Breve história do monopólio do petróleo no Brasil: vamos vender tudo para “os gringos”?
Atualmente, 95% do petróleo brasileiro refinado é produzido nas 12 refinarias da Petrobras (PETR3;PETR4), o que configura, na prática, um monopólio de fato e não de jure. Lembrando que a cadeia petroquímica é muito relevante sob a ótica da complexidade tecnológica. Com isso, abrir mão das refinarias contribuirá para o enfraquecimento da estatal em um movimento contrário ao das companhias atuantes no setor, que promovem investimentos no parque de refino mundial.
Além disso, as petroleiras nacionais estão se fortalecendo em todo o mundo, sobretudo através da expansão e integração da capacidade de refino com a petroquímica, vide países da Ásia (China, Índia, Indonésia, Malásia), da Rússia e do Oriente Médio. Mesmo nos Estados Unidos, onde 135 refinarias de empresas privadas fazem isso, há um mecanismo de regulação estatal sobre a aquisição desses ativos por empresas estrangeiras.
Vale mencionar que em 2005, a estatal chinesa CNOOC tentou comprar a norte-americana Unocal, que reúne, entre outras atividades, a de refino do petróleo, e foi vetada pela atuação do Committee on Foreign Investment in USA – CFIUS.
Dentre os argumentos destacados pelo Estado Americano para o veto à operação via CFIUS, está o de que a indústria do petróleo possui tecnologias sensíveis na exploração, produção e refino e que, ainda, as reservas de petróleo são ativos estratégicos.
Os EUA contam com um “arsenal de direito econômico para a defesa de sua capacidade produtiva interna, como estruturado em relação ao Committee on Foreign Investment in the United States – CFIUS e à noção de national security, que permitem avaliar a aquisição de poder de controle por capitais estrangeiros de empresas norte-americanas, remetendo a critérios como ‘segurança do território’, ‘infraestruturas críticas’, ‘ativos energéticos’, ‘materiais críticos’ ou ‘tecnologias críticas’”. (OCTAVIANI, Alessandro. NOHARA, Irene. Estatais: estatais no mundo; histórico no Brasil; regime jurídico; licitações; governança; espécies; setores estratégicos; funções do estado / São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2019, p.65-66).
Entre 1975 e 2015, os EUA simplesmente proibiram a exportação de petróleo bruto!
Por aqui tínhamos monopólio legal de exploração e refino exercido pela Petrobras até 1995, quando FHC alterou a Constituição, por meio da Emenda nº 9/1995, com o objetivo de retirar a exclusividade da estatal, sob o argumento de que ela deveria concorrer em igualdade com os outros players.
Segundo FHC, o aumento das reservas do país demandaria um esforço que não poderia mais ser exercido apenas por ela. Esses aspectos foram reforçados, ainda, pelo discurso de que o petróleo não deveria ser considerado um “bem estratégico”.
“A Petrobrás começou a ser ‘combatida’ desde o Governo de Fernando Collor de Mello, com políticas visando reduzir sua dimensão econômica e, em última análise, propondo o fim do monopólio estatal do petróleo e a própria privatização da empresa. Várias subsidiárias da Petrobrás foram privatizadas, como a Interbrás e a Petromisa, além da Fosfértil e outras subsidiárias do setor de fertilizantes, e da venda de participações da Petrobrás e da subsidiária Petroquisa em vários empreendimentos da indústria petroquímica”. (Gilberto BERCOVICI, Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais – São Paulo: Quatier Latin, 2011, p. 251-252).
Seguindo essa lógica de “flexibilização” trazida pela Emenda Constitucional nº 9/1995, cerca de dois anos depois, o Congresso Nacional aprovou em regime de urgência a Lei Federal nº 9.478/1997, conhecida como a “Lei do Petróleo”, que foi responsável por estabelecer regras que tornaram ainda mais efetiva a quebra do monopólio exercido pela Petrobras nas atividades centrais da indústria do petróleo (exploração e refino), na medida em que a inseriu na dinâmica de livre concorrência com as demais petroleiras do setor (Lei nº 9.478/1997, art. 61. “§ 1º As atividades econômicas referidas neste artigo [pesquisa, lavra, refino, etc.] serão desenvolvidas pela PETROBRÁS em caráter de livre competição com outras empresas, em função das condições de mercado).
No entanto, o monopólio do petróleo atribuído à União ainda continuou mantido pelo art. 177, da CF/88; a diferença central é que ela (União) pode, pós-Emenda e pós-Lei do Petróleo, contratar ou empresas privadas ou empresas públicas para exercer esse papel (Constituição Federal de 1988. Art. 177, (redação alterada pela Emenda Constitucional nº 9/1995) § 1º: “A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo [pesquisa, lavra, refino, etc.] observadas as condições estabelecidas em lei”).
Com isso, o que existe como regime jurídico-constitucional do petróleo após as sucessivas modificações do texto aprovado na Constituinte é “um caso típico de exercício do monopólio estatal com “quebra de reserva” por meio de concessões a particulares”. Nesse formato, a União possui a competência constitucional de deliberar sobre quem pode exercer as atividades econômicas no setor de petróleo, o que configuraria uma espécie de “monopólio de escolha do Poder Público”.
A EC nº 9/95 encerrou o monopólio estatal no exercício da atividade econômica relacionada a petróleo e gás natural, mantendo, porém, o monopólio da própria atividade, ou seja, a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos continuam constituindo monopólio da União, no sentido de que somente o Poder Público é que poderá decidir, com exclusividade, quem poderá exercer essa atividade econômica. É o que nos referimos como monopólio de escolha do Poder Público.
Os mecanismos de preservação das atividades da indústria do petróleo no Brasil, como se nota, sofreram intensa reconfiguração em um sentido contrário ao previsto inicialmente na Constituição Federal de 1988, que procurou estabelecer um regime por meio do qual as atividades de exploração e refino, entre outras, estivessem a cargo da Petrobras.
Tais mudanças abriram caminho para que a estatal sofresse mais com as pressões conjunturais de redução do seu papel no setor. Exemplo disso é a recente discussão ocorrida no Supremo Tribunal Federal sobre venda de suas subsidiárias, entre elas as de refino. Na ocasião, o Plenário da Corte decidiu que, para efetuar a venda das subsidiárias e suas eventuais controladas, o Estado não necessitaria de aval do Legislativo, e que essa operação, ainda, dispensaria a licitação pública (leilões), decisão essa que se insere no contexto de aprofundamento da ruptura iniciada nos anos 90.
Sobre nossa capacidade técnica de refinar óleo pesado: “Nas décadas de 70 e 80, o parque foi projetado para refinar os óleos mais disponíveis na época, óleos leves, mas (a empresa) pode processar a maior parte da nossa produção, misturando óleos leves com óleos pesados. Essa capacidade de mistura tem um limite que já foi atingido, depois das descobertas de óleos pesados em águas profundas provenientes da Bacia de Campos. A solução tem sido exportar o excedente de óleo pesado, proveniente da Bacia de Campos (Campo de Marlim) e importar óleos mais leves e mais adequados ao perfil de produção de nossas refinarias e também ao perfil da demanda nacional de derivados”.
Além disso, a empresa está investindo e reformando suas refinarias para aumentar a capacidade de refino de óleo pesado (matéria de 2004). Juntas, segundo a empresa, nossas refinarias conseguem refinar pouco mais do que 1,8 milhão de barris por dia.
A importação, então, se dá por uma questão “tecnológica, de falta de investimentos e diferentes tipo de petróleo produzidos no Brasil”. Isso porque, para conseguir refinar o petróleo brasileiro, as refinarias recorrem a mistura do petróleo brasileiro com petróleo mais leve, como o nigeriano ou árabe. “Por uma estratégia da Petrobras de sempre focar em exploração e produção de petróleo, houve pouco investimento na área de refinaria no Brasil. As refinarias são obsoletas, suas tecnologias não foram melhoradas. Não conseguem refinar todo o petróleo que a gente produz”.
Referências:
Gilberto BERCOVICI, Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais – São Paulo: Quatier Latin, 2011, p. 251-252.
Gilberto BERCOVICI. Direito Econômico Aplicado: Estudos e Pareceres – São Paulo: Editora Contracorrente, 2016, p. 202.
Michael PETRUISC. Oil and the National Security: CNOOC’s Failed Bid To Purchase Unocal. North Carolina Law Review. Vol. 84, Number 4, Article 9., p. 1378-1379)
OCTAVIANI, Alessandro. NOHARA, Irene. Estatais: estatais no mundo; histórico no Brasil; regime jurídico; licitações; governança; espécies; setores estratégicos; funções do estado / São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2019
Artigo escrito por Paulo Gala e Isabella Lofrano.