Brasileiros abandonam o país de Bolsonaro e “fuga” cresce 35% na última década
Como brasileiro que emigrou para os EUA, muitas vezes me perguntam se eu ainda tenho família no País. Desde que viemos para os EUA, em 1999, voltávamos todo verão e nos alternávamos entre a casa da vovó Mercedes e os apartamentos das minhas quatro tias no Rio de Janeiro.
Hoje em dia, quase não temos parentes para visitar.
Meu tio foi o primeiro a partir e hoje trabalha como cardiologista na Flórida. Nós seguimos seus passos alguns anos depois e fomos viver em Miami. Em seguida, outros integrantes da família — médicos, engenheiros e advogados formados no Brasil — foram se mudando para Israel. Em uma geração, mais de 30 membros de uma família deixaram o País.
A piada famosa é que o Brasil é o país do futuro — e sempre será. Por mais grosseiro que pareça, cada vez mais brasileiros compartilham esse sentimento e, apesar de seu amor pelo País, decidiram se mudar para o exterior.
O número de brasileiros vivendo no exterior aumentou 35% na última década. Nos EUA, foram 3,4 milhões de pedidos de visto para empregos de alta qualificação — em engenharia de software, finanças e outras áreas. Além dos EUA, é grande a procura por destinos como Portugal, Reino Unido e Japão, segundo um estudo publicado no ano passado pelo Ministério das Relações Exteriores.
Com a inflação e o desemprego em alta em meio à pandemia, brasileiros que não conseguiram visto rumaram para o norte mesmo sem documentação. Mais de 56.000 brasileiros foram encontrados na fronteira sul dos EUA no último ano fiscal, comparado a apenas 1.500 apreensões no ano fiscal de 2018, pouco antes de o presidente Jair Bolsonaro tomar posse. Uma pequena cidade em Minas Gerais, Alpercata, por exemplo, está se esvaziando rapidamente à medida que as famílias vendem seus pertences para bancar a viagem ilegal para os EUA.
A instabilidade política e econômica incentiva a migração não apenas no Brasil, mas em grande parte da América Latina. Períodos de alta dos preços das commodities impulsionam ondas de crescimento econômico e, por algum tempo, as economias parecem estar em recuperação. Mas mudanças políticas bruscas e choques externos — como a queda na demanda global por soja, carne bovina ou petróleo — atrapalham o crescimento e a debandada se acelera.
Resumidamente, o Brasil precisa deixar de ser o pasto do mundo (o que contribui para a destruição da Amazônia) e se tornar uma economia impulsionada por inovação.
Infelizmente, à medida que a polarização se agravou, também piorou o debate sobre o financiamento à educação e à ciência. Bolsonaro alertou que vacinas contra a Covid poderiam transformar as pessoas em jacarés, incentiva o ceticismo em relação ao ensino superior e promete consertar o sistema educacional “marxista” que ele vê no Brasil.
O economista João Leal, formado pela London School of Economics e autor de estudo sobre a “fuga de cérebros” do Brasil, argumenta que as políticas de Bolsonaro tiveram um efeito assustador nas perspectivas dos pesquisadores e, mais amplamente, da classe média-alta brasileira.
Antes da pandemia, Bolsonaro já lutava contra servidores públicos em cargos científicos que não compartilhavam sua ideologia política. Ele demitiu o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais por publicar dados de satélite que mostraram aumento acentuado do desmatamento. A guerra contra a ciência se intensificou após a pandemia, com dois ministros da Saúde destituídos por defenderem medidas como o distanciamento social.
No meio acadêmico, Leal diz que mais preocupante foi o corte de milhares de bolsas para pesquisas de mestrado e doutorado e a retirada de recursos das universidades, o que quase provocou a falência da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, favorito a vencer a eleição presidencial de outubro, prometeu restabelecer o financiamento para que, nas palavras dele, o filho de um operário possa se formar em medicina. No entanto, Lula não está prestando atenção suficiente a outros problemas do Brasil: controle excessivo do Estado sobre a economia e um setor privado moribundo.
Embora tenha animado os mercados ao dizer que gostaria de ter o centrista Geraldo Alckmin em sua chapa, o ex-presidente critica a atitude favorável de Bolsonaro em relação às empresas. Lula não revelou suas intenções sobre a tão necessária reforma tributária. Além de investimentos em educação, destravar o crescimento econômico exige reformas estruturais.
O Brasil não é o líder da região quando se trata de emigração. A saída de brasileiros foi compensada em parte por um quarto de milhão de venezuelanos que buscaram refúgio do outro lado da fronteira nos últimos anos. Mas a crise econômica no Brasil afetou severamente o mercado de trabalho para pessoas com curso superior. A parcela de profissionais qualificados que estão desempregados ou atuando em ocupações precárias é muito maior do que a média nacional, segundo Leal.
A partida de cidadãos mais qualificados significa que o Brasil continuará atrás do resto do mundo em se tratando de um dos principais fatores preditivos do crescimento econômico: produtividade. Sem melhora da produtividade, a economia brasileira — que está tecnicamente em recessão — terá potencial de crescimento limitado, segundo Adriana Dupita, economista da Bloomberg.
Em geral, meus primos se casaram com outros expatriados brasileiros e criam seus filhos na cultura brasileira mesmo vivendo no exterior. Eles ainda fazem churrasco com os amigos, falam português com os filhos, torcem pela Seleção e escutam MPB.
O sentimento de nostalgia deles pelo Rio de Janeiro me lembra o trecho de uma canção de João Gilberto: “Eu vim da Bahia, mas algum dia eu volto pra lá.”
O compositor morreu no Rio sem ter voltado a morar em seu empobrecido estado natal. E eu desconfio que a maioria da minha família não voltará a viver no Brasil.