Caio Mesquita: Cale a sua boca
Por Caio Mesquita, CEO da Acta Holding
“A liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade.”
Ministro Carlos Ayres Britto
Na qualidade de presidente do Grupo Acta, sempre enfatizei as virtudes do modelo verdadeiramente independente de publicações jornalísticas.
Livres dos conflitos de interesses provenientes de relações opacas, temos um acordo simples e transparente com nossos leitores. Nossas empresas fornecem/publicam seus conteúdos e são remuneradas pelos leitores por meio de pacotes de assinaturas e publicidade programática.
Assim sendo, nossas publicadoras apoiam seu modelo de negócios numa espécie de crowdfunding. Pessoas que se interessam por temas como investimentos, saúde e política consomem nossas publicações e essa audiência provê o funding necessário para que continuemos atuando no longo prazo.
Apoiam as nossas publicadoras centenas de milhares de assinantes e os incontáveis anunciantes que acessam nossos sites através do modelo de mídia programática. Tal pulverização das fontes de receita resulta numa relação virtuosa. Ela nos fortalece com o mandato delegado pela enorme audiência, ao mesmo tempo em que não nos vincula a interesses particulares que poderiam afetar a independência do conteúdo.
Nesta semana, uma das empresas do Grupo, a Mare Clausum, foi vítima de uma brutal ação de intimidação, que culminou na censura de uma de suas reportagens e posts relacionados.
A Mare Clausum é a razão social de nossa sociedade com os jornalistas Diogo Mainardi e Mario Sabino e tem no site O Antagonista sua face mais conhecida. No ano passado, complementamos O Antagonista com o lançamento bem-sucedido da revista digital Crusoé, que hoje conta com mais de 70 mil assinantes.
Na sexta-feira, dia 12, a Crusoé publicou uma reportagem que cita a inclusão do nome do ministro e atual presidente do STF, Dias Toffoli, nos autos da Operação Lava Jato. Dentro da matéria havia a reprodução de um documento em que Marcelo Odebrecht esclarecia que o tal “amigo do amigo de meu pai” seria Toffoli, que à época exercia a função de advogado-geral da União.
A matéria, conduzida com os mais altos padrões de jornalismo pelos quais a Crusoé já foi reconhecida, teve uma certa repercussão em outros meios de comunicação, mas menos do que esperávamos dada a importância do cargo ocupado pelo personagem principal da reportagem.
Antes da publicação, a equipe da Crusoé tentou entrar em contato com o ministro Dias Toffoli, mas sem sucesso.
Ato contínuo, na segunda-feira, dia 15, recebemos intimações nos escritórios de Brasília e São Paulo, exigindo a retirada imediata do ar da matéria bem como dos posts relacionados a ela. Meu sócio Mario Sabino foi intimado a comparecer à sede da Polícia Federal no dia seguinte para prestar esclarecimentos no âmbito do inquérito instaurado pelo também ministro do Supremo Alexandre de Moraes.
Suponho que o resto você já saiba dada a enorme repercussão do caso. O apoio generalizado da sociedade civil nos deu conforto para enfrentar a enorme pressão que nossos sócios e colaboradores sofreram nos últimos dias.
São situações como essa que testam nossas convicções em conceitos fundamentais como liberdade em geral e liberdade de expressão especificamente.
Não é a primeira vez que uma empresa do Grupo Acta, cuja atividade empresarial é estritamente editorial, tem sua atuação ameaçada por representantes do Estado que alegam o caráter relativo da liberdade de expressão quando objetivam cercear nossa atuação.
Tratei pessoalmente do tema com o ministro Ayres Britto, relator da ADPF 130, que extinguiu a Lei de Imprensa. O ministro lembrou que a liberdade de expressão é garantida no Brasil pelo inciso IX do Artigo 5º da Constituição: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E tem seu caráter pleno reforçado pelo Artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
Impor limites e controles prévios a quem publica conteúdo configura censura. Alegar razões de interesse maior para exercer tal controle é traço comum entre censores, pois dá ares de nobreza a algo essencialmente arbitrário.
Apesar dos desafios cada vez maiores, estou confiante de que nossas empresas e colaboradores seguirão exercendo livremente seu direito constitucional à liberdade de expressão.
Um abraço e boa leitura!
Caio