Bruno Mérola: Bond, Buffett e a retomada dos eventos
Hotel Splendide, Montenegro, 2006. Na mesa de pôquer do luxuoso Casino Royale, dez jogadores disputavam o pote de US$ 150 milhões.
O banqueiro anfitrião, com sangue nos olhos, precisava desesperadamente recuperar a perda multimilionária após uma operação de venda malsucedida.
Le Chiffre, principal financista de uma rede de terroristas internacionais, havia feito uma aposta binária para seus clientes: se o evento de lançamento da Skyfleet S560, maior aeronave comercial do mundo, fracassasse por algum motivo, suas opções de venda valeriam uma fortuna. Com seu plano de sabotar a empresa previamente interrompido pelo agente 007, tudo virara pó.
Omaha, Nebraska, 2019. Outra aeronave, agora um Gulfstream V da petroleira Occidental, foi a protagonista do novo investimento bilionário do megainvestidor Warren Buffett.
O site de dados de voos FlightMap e a consultoria de dados Quandl identificaram a presença do jatinho na cidade natal de Buffett em meio às negociações da Occidental para comprar a rival Anadarko por US$ 38 bilhões.
Dois dias depois, a Berkshire Hathaway anunciava um investimento de US$ 10 bilhões na Occidental, fazendo decolarem os lucros dos clientes da casa de análise Gordon Haskett que receberam a informação e se posicionaram com o boato.
O que os dois casos acima, fictício e real, têm em comum, é a estratégia de operar eventos corporativos — anunciados ou estimados com alta probabilidade.
De acordo com dados da eVestment, os fundos “event-driven”, orientados a eventos, somavam US$ 589 bilhões em abril deste ano, representando 19% de toda a indústria global de hedge funds e atrás apenas dos fundos long & short.
Seus gestores são especialistas em ganhar dinheiro com operações de curto e médio prazo — não mais do que alguns meses — envolvendo todo e qualquer evento corporativo: fusões e aquisições, spin-offs, mudanças na estrutura de capital das empresas, calotes, recuperações judiciais e todo tipo de arbitragem.
Imagine que a empresa A, líder de mercado no setor de saúde, anuncie a compra das ações de sua rival B por R$ 100. Imediatamente após o anúncio, a ação de B, que negociava a R$ 75, dispara para R$ 95, se aproximando do valor anunciado no negócio.
Neste momento, milhares de investidores de varejo e fundos de ações tradicionais vendem o que tinham da empresa B em carteira, colocando o lucro no bolso e partindo para a próxima grande porrada.
O gestor de um fundo event-driven que se especializou na estratégia conhecida como “merger arbitrage” pode entrar comprando a ação a R$ 95 para ganhar a gordura que existe daí até o fechamento do negócio a R$ 100.
E vale a pena brigar por esses R$ 5 por ação?
Depende. Enquanto apenas o anúncio de um deal já pode satisfazer o investidor de longo prazo, o analista de eventos corporativos é orientado a avaliar o período entre o anúncio e o fechamento da operação.
Para ele, importam os motivos da aquisição, os termos do negócio e questões regulatórias que possam impactar a probabilidade do deal ser concluído no prazo estimado. Se esta probabilidade for alta o suficiente e o preço estiver atrativo, o fundo compra a ação e ganha o preço de venda no fechamento, ganhando um spread.
A beleza deste tipo de operação é sua baixíssima correlação com os índices de mercado, sendo relevante apenas a diferença entre as probabilidades que o gestor e o mercado atribuem ao fechamento do negócio.
Se a empresa A obtiver um financiamento e tiver as aprovações tanto de seus acionistas quanto dos agentes reguladores a tempo de concluir toda a operação em três meses, o ganho de 5,3% do exemplo (R$ 5 sobre o investimento de R$ 95) é excelente.
O risco é a negociação demorar muito mais do que isso ou, pior, ser cancelada, levando a prejuízos significativos.
No Brasil, os eventos mais comuns que estão sendo monitorados atualmente pelos gestores de ações que acompanhamos na série Os Melhores Fundos de Investimento são as fusões entre as locadoras Localiza e Unidas e entre as operadoras de saúde Hapvida e NotreDame Intermédica. Cada notícia envolvendo as aprovações regulatórias desses deals impactam marginalmente o preço de mercado e a estimativa de prazo até o fechamento.
Já em momentos de menor otimismo com o ciclo econômico, os fundos “event-driven” podem buscar oportunidades em “distressed securities”, títulos de dívida ou ações de empresas em dificuldade, como eventos de calote, recuperação judicial ou fraudes.
Na semana passada, por exemplo, uma assembleia de credores da Rodovias do Tietê aprovou o plano de recuperação que entrega o controle da companhia a seus debenturistas, após dois anos do pedido de recuperação judicial.
Pessoas físicas e gestores de crédito privado que compraram os títulos da empresa por uma fração de quanto valiam podem encontrar oportunidades de saída.
2021 tem se mostrado o ano da retomada desses eventos corporativos e um dos melhores da história para essa classe de fundos.
No primeiro semestre, gestores “event-driven” viram a maior frequência de eventos corporativos no mundo desde 1993, após US$ 2,8 trilhões em deals, de acordo com a consultoria de dados Refinitiv.
Entre as razões para a explosão de fusões e aquisições, estão a recuperação econômica após a pandemia em um mundo de (ainda) altíssima liquidez e com setores em consolidação e a explosão da popularidade dos SPACs lá fora, veículos dedicados a captar dinheiro no mercado para comprar participações em empresas privadas.
Mas há um motivo para você nunca ter ouvido falar dos fundos “event-driven” por aqui: dá para contar em uma mão os gestores no Brasil especialistas no assunto.
A verdade é que um especialista no assunto precisa fazer isso há bastante tempo e no mercado internacional, já que o volume de operações relevantes é pequeno e as incertezas regulatórias são grandes por aqui.
Dito isso, após meses acompanhando e estudando o tema, os assinantes de fundos da Empiricus receberão em primeira mão, na próxima terça-feira, nossa primeira recomendação de um fundo “event-driven”.
O aumento da quantidade de empresas listadas em Bolsa, o potencial de consolidação de vários setores e o amadurecimento da indústria em busca de fontes descorrelacionadas de retorno são argumentos que justificam alocar uma pequena parcela da carteira a quem ganha dinheiro de forma diferente.
Até lá, aproveito o fim de semana para retomar, após 18 meses e tomando todo o cuidado necessário, um evento pessoalmente importante para mim: o cinema, com a estreia do novo filme do James Bond, exímio jogador de pôquer.