Justiça

Brumadinho: Vale diz que é exorbitante valor de R$ 1 milhão por morte

06 jul 2021, 21:52 - atualizado em 06 jul 2021, 21:52
Brumadinho
A tragédia ocorreu em 25 de janeiro de 2019, com o rompimento de uma barragem da Vale situada na Mina Córrego do Feijão (Imagem: Reuters)

A Vale (VALE3) apresentou recurso na Justiça do Trabalho contra a decisão que fixou indenização de R$ 1 milhão por danos morais para cada empregado da mineradora que morreu na tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais.

A sentença de primeira instância, publicada no início do mês passado, contemplou 131 funcionários.

A mineradora alega, no entanto, que o valor é “absurdo” e “exorbitante” e que é “astronômico” o total de R$150 milhões arbitrado na decisão. “O valor da condenação é exorbitante, sobretudo quando analisados os valores comumente fixados pelos tribunais em casos nos quais se requer indenização por danos morais decorrentes da morte de trabalhadores”, registra o recurso protocolado ontem (5). “Ainda que mantido o absurdo importe de R$ 1 milhão por vítima, o valor da condenação há de ser reduzido para, no mínimo, R$ 120 milhões”, acrescenta a peça de 96 páginas.

A tragédia ocorreu em 25 de janeiro de 2019, com o rompimento de uma barragem da Vale situada na Mina Córrego do Feijão, e causou devastação ambiental, destruição de comunidades e 270 mortos.

A maioria das vítimas eram trabalhadores da própria mineradora ou de empresas terceirizadas contratadas para prestação de serviço. Nesse processo, porém, estão contemplados apenas os contatados diretamente.

A ação foi movida pelo Sindicato Metabase Brumadinho. A sentença do mês passado é inédita em processos judiciais envolvendo a tragédia. Até então, a Justiça havia estipulado, em outros processos, valores para reparar danos morais causados a alguns familiares dos mortos.

Desta vez, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-MG) reconheceu que os próprios trabalhadores que foram a óbito também sofreram danos morais que precisam ser indenizados. Conforme a sentença, os valores devem ser destinados aos espólios das vítimas e a seus herdeiros.

“Como poderia o de cujus [pessoa morta], humanamente, externar o que se passou na mente, no coração, se se passou tudo ou se nada se passou? Se se recordou os filhos, das preocupações específicas, dos planos de vida, da família? Se, nos segundos, minutos, poucas horas, se no tempo transcorrido entre o primeiro golpe do dano que o levaria à morte até o último suspiro, provou das repercussões decorrentes da reação pela sobrevivência até a angustia da aceitação da morte certa? Por outro lado, o ofensor repousa comodamente no silêncio sepulcral (aqui, literalmente) que ele próprio provocou, deleitando-se da própria torpeza”, escreveu a juíza Viviane Célia Correa.

A peça lista 21 nomes que não estariam legitimamente abarcados pela representação do Sindicato Metabase Brumadinho (Imagem: Léo Rodrigues/Agência Brasil)

Além de considerar que não há razoabilidade e proporcionalidade nos valores, a defesa da mineradora sustentou que o “dano morte” não existe na legislação civil brasileira e que o dano moral não se transmite por herança. “Ninguém tem legitimidade para pleitear indenização em nome do ofendido que faleceu antes do ajuizamento da respectiva ação, nem mesmo os herdeiros”, registra o recurso.

A peça lista 21 nomes que não estariam legitimamente abarcados pela representação do Sindicato Metabase Brumadinho.

Registra ainda que a manutenção da sentença poderá gerar grave prejuízo, impactando no arbitramento de honorários advocatícios e promovendo enriquecimento sem causa do autor da ação. “Fosse possível falar em indenização por dano morte, jamais se poderia aceitar o valor exorbitante arbitrado pela sentença”, reitera a peça.

Ao fixar o valor, a magistrada fez registro dos lucros da Vale. No ano passado, os ganhos da mineradora foram superiores a R$ 24,9 bilhões.

Viviane também considerou a reincidência, lembrando do rompimento da barragem que causou a morte de 19 pessoas em 2015, na cidade de Mariana (MG).

A estrutura era de responsabilidade da Samarco, uma joint-venture da Vale e da BHP Billiton. A mineradora refutou a associação, afirmando que a Samarco detém personalidade jurídica própria e não pode ser confundida com seus acionistas.

A defesa da Vale sustentou ainda que os riscos de rompimento da barragem de Brumadinho não eram conhecidos. Além disso, recorreu ao Decreto 8.572/2015 para sustentar a impossibilidade de responsabilização da ré.

A mineradora, no entanto, já foi condenada pela tragédia na esfera cível em um processo em que não negou ter responsabilidade pelos danos causados.

Assim, o decreto incluiu no rol dos desastres naturais o “rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais” (Imagem: REUTERS/Cristiane)

Na sentença de julho de 2019, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou que todos os prejuízos fossem reparados, e a Vale inclusive relatou que estava realizando um amplo estudo para diagnosticar todos os impactos decorrentes do rompimento da barragem.

