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Brasileiro ainda vê benefícios sociais como direitos, diz Monica de Bolle

30 mar 2017, 23:44 - atualizado em 05 nov 2017, 14:06

A pesquisadora do Peterson Institute, Monica Baumgarten de Bolle, não se furta do debate sobre os assuntos que assombram a economia brasileira – não são poucos – e faz questão de estar na fronteira das discussões acerca do rumo da maltratada política econômica do país. Não é diferente com a polêmica reforma da Previdência.

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“A população percebe, ainda que equivocadamente, a mudança como uma retirada de direitos, quando na verdade se tratam de benefícios. E é muito claro que os sistemas previdenciários que temos no Brasil nitidamente não cabem no Orçamento”, explica a economista em uma entrevista concedida ao Money Times.

Monica comenta as recentes decisões econômicas do governo, como a retirada das desonerações criadas durante o governo Dilma Rousseff, além de expor a sua opinião acerca da política monetária e das oportunidades de abertura comercial que surgem no mundo com a nova posição protecionista dos Estados Unidos.

Confira:

O governo acertou em retirar as desonerações criadas no governo Dilma Rousseff para ajudar a atingir as metas fiscais?

Eu e outras pessoas já tínhamos a sensação de que medidas de curto prazo para conter o déficit seriam inevitáveis. O orçamento estava calcado no crescimento de 1,5% em 2017 e havia muita incerteza, na época, com a capacidade de crescer nesse ritmo com a recessão se aprofundamento. Sempre achei que a meta de um déficit de R$ 139 bilhões era ambiciosa diante do desafio de crescimento da receita. E isso tudo em um contexto que as reformas, como a do teto de gastos e da Previdência, trazem efeitos apenas no médio prazo.

Me pareceu inevitável que o governo tivesse que fazer o que fez. As medidas foram, