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Carlos Lopes: Conquistas ameaçadas

13 jan 2022, 10:59 - atualizado em 13 jan 2022, 10:59
Carteira de Trabalho
Potencial por conferir: incerteza jurídica e pandemia dificultam avaliação do impacto da reforma trabalhista (Imagem: Agência Brasil/ Marcelo Camargo)

Em meio às primeiras manifestações sobre política econômica dos prováveis candidatos à presidência, voltaram as críticas a um dos avanços mais importantes do país nos últimos anos, a reforma trabalhista. Depois da imensa dificuldade de progressão na agenda de reformas importantes, como a tributária e a administrativa, a possibilidade de um retrocesso frustra quem espera que o país possa se tornar mais produtivo e alçar taxas mais altas de crescimento.

Os desafios para impulsionar o crescimento da produtividade brasileiras são inúmeros. Além disso, enquanto as resistências para tal são concentradas em fortes grupos de interesse, os benefícios são difusos e demoram a aparecer para a sociedade.

Entre esses desafios, um campo importante é o da promoção da eficiência e concorrência, que além de envolver questões como privatizações, concessões e regulações setoriais, depende também de mudanças trabalhistas. Um passo fundamental foi a reforma realizada em 2017, que entre suas principais mudanças incluía a prevalência do negociado sobre o legislado, a flexibilização da jornada e a criação de novos contratos de trabalho, como o intermitente e o parcial.

Desde então, tem sido difícil avaliar os impactos da reforma já que a economia não voltou a um período de normalidade. No ano seguinte a aprovação da reforma, por exemplo, as eleições presidenciais ainda impunham elevada incerteza sobre a manutenção dessa lei. Não à toa, as contratações intermitentes mostraram alta significativa apenas no ano seguinte. Além disso, a elevada insegurança jurídica com as mudanças precisa de tempo para se atenuar enquanto a jurisprudência vai sendo construída.

Ao final de 2019, quando o país se aproximava de um ambiente econômico mais equilibrado, a pandemia teve início e o mercado de trabalho sofreu um enorme impacto. Mas as mudanças trabalhistas de anos antes surtiram efeito. Em 2020, ao mesmo tempo em que foram perdidas 190 mil vagas de trabalho formal, houve criação de 72 mil vagas intermitentes e 96 mil de trabalho temporário.

Ajuste rápido

Sem essa flexibilização, o impacto teria sido ainda maior não apenas sobre o desemprego, mas também sobre as empresas, que conseguiram, ainda que parcialmente, ajustar sua mão de obra às instabilidades econômicas que enfrentavam. Isso fica claro ao observar o mercado de trabalho americano durante a pandemia. Com regras trabalhistas muito menos engessadas como as brasileiras, a rapidez do ajuste foi fundamental para garantir uma retomada mais rápida da atividade econômica.

Referência: leis trabalhistas mais flexíveis ajudaram a recuperação econômica dos EUA, diz Lopes (Imagem: Divulgação/ BV)

Em dois meses, a taxa de desemprego saltou cerca de 11 pontos percentuais, mas ao final do mesmo ano já tinha recuado 8 pontos e agora já está em 3,9%, próxima do patamar anterior a pandemia. Já no Brasil, o processo foi mais lento. O desemprego, que já era elevado em função da crise de 2014/2015, subiu 5 pontos percentuais ao longo de seis meses, para depois recuar apenas 1 ponto até o final do ano. Agora, a taxa segue acima de 12% e deve demorar para voltar a um dígito.

A reforma trabalhista foi na direção correta, mas está longe de resolver a rigidez e a complexidade do nosso mercado de trabalho. Não à toa, o país ainda possui sua mão de obra claramente dividida entre formais e informais. Enquanto uns tem muitos direitos, outros não tem quase nenhum, podendo depender de assistencialismos ou trabalhar em condições precárias.

Essa dualidade é consequência direta da diferença de custos entre os dois sistemas, que restringe bastante a migração para a formalidade. Mas esse problema está longe de ser resolvido apenas por mudanças na legislação trabalhista. Envolve questões mais complexas que vão desde um sistema tributário mais simples e menos oneroso sobre a mão de obra, até um judiciário mais eficiente.

Por tudo isso é que entramos em mais um ano eleitoral na esperança de que esses compromissos sejam encaminhados pelo próximo governo. Infelizmente, o atual sistema político tem sido incapaz de alinhar incentivos políticos nessa direção, menos ainda durante as campanhas eleitorais. Há anos o país tem dependido de recessões e insatisfação popular para conseguir avanços mínimos nessas agendas, ainda muito aquém do necessário.
Este ano promete ser difícil, com baixo crescimento e muitas instabilidades. Há muito a ser feito, mas poucos incentivos para que aconteça. E ver essas conquistas ameaçadas tão cedo é um sinal de que os próximos anos podem ser ainda piores.

Carlos Lopes é economista no banco BV desde 2013 e já passou por instituições financeiras como Itaú BBA, Banco Fibra e WestLB. É formado pela Universidade de São Paulo e tem mestrado no Insper.