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Bruno Marchesano: Gatos, caixas e investimentos alternativos

03 set 2021, 13:52 - atualizado em 03 set 2021, 13:52
“O gestor, ao montar seu portfólio, vai tentar combinar várias dessas caixas, com tamanhos diversos e que sigam perfis de distribuição de probabilidades diferentes, com o objetivo de reduzir o risco e tentar capturar pelo menos uma companhia que dê um grande retorno” diz o colunista.

Em 1935, Erwin Schrödinger, físico austríaco, desenvolveu um experimento mental que busca ilustrar a diferença entre a física quântica e a física clássica.

O experimento (puramente) hipotético consiste em colocar um gato dentro de uma caixa lacrada e não transparente juntamente de um frasco de veneno com um mecanismo que o quebrará caso um evento aleatório, que segue um modelo probabilístico, aconteça.

Ou seja, sabemos que o evento pode ou não acontecer, sendo que não sabemos o resultado, dado que a caixa está fechada. Por isso, Schrödinger defende que o gato se encontraria em um estado chamado “vivomorto”, que não é nem vivo, nem morto. A única forma de se determinar a real situação seria abrindo a caixa.

Portanto, diferentemente da física clássica, em que há um estado determinado, na quântica existe uma sobreposição de estados. Simplificando ainda mais: quando jogamos uma moeda, o resultado será cara ou coroa; na física quântica, essa superposição faz com que o resultado seja cara e coroa ao mesmo tempo, pelo menos até que alguém observe o resultado.

Essa sobreposição de estados é o completo oposto do que observamos nos fundos de investimento. Neles temos transparência de retornos e carteiras, liquidez para vender nossos fundos quando quisermos — apesar do prazo de resgate —, além de acesso livre a todo tipo de informação e contato próximo com gestores. Proximidade que só aumentou nos últimos anos, com a ampla adoção de cartas, a participação das gestoras nas redes sociais, de entrevistas com a gestão e pela cobertura de fundos por casas de análise como a Empiricus.

Em fundos alternativos, a caixa é mais opaca. Seus retornos e posições costumam ser divulgados apenas a investidores ou pessoas mais próximas. Além disso, o acesso aos gestores e aos detalhes da estratégia, dos fundos e dos processos é limitado, não existe resgate e o prazo de investimento é de dez anos. O resultado é a necessidade de uma análise muito mais diligente.

Private equity é o tipo de fundo mais conhecido dentre os alternativos. Eles investem em empresas privadas, de capital fechado, já bem estabelecidas, mais resilientes, com vários produtos e que necessitam de capital para expansão. São companhias bem resilientes e relativamente próximas de fazerem suas ofertas públicas iniciais (IPOs, quando uma empresa entra pela primeira vez na Bolsa), sendo essa a estratégia de venda mais desejada, mas também podendo ser vendidas para grandes concorrentes.

Contudo, existe uma classe que adiciona uma camada extra de opacidade à caixa: venture capital, que é um tipo de private equity, porém com fundos focados em pequenas empresas, que podem inclusive não ter faturamento e, em alguns casos, nem um produto testado. Elas precisam de capital e conhecimento para se estabelecerem, ou até mesmo para atingirem um tamanho mínimo que aumente suas chances de sobrevivência.

Normalmente, essas empresas ainda estão estruturando seu modelo de negócios e estão distantes de fazerem um IPO, por isso, acabam sendo alvo de aquisição de fundos de private equity ou até mesmo de grandes investidores estratégicos.

Esse tipo de empresa — em muitos casos conhecida como startup — está muito mais exposto à concorrência e a adversidades. Justamente por estarem em um estágio muito inicial, essas companhias são consideradas investimentos de muito maior risco que private equity ou que ações negociadas em Bolsa.

Gosto de pensar que um fundo de venture capital é quase um “inception” — em referência ao filme dirigido por Christopher Nolan —, em que o portfólio é uma caixa de Schrödinger, em cujo interior teria várias outras caixas, cada uma representando uma empresa.

O gestor, ao montar seu portfólio, vai tentar combinar várias dessas caixas, com tamanhos diversos e que sigam perfis de distribuição de probabilidades diferentes, com o objetivo de reduzir o risco e tentar capturar pelo menos uma companhia que dê um grande retorno — com sorte, até mesmo um futuro unicórnio (startup avaliada em mais de US$ 1 bilhão).

Uma vez investido, existem três cenários para cada caixa: i) a empresa morre; ii) ela continua em um estado similar ao anterior ao investimento; ou iii) o modelo de negócios da companhia dá certo e ela é avaliada em valores cada vez mais altos, resultando em retornos fora do comum para o fundo.

Sabendo disso, os melhores gestores de venture capital procuram ter muitas companhias em suas carteiras. Eles reconhecem que, por melhor que seja sua análise, sua seleção e a geração de valor para a empresa, não há como saber quais serão as grandes ganhadoras do futuro. É provável que metade das companhias possa valer zero daqui a dez anos, porém um único sucesso seria capaz de compensar (e muito) todas as perdas.

Tudo depende da habilidade do gestor na montagem de portfólio, ou seja, selecionar empresas e empresários que tenham diferentes perfis de probabilidade e que possam ter sucesso em diferentes mercados e modelos de negócio. Ainda assim, o resultado desse trabalho só será revelado quando a companhia for vendida.

Explico. A avaliação das companhias é arbitrária, similar à avaliação de uma casa. Um laudador pode te falar que sua casa vale R$ 1 milhão, mas esse valor só se concretizará se houver alguém disposto a pagá-lo. Até lá, esse número não significa nada, basta que nenhum comprador te ofereça mais do que R$ 500 mil para frustrar suas expectativas. Trata-se de um ajuste de expectativa versus realidade, em que existe um preço real de um ativo, mas que só é conhecido quando “a caixa é aberta”, de forma semelhante ao gato de Schrödinger.

Apesar das incertezas e riscos, o retorno dos fundos alternativos compensa?

De acordo com um estudo da Spectra, ABVCAP e Insper, a taxa interna de retorno (TIR) média de todos os fundos de venture capital e private equity brasileiros, entre 1994 e 2018, foi de 9,8%. Um retorno bem aquém do esperado, porém não queremos deixar nosso dinheiro preso por dez anos em fundos medianos, certo?

Todos queremos colocar nosso capital apenas naqueles que são Os Melhores Fundos de Investimento. Quanto ganharam os melhores gestores de fundos alternativos?

Contudo, conforme o mesmo estudo, os fundos que ficaram no primeiro quartil de performance (25% melhores) conseguiram um retorno médio de 40,6% ao ano, mais de duas vezes e meia a média da indústria em 25 anos.

Para o investidor, são dois os desafios para conseguir essa performance.

O primeiro é de acesso, já que apenas uma pequena parte dos melhores fundos são oferecidos em plataformas de investimento.

O segundo é de seleção: por mais que vários dos fundos oferecidos sejam excepcionais, por conta da assimetria de informação da indústria você ainda depende do auxílio de alguém com acesso para tomar uma boa decisão e conseguir investir naqueles com potencial de ficarem no primeiro quartil.

Se os gestores de venture capital que investem em 30 empresas fazem filtros rigorosos na seleção de quais caixas vão ou não receber seu aporte, você deveria fazer o mesmo, certo?

Em um mercado cuja média de retorno é ruim, ter acesso a quem tem informação e compor nossa caixa de investimentos apenas com aqueles com maiores chances de serem Os Melhores Fundos nunca foi tão importante. Quando você abrir a sua caixa de Schrödinger, o que quer encontrar lá dentro?

Um grande abraço,

Bruno Marchesano

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