Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro, vê Selic a 1%
O Banco Central provavelmente será forçado a deixar de lado suas apreensões e reduzir ainda mais as taxas de juros, testando o chamado “lower bound” enquanto enfrenta o maior colapso econômico já registrado e uma mínima histórica para a inflação.
Um debate em torno do limite efetivo para a redução dos juros, que consumiu vários bancos centrais globais nos últimos anos, agora está em curso na maior economia da América Latina, onde a taxa Selic já está no menor nível de todos os tempos: qual é o nível mínimo em que os cortes dos juros tornam-se contraproducentes e passam a aumentar a preocupação com a inflação ou a estabilidade financeira?
O Comitê de Política Monetária do BC (Copom) reduziu sua taxa Selic na quarta-feira em 75 pontos-base, para 2,25%, e disse que pode haver espaço para uma nova flexibilização “residual” nos próximos meses.
O comunicado que acompanha o corte da taxa e os recentes comentários dos formuladores de política mostram relutância em prosseguir com cortes maiores. Eles citam o potencial impacto prejudicial sobre taxa de câmbio, expectativas de inflação, confiança dos investidores e estabilidade financeira geral.
Porém, um número crescente de analistas diz que a realidade econômica irá forçar a conduta do presidente do BC, Roberto Campos Neto, especialmente pelo fato de que a autarquia estar falhando em seu principal objetivo, de cumprir as metas de inflação. Para um país com um histórico de hiperinflação, esse é um fenômeno raro.
“Eles não terão escolha. O diagnóstico deles acerca da crise está errado, assim como o remédio”, disse José Francisco Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator em São Paulo, criticando o BC por não entender a gravidade da atual crise.
“O banco central terá que fazer o que for necessário para apoiar a economia e trazer a inflação de volta à meta”, disse ele, prevendo que a Selic, eventualmente, será reduzida para 1,5%.
SELIC em 1%?
Um crescente grupo de economistas está adotando essa visão. Cassiana Fernandez, do JP Morgan, prevê que a Selic fechará o ano em 1,75%, e Gustavo Arruda, do BNP Paribas, e Dev Ashish, da Société Genérale, calculam que a taxa chegará a 1,5%.
Carlos Kawall, diretor de pesquisa econômica do ASA Bank e ex-secretário do Tesouro, acredita que a taxa básica de juros será reduzida para 1%. Se não fosse o debate do “lower bound”, poderia até ir a zero.
“Nós continuamos enxergando espaço para uma flexibilização monetária adicional significativa”, escreveram ele e seus colegas em nota na quarta-feira.
O ponto central dessa análise é a inflação, ou melhor, a falta dela. Em termos anuais, a inflação ao consumidor, que encostou em 7.000% há apenas uma geração, atualmente é de 1,9%, o menor nível em mais de 20 anos.
Regra de Taylor
Mais importante, a inflação está significativamente abaixo do centro da meta, de 4,0%, do BC para 2020. E pelas projeções do próprio Copom, que têm caído de forma consistente nas últimas reuniões, a inflação não voltará a 4,0% neste ano ou ao centro da meta no ano que vem, de 3,75%.
Usando uma combinação de variáveis sobre a taxa de câmbio e a taxa de juros, o Copom estimou, na quarta-feira, que a inflação encerrará este ano em 2,0% ou 1,9%, abaixo da projeção de 2,4% ou 2,3% na reunião do mês passado. Da mesma forma, as projeções para 2021 foram reduzidas para 3,0% ou 3,2%, de 3,2% ou 3,4%.
Com a economia a caminho de uma contração superior a 6% neste ano, de acordo com o consenso do mercado, o alto desemprego e a fraca demanda devem continuar pressionando a inflação para baixo, apesar de uma depreciação do real ante o dólar neste ano de 25%.
Nesse contexto, a chamada “Regra de Taylor”, um modelo econômico que estima onde as taxas de juros devem estar para levar a inflação à meta, aponta para uma Selic muito mais baixa.
Mas a resistência entre os formuladores de política monetária é forte. Campos Neto tem dito que o “lower bound” é difícil de identificar e depende de várias variáveis, e não há consenso no Copom sobre onde está esse nível.
E, diferentemente dos bancos centrais de economias desenvolvidas, como o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) ou o Banco Central Europeu (BCE), há um prêmio de risco associado ao Brasil que limita o quão agressivamente o Copom pode agir.
Parte da hesitação também pode vir do fato de que, uma vez que o “lower bound” seja alcançado, a próxima fronteira para estimular a economia e reavivar a inflação são medidas de política monetária extraordinárias, como a compra de títulos ou o afrouxamento quantitativo (QE, em inglês).
E esse é um caminho que o banco central está ainda mais relutante em seguir.