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Bruno Mérola: A ordem dos fatores altera o aprendizado

07 out 2020, 17:48 - atualizado em 07 out 2020, 17:48
Bruno Mérola
(Imagem: Divulgação/Empiricus)

“As pessoas aprendem quando são surpreendidas. Não quando leem a resposta certa ou são informadas de que estão errando, mas quando seu queixo atinge o chão.”

Morgan Housel

Como investidores, mais cedo ou mais tarde, vamos cair na tentação de identificar padrões para justificar nossos acertos e de atribuir a fatores aleatórios e fora de nosso controle os nossos erros.

Tal comportamento é amplificado pela magnitude e/ou pela frequência desses acertos, retroalimentando o excesso de autoconfiança que provavelmente causará a próxima grande perda.

Porém, “mais cedo ou mais tarde” não significa que deveríamos ser indiferentes à ordem dos fatores.

Por exemplo, ir à falência com 20 anos de idade é bem diferente de perder tudo aos 50. Não apenas há mais tempo e energia para virar o jogo como a absorção do aprendizado ocorre com menos vícios.

Tenho convicção de que os melhores investidores pessoa física e grandes gestores de fundos – não necessariamente os que mais ganharam dinheiro – são aqueles dispostos a errar pouco e cedo, identificando e abraçando as causas de seus equívocos, justamente por entenderem a importância do caminho para algumas lições de vida.

De certo modo, lembro daquele filme “O Poço”, da Netflix, em que voluntários acordam cada semana em um andar aleatório de uma prisão vertical em que os andares superiores recebem mais comida, sem saber se terão alimento suficiente para sobreviver por mais alguns dias. Cedo ou tarde, os voluntários aprendem.

Nesse sentido, quero dividir com o leitor três situações na indústria de fundos e de alocação de carteira em que a trajetória, o caminho percorrido e a sequência dos acontecimentos podem alterar toda a conclusão.

A primeira aconteceu em uma conversa recente com uma gestora de fundos sistemáticos, que toma decisões baseadas em modelos matemáticos.

No meio do papo, ao apresentar o racional por trás da sua gestão de risco, um dos gestores argumentou que seu modelo era robusto, pois ao selecionar aleatoriamente “x” dias de negociação nos últimos anos, os retornos negativos representavam um percentual muito pequeno dessa amostra.

Confesso ter ficado intrigado. Como uma seleção aleatória de alguns dias separados no tempo nos últimos anos poderia representar a experiência de um investidor para validar a robustez da gestão de risco?

O erro aqui está em desconsiderar a propriedade de continuidade do movimento dos preços dos ativos. Em outras palavras, se a amostra selecionar, aleatoriamente, os dez piores dias da história do mercado, isso não quer dizer absolutamente nada sobre a probabilidade de eles acontecerem em sequência.

Na prática, há um elemento de momentum (ou tendência de curto prazo) nos ativos. O preço de uma ação hoje pode ser modelado como um movimento aleatório que tem como base o preço dela ontem. É muito mais verossímil um ativo cair 30% em um determinado dia e depois recuperar 10% no dia seguinte do que cair 30% por dois dias seguidos.

Admiradores de Ray Dalio e Howard Marks também poderiam argumentar que a própria dinâmica de ciclo dos mercados vai contra essa metodologia de gestão de risco. O nível dos preços e a trajetória dos retornos fazem toda a diferença.

A segunda situação, bem mais abrangente, diz respeito à maneira com que investidores fazem sua alocação de carteira entre classes de ativos.

Ao receber a recomendação de uma carteira completa e diversificada, em que importa muito mais a combinação de várias classes e fundos do que eles individualmente, noto um equívoco comum entre amigos e/ou assinantes: a ordem das alocações.

Em busca daquela porrada que pode deixá-lo rico em um curto período de tempo, o investidor dá preferência a alocar primeiro nos ativos de risco, como ações, e só depois em proteções para seu portfólio – “quando o dólar ou o ouro cair”.

Mesmo com captação de mais de R$ 1 bilhão nos fundos cambiais em 2020, veículos mais eficientes para ganhar exposição à moeda americana, este número não chega nem perto dos mais de R$ 60 bilhões que o investidor pessoa física aportou diretamente em ações na B3 ou em fundos de ações no ano.

Uma coisa, no entanto, não deveria existir sem a outra. Em um ano de extrema volatilidade e de forte alta do dólar, as carteiras parecem estar ficando perigosamente menos protegidas.

Por fim, trato da maneira com que analisamos o desempenho de um bom gestor de fundos e o que vamos incorporar daqui para a frente na série Os Melhores Fundos de Investimento.

Não é novidade que valorizamos bastante aqueles gestores que tenham um desempenho excepcional no prazo mais longo possível. Afinal, um fundo com retorno de 15% ao ano ao longo de 20 anos parece bastante interessante.

Mas e se, deixando de lado o rigor matemático, esse mesmo gestor obteve um retorno de 20% ao ano nos primeiros dez anos e de 10% nos últimos dez, chegando à média de 15%? Ele ainda pareceria interessante?

O ponto principal aqui é que a média sempre tem a capacidade inesgotável de nos enganar e, novamente, o resultado depende do caminho percorrido. O fundo do parágrafo anterior pode ter perdido sua capacidade de gerar alfa ao longo do tempo, assim como o oposto pode ser um sinal de evolução.

Com esses três exemplos distintos entre si, quero deixar uma pequena contribuição para o investidor em busca de lições importantes: o filme, como as coisas aconteceram, importa tanto ou mais do que a foto do resultado atual.

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