Além disso, na esfera penal, a empresa é ré em um processo criminal decorrente de denúncia em que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) aponta responsabilidade da mineradora.

O decreto citado no recurso não faz qualquer menção à impossibilidade de responsabilização de mineradoras em rompimentos de barragens.

Ele foi editado pelo governo federal oito dias após a tragédia de Mariana em benefício das vítimas, com o intuito de permitir o resgate de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Pela legislação, é possível realizar o saque de uma parcela em caso de “necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural”.

Assim, o decreto incluiu no rol dos desastres naturais o “rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais”.

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Posicionamentos

O advogado Maximiliano Garcez, que representa o Sindicato Metabase Brumadinho, disse que a indenização fixada pela sentença corresponde apenas a nove horas de lucro da Vale, considerando os ganhos de R$ 30,5 bilhões referentes ao primeiro trimestre deste ano anunciados pela mineradora. “O ato da empresa de recorrer de condenação em valor diminuto, especialmente se comparado com seus lucros, demonstra profunda insensibilidade”, acrescentou.

Por sua vez, a Vale disse, em nota, estar comprometida em indenizar as famílias das vítimas da tragédia de forma rápida e responsável. “As indenizações trabalhistas têm como base o acordo assinado entre a empresa e o Ministério Público do Trabalho (MPT), com a participação dos sindicatos, que determina que pais, cônjuges ou companheiros (as), filhos e irmãos recebam, individualmente, indenização por dano moral. Desde de 2019, foram firmados 681 acordos trabalhistas, envolvendo mais de 1,6 mil familiares de vítimas”, diz o texto.

O acordo assegura que dependentes de cada morto não devem receber menos que R$ 800 mil, ainda que o cálculo fique abaixo desse valor (Imagem: Antonio Cruz/ Agência Brasil)

O acordo mencionado foi firmado entre a mineradora e o MPT em julho de 2019. Ficou estabelecido que pais, cônjuges ou companheiros e filhos dessas vítimas receberiam, individualmente, R$ 500 mil por dano moral. Já os irmãos receberiam R$ 150 mil cada um.

Além disso, a título de dano material, a Vale deve pagar uma pensão mensal para os familiares que dependiam financeiramente da vítima.

O acordo assegura que dependentes de cada morto não devem receber menos que R$ 800 mil, ainda que o cálculo fique abaixo desse valor.

Também são previstos pagamentos de seguro adicional por acidente de trabalho, dano material, auxílio creche, auxílio educação e plano de saúde.

Os valores são inferiores ao que previa um estudo interno da própria Vale que foi apreendido pelo MPMG no curso das investigações sobre a tragédia.

O estudo calculava a indenização em quase R$ 10 milhões por morto. A adesão ao acordo, no entanto, é opcional. Nem todas as famílias aceitaram os valores e algumas delas optaram por mover processos.

Indenizações

O pagamento das indenizações da tragédia de Brumadinho  está atrelado a diferentes ações judiciais e tratativas extrajudiciais. Em fevereiro, um acordo global de reparação no valor de R$37 bilhões foi selado entre a Vale, o governo de Minas Gerais, o (MPMG, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública do estado.

Esse montante, no entanto, diz respeito apenas à indenização de danos coletivos. Foram previstos diversos projetos que incluem programas para transferência de renda e atendimento de demandas comunitárias, investimentos socioeconômicos, ações de recuperação socioambiental, medidas voltadas para garantir a segurança hídrica, melhorias dos serviços públicos e obras de mobilidade urbana, entre outras.

O maior valor é para os que estavam trabalhando no momento do rompimento da barragem (Imagem: REUTERS/Washington Alves)

Esse acordo não abrange as indenizações individuais e trabalhistas, que são discutidas separadamente. Além das negociações com o MPT para indenização dos familiares de funcionários que morreram, a Vale desenvolveu tratativas para pagamentos aos empregados sobreviventes.

A mineradora e seis sindicatos firmaram acordos que foram homologados em abril do ano passado pelo TRT-MG. Deverão ser pagos até R$ 250 mil por danos morais e materiais a cada um dos funcionários, sejam eles da Vale ou de empresas terceirizadas que atuavam na Mina Córrego do Feijão.

O maior valor é para os que estavam trabalhando no momento do rompimento da barragem.

Na esfera cível, há parentes de mortos que não trabalhavam na mina que têm optado por mover ações individuais. Em um dos processos, o TJMG fixou em setembro de 2019 o valor de R$ 11,8 milhões de indenização por danos morais a quatro parentes (pais e irmãos) de Luiz Taliberti, a irmã Camila Taliberti e a esposa dele, Fernanda Damian, grávida de cinco meses.

Eles estavam hospedados na Pousada Nova Estância, que foi soterrada pela lama de rejeitos.