Caio Mesquita: Você já andou numa bicicleta chinesa?
Aparentemente, caminhamos para um ciclo sustentável de melhorias econômicas no Brasil.
Os times de especialistas das nossas publicadoras financeiras, Empiricus e Inversa, seguem otimistas. E aqueles que já vêm se posicionando em ativos de risco colhem os frutos das nossas sugestões.
O tal do bull market, o longo período de valorização das ações, parece estar tomando corpo. Sua formação baseia-se no momento atual do ciclo econômico que vivemos, saindo de uma década perdida de crescimento e com as condições formadas para a retomada.
Como viver é muito perigoso, nem tudo é rosa no sertão e há riscos no caminho.
As ameaças vêm de fora.
Com sua economia titubeando, os Estados Unidos começam a cortar os juros.
A Europa, por sua vez, convive com problemas estruturais de crescimento e há parcas perspectivas de reversão. O mesmo vale para o Japão.
E tem a China, que nesta semana voltou à cena com mais um capítulo da guerra comercial com Trump, desta vez com foco no ângulo cambial.
A China ameaçou desvalorizar a sua moeda, permitindo que ela cruzasse a barreira histórica dos 7 yuans por dólar.
Na realidade, o governo chinês simplesmente deixaria de sustentar o yuan nesses níveis, artificialmente sustentados por gigantescas compras de moeda local.
Em reação, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, foi chamado de manipulador de câmbio por Trump, jogando um balde de sangue nos mercados acionários globais.
Confesso que meu conhecimento de China se equipara ao meu domínio do mandarim.
Na semana passada, conversei com alguém que, se não é fluente no idioma, acompanha e convive com a situação de lá há décadas. E ele está muito preocupado.
Trabalhei com Sudhir “Suds” Roc-Sennett na minha época de investment banker no Banque Paribas da década de 1990.
Hoje, Suds é diretor no Vontobel, gigantesca asset suíça, onde coordena a gestão de renda variável em mercados emergentes, com foco na Ásia.
Como muitos, Suds está preocupado com o que está acontecendo na China, especialmente com o que chama de “Feedback Loop”, uma bicicletada que impulsiona a economia à base de exportações e consumo interno.
Tirei a figura abaixo do blog Turning Stones, escrito pelo próprio Suds:
Todos sabem que a prosperidade chinesa advém da sua competitividade no comércio exterior. Por mais eficiente que tem sido a máquina exportadora, para segurar o crescimento a taxas chinesas foi preciso trazer o lado doméstico à equação. Os incrementos reais nos salários chineses foram turbinados por crédito farto, tanto para consumo como para o setor imobiliário. E a consequente valorização dos ativos imobiliários tem realimentado a percepção de riqueza dos chineses, que, por sua vez, seguem consumindo e se endividando.
Resultado: um apartamento de 100 metros quadrados na periferia de Xangai custa 1 milhão de dólares, preço elevado mesmo para padrões nova-iorquinos, por exemplo, apesar da renda per capita da metrópole chinesa ser 10 por cento da sua correspondente americana.
Essa formidável engenhoca em looping tem apenas atenuado o arrefecimento no crescimento chinês:
Como tudo começa com exportações, a ameaça de um novo aumento de tarifas feita por Trump é monumental, já que há pouco espaço para compensação, tanto no crédito como na apreciação de ativos, ambos no limite (como demonstrado pelo apartamento de periferia de 1 milhão de dólares).
Enquanto isso, a bicicleta continua a avançar com 2,8 bilhões de pernas pedalando na sincronia do orwelliano “social score” chinês, uma famigerada ferramenta que mede a confiabilidade do cidadão com base no seu comportamento. Por lá, todas as ações do cidadão são medidas e avaliadas de acordo com o interesse da sociedade chinesa. Quem for mal avaliado sofre punições que vão desde a disponibilidade de vagas para filhos estudarem até a emissão (ou não) de passaporte. Falar mal do governo tira (muitos) pontos.
Você pode imaginar qual seria seu score se a moda pegasse por aqui?