou perseguição política, também poderão ocasionar punições a seus autores.

Código Penal

O projeto faz várias alterações no Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940). Uma delas é que, nos crimes contra a administração pública, a pena de reclusão poderá ser substituída por pena restritiva de direitos, de preferência a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas. O juiz poderá levar em consideração “a formação e experiência profissional do apenado”.

Outros crimes também terão suas penas de reclusão aumentadas se a proposta for aprovada. Os crimes de peculato, inserção de dados falsos, concussão, corrupção ativa e corrupção passiva passarão a ter penas de quatro a 12 anos de reclusão, mais multa. Atualmente, essas penas começam com dois anos de reclusão. O projeto também cria o crime de corrupção ativa em transação comercial internacional, também com pena de quatro a 12 anos de reclusão e multa.

Também há alterações na Lei da Ação Popular (Lei 4.717, de 1965), na Lei do Colarinho Branco (Lei 8.429, de 1992), no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906, de 1994), na Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096, de 1995), na Lei Anticorrupção (Lei 12.846, de 2013), na Lei da Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613, de 1998) e na Lei Geral das Eleições (Lei 9.504, de 1997).

Prestação de contas

O texto que veio da Câmara estabelece ainda prestação de contas por parte dos tribunais (excetuando-se as cortes superiores) e do Ministério Público. Essas entidades terão de apresentar anualmente estatísticas globais com o número de ações de improbidade administrativa e de ações criminais que foram propostas e julgadas, ou arquivadas, além do saldo de processos pendentes de julgamento. Se for constatado que houve atraso em processos, poderão ser instauradas medidas administrativas e disciplinares.

Esses tribunais — de Justiça dos estados e regionais federais — e o Ministério Público também terão de prestar contas diretamente ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio de relatório anual que contenha os motivos de possíveis atrasos em ações de improbidade administrativa e criminais. O projeto estabelece como “razoável duração do processo” até três anos na instância inicial e até um ano na instância recursal.

Treinamento de agentes públicos

O projeto também estabelece que os órgãos públicos de todos os poderes da União, estados, Distrito Federal e municípios poderão realizar treinamentos anuais para seus servidores relativos aos procedimentos a serem adotados “diante de situações propícias à ocorrência de atos de improbidade administrativa e crimes contra a administração pública e de lavagem de ativos”. Esse treinamento poderá ser incluído como pré-requisito para ingresso no serviço público. Os órgãos públicos estarão livres para criar seus próprios códigos de conduta com foco na prevenção e combate à corrupção.