Cadê o jornal que estava aqui? A mudança silenciosa e informal das bancas
O costume de se adquirir jornais e revistas em bancas nunca foi homogêneo no Brasil. São Paulo, no entanto, é uma capital que, principalmente em seu centro expandido e bairros nobres, tem essa cultura, embora ela tenha perdido força ao longo dos últimos anos.
As bancas estão passando por um reposicionamento silencioso e informal.
Silencioso, pois, diferente de lojas de departamento, supermercados e lanchonetes, sempre bombardeados pelos conceitos como omnicanalidade e phygital, ninguém fala sobre as bancas de revista. E informal por ser uma mudança, quase sempre, sem lastro no ensino formal e sim pela vivência de seus donos.
Queda no número de bancas de jornais
Ainda que persistam em regiões como a Avenida Paulista e centro, as bancas são cada vez mais raras em São Paulo.
Segundo o Meio e Mensagem, o número, que chegou a mais de 3100 em 2009, se reduziu a pouco menos de 2400 em 2020.
A pandemia acelerou ainda mais o fechamento de unidades, visto que cerca de 260 deixaram de existir no decorrer da crise sanitária.
Comportamento
A explicação para o fechamento de bancas de jornal não é complexo de se entender. Existe uma correlação direta com o desinteresse das pessoas na compra de jornais ou revistas impressas.
A explicação é óbvia, com o advento da instantaneidade dos canais digitais, por que aguardar o dia seguinte, a semana seguinte ou o mês seguinte para saber de um assunto que já foi destrinchado ao máximo nas redes?
O preço também é um ofensor. Mesmo que muitos veículos estejam bloqueando o acesso a matérias com o chamado paywall (técnica que deriva o link acessado para uma página de login ou de comercialização de assinatura digital), a disparidade de preços é gigante.
Enquanto um único exemplar de domingo da Folha de São Paulo custe, nas bancas, R$ 7,00, para ter acesso à assinatura digital por três meses o assinante não desembolsa mais que R$ 6,00 — e ainda tem mais nove meses por R$ 9,90.
Reflexo do mercado
Esse comportamento já fez com que diversos veículos deixassem de imprimir suas publicações.
A queda da Editora Abril, que vem agonizando desde o falecimento de seu líder Roberto Civita (2013), deixou de imprimir, nos últimos 10 anos, revistas como a Info, Capricho, Mundo Estranho e Boa Forma.
Em 2019, a Exame, uma das marcas de maior prestígio, foi vendida ao Banco BTG Pactual.
A última grande movimentação do setor se deu em maio do ano passado, quando a Época, do Grupo Globo, deixou de circular.
O comunicado da empresa, repleto de eufemismos, anunciava que a publicação iria se ‘reinventar’ para ‘oferecer ao leitor informação aprofundada e de qualidade’ e ‘reportagens de fôlego’ com uma seção fixa dentro de O Globo.
Neste último sábado (16), a Época teve apenas meia página no impresso com uma reportagem que, caso não tivesse o selo da extinta publicação, passaria despercebida pelo leitor —já que a temática abordada (o relato de uma mulher grávida que salvou sua filha de 8 anos do ataque de um pitbull) não se difere em absolutamente nada da linha editorial que O Globo costuma ter.
Reinvenção silenciosa
O espaço dado às bancas para jornais e revistas é cada vez menor. As estruturas se tornaram um ponto de venda de absolutamente tudo – e, por sinal, alguns jornais e revistas.
Além de recarga de celulares, uma das primeiras novidades acrescentadas ao portfólio de uma banca, também são vendidos ou oferecidos fones de ouvido, mochilas, tênis, sapatos, chinelos, brinquedos, carteiras, bichos de pelúcia, bonés, óculos, refrigerantes, água, cópia de chaves e consulta do CPF nos órgãos de proteção ao crédito e principalmente máscaras, durante o ápice da pandemia.
Essa reinvenção decorreu da necessidade de as bancas sobreviverem e tem o respaldo da lei. Várias prefeituras passaram a autorizar o aumento do rol de produtos e serviços que poderiam ser ofertados, o que reflete no portfólio apresentado anteriormente e exemplificado como nessa banca no Itaim Bibi, zona sul de São Paulo.
Todos acabam aproveitando dessa facilidade: ainda que uma pessoa mais idosa possa se frustrar por não encontrar mais o jornal ou revista desejada na banca, essa mesma pessoa pode ser beneficiada com itens e serviços que lhe consumirão menos tempo que se adquiridos de outra forma.
A compra de uma garrafa de água em uma banca de revistas leva uma fração de tempo se comparado ao que seria gasto para entrar em um supermercado, ir até à seção de bebidas, aguardar na fila para só depois matar a sede.
Mudanças que não se restringem às grandes empresas
Bancas de jornais se enquadram como PMEs (pequenas e médias empresas), e o que tem acontecido com elas reforça a mensagem de que não são apenas grandes empresas que precisam se reinventar para sobreviver.
Mesmo que corporações com centenas ou milhares de funcionários possam ter um melhor suporte (como núcleos de inovação e incubadoras de ideias) para pensar em novas soluções, demandar pesquisas ou aprofundar estudos, o dono de uma banca não tem essa visão.
Seu entendimento, quase sempre, é primitivo, mas parte de premissas que norteiam até as maiores empresas do mundo independente do mercado ou país que atuem: se as receitas são menores que as despesas, existe um problema que precisa ser enfrentado ou a operação precisa acabar.
Reinvenção por experiência prática
Outro recado que fica é que, mesmo fora da educação formal, proporcionada por escolas, universidades e centros de ensino, independentemente do canal (presencial ou a distância), existe — e não pode ser desprezado, com ressalvas, o conhecimento empírico.
Resumidamente e, reconheço, de forma rasa, podemos classificar o empirismo como uma corrente filosófica que promove e defende a aquisição de conhecimento por conta da experiência prática. Ou seja, nossa estrutura cognitiva é fortemente alimentada pela prática recorrente de determinada atividade.
É claro que esse conceito jamais poderia se aplicar, principalmente hoje em dia, a campos como medicina.
Mas não é raro que colegas das áreas de marketing ou administração, dotados de diplomas de graduação ou MBAs feitos nas mais conceituadas instituições do mundo, acabem por desprezar a experiência prática para nortear uma estratégia para a dor de um negócio.
Estar no ponto de venda e ouvir mais do que falar, entender o comportamento do consumidor, interagir com quem vende —por mais simples que a pessoa possa ser, é um excelente ponto de partida para concatenar vivências com os aprendizados do ensino formal para entender de fato um problema e buscar uma solução para ele.
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