Carlos Lopes: Da Grécia Antiga ao Open Banking
Após dois anos tão turbulentos nos aspectos sociais, políticos e econômicos, notícias positivas podem passar de forma desapercebida. E 2021 trouxe uma grande novidade que pode significar uma importante mudança para o mundo financeiro: o Sistema Financeiro Aberto, também conhecido como Open Banking.
Esse novo conjunto de regras, que se baseia amplamente em uma das grandes ideias da teoria econômica, vem para resolver um problema antigo, para o qual já se pensavam soluções na Grécia Antiga e cuja teorização rendeu um prêmio Nobel a três economistas em 2001. A partir daí, o problema ficou mais conhecido como assimetria de informação.
Nas primeiras cidades-estado gregas, as atividades mercantis se concentravam em um espaço livre chamado de ágora. Lá, vendedores se juntavam para atrair consumidores, que vinham para comparar preços mais facilmente. Contudo, os vendedores tinham mais e melhor informação sobre os produtos que estavam vendendo e, portanto, tinham um incentivo para oferecer itens de pior qualidade ou tentar enganar os consumidores de alguma forma. Com o tempo, isso afastaria os compradores da ágora.
Para evitar essa dinâmica, os gregos criaram instituições, ou regras, que melhorassem a eficiência do mercado. Adotaram ações como a padronização de pesos e medidas, fiscalização e multas para aqueles vendedores que descumprissem as regras. Com melhores informações, os compradores passaram a confiar mais nos vendedores da ágora.
George Akerlof, Nobel de economia, teorizou o problema dando exemplo semelhante, o mercado de carros usados . Compradores com pouca informação estavam dispostos a pagar um preço médio que refletisse a qualidade média esperada dos carros. Com isso em mente, vendedores se veem incentivados a não ofertar carros em melhores condições, que deveriam valer mais. Por isso, surgem soluções como garantias e fiscalização. Até mesmo o consumidor, para ter mais informação, leva o veículo até um mecânico antes de comprar.
Impacto no consumidor
Agora, é o Banco Central que pretende reduzir esse problema no mercado financeiro brasileiro, reduzindo a assimetria de informação entre credores e tomadores de crédito, seguradoras e segurados. Mas como isso afeta o consumidor na prática?
Imagine que você vá solicitar um cartão de crédito para um banco com o qual ainda não possui relacionamento. Com poucas informações sobre o novo cliente, a concessão será avaliada com mais cautela e, possivelmente, o cliente pode acabar sendo negado ou ter um limite aprovado muito reduzido, ainda que tenha um excelente histórico em outra instituição.
A mesma lógica pode implicar juros mais elevados em um empréstimo ou um valor mais alto em um seguro. Pouca informação equivale a maior risco, o que acaba se refletindo negativamente nos custos dos produtos ofertados.
O Open Banking vem para eliminar algumas dessas barreiras. É um conjunto de medidas que permitirá que as pessoas possam optar por compartilhar suas informações financeiras com uma ou mais instituições. Bons pagadores terão, por sua vez, acesso a juros mais baixos e seguros mais baratos. Produtos e serviços também poderão ser mais adequados ao perfil do cliente. Além disso, o setor financeiro ficará mais seguro, já que regras ainda mais rígidas têm sido impostas em função do novo sistema.
Do lado das empresas, é um incentivo à competição e à busca por soluções inovadoras diante das novas regras, o que deve levar a um aumento da oferta de crédito e ajudar a reduzir a concentração bancária. Para os consumidores, a oportunidade de ter acesso a empréstimos, produtos e serviços a custos menores. Trabalhadores informais são grandes beneficiados, dada a dificuldade de comprovar renda.
Este é um bom exemplo de reforma microeconômica. Um avanço institucional que melhora o ambiente de negócios, eleva a produtividade, reduz custos, insere mais pessoas no sistema financeiro e promove a inovação. Exemplos similares são a formulação do cadastro positivo e a proposta do novo marco de garantias. Os impactos costumam ser de longo prazo e fundamentais para impulsionar a capacidade de crescimento do país, que segue bem distante da necessária para deixarmos de ser uma economia de renda média.
Carlos Lopes é economista no banco BV desde 2013 e já passou por instituições financeiras como Itaú BBA, Banco Fibra e WestLB. É formado pela Universidade de São Paulo e tem mestrado no Insper.