Carlos Lopes: O selo de boas práticas e a corrupção
No final de janeiro, o Brasil recebeu da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a notícia de que seu conselho aprovou o início das negociações sobre a adesão do país à entidade. E esta é uma grande notícia, por vários motivos. Atingir as metas da Organização para ter o ingresso aprovado é fundamental e provocará uma série de mudanças positivas. Mais importantes que estas metas, no entanto, é a disposição do país em atender melhores práticas de políticas públicas e aprimorar o ambiente de negócios.
As metas demandadas pela OCDE são vastas e incorporam temas como meio ambiente, abertura comercial, investimento em infraestrutura, entre outros. A Organização tem um papel relevante de guiar decisões de políticas públicas e reduzir a discricionariedade.
Um particularmente importante e desafiador para o caso brasileiro é o da corrupção. Não apenas porque é configurado como um problema sistêmico no país, mas também porque o país regrediu institucionalmente nos últimos anos.
Desde 2019, uma entidade empresarial americana e a consultoria britânica Control Risks calculam o Índice de Capacidade de Combate à Corrupção (CCC). O índice avalia e classifica 15 países Latino-americanos e 14 variáveis, que incluem a independência institucional do judiciário, a força do jornalismo investigativo, os recursos para o combate à corrupção, entre outros. Esses indicadores são divididos em três categorias: capacidade legal, instituições políticas e democracia, e sociedade civil e mídia.
Ano passado, o Brasil teve sua menor nota. Na categoria capacidade legal, a queda se deu em função das nomeações vistas como menos independentes para a Polícia Federal e Ministério Público, do fim da operação Lava Jato e do beneficiamento de réus importantes. No quesito democracia e instituições políticas, a posição mais flexível do executivo com o legislativo pesou. Por fim, a menor capacidade de mobilização da sociedade civil, reflexo da polarização política, também foi negativa.
A corrupção sistêmica no país guarda relações com aspectos culturais e socioeconômicos, mas também é resultado de normas e regras mal desenhadas, falta de informação e de transparência. No século XVIII, Montesquieu escreveu: “Existem dois gêneros de corrupção: uma, quando o povo não respeita as leis; outra, quando é corrompido pelas leis; mal incurável este, pois está no próprio remédio”1.
Nesse contexto, o direcionamento da OCDE é importante, pois ataca fundamentos essenciais da corrupção. A literatura sobre o tema costuma abordar sob duas óticas, uma mais individual e outra coletiva. A primeira é conhecida como a teoria do agente-principal, onde uma das partes, o principal, demanda o serviço da outra parte, o agente, mas não possui informação suficiente para acompanhar e avaliar seu trabalho.
Essa relação é muito comum com serviços públicos que carecem de transparência. A corrupção ocorre quando o agente público vê mais benefícios que os custos em agir com interesses próprios em detrimento dos interesses do cidadão.
Para endereçar esse problema, medidas que deem transparência ao orçamento, melhora da governança de empresas públicas, e aperfeiçoamento do acesso à informação são alguns exemplos.
A segunda abordagem é sobre o problema da ação coletiva. Em sociedades nas quais a corrupção é sistêmica, os custos e benefícios dependem do comportamento das demais pessoas na sociedade. Se a irregularidade é cometida por muitos, isso a torna socialmente menos repreensível. Isso vale também para a ineficiência do judiciário em aplicar punições tempestivas e apropriadas, o que reduz o custo de se cometer uma ação.
Uma reforma tributária que reduza a imensa quantidade de diferentes regras tributárias seria um passo fundamental para diminuir o espaço para a sonegação, por exemplo. Dar mais transparência à concessão de benefícios, explicitando-os no orçamento, ao invés de isenções fiscais, também seria positivo, pois enfraqueceria a pressão de grupos de interesse sobre o legislativo.
Entender a corrupção sob essas diferentes óticas ajuda a compreender melhor sua dinâmica e a desenhar melhores políticas públicas. A entrada na OCDE é importante para o governo, que aprende com a experiência dos demais países, ganha apoio internacional para reformas importantes, e ao firmar compromissos de longo prazo, torna parte dessa agenda um objetivo de Estado, não apenas de governo.
Nós, por outro lado, ganhamos com políticas públicas mais eficientes e racionais, melhor informação sobre o setor público, evolução do ambiente de negócios, dentre outros benefícios, que colaboram para o crescimento da produtividade ao longo dos anos. O Brasil vai precisar continuar avançando em alguns quesitos, mas reverter o curso em outros, para alcançar boas práticas internacionais e, como consequência, ser reconhecido pela OCDE.
Carlos Lopes é economista no banco BV desde 2013 e já passou por instituições financeiras como Itaú BBA, Banco Fibra e WestLB. É formado pela Universidade de São Paulo e tem mestrado no Insper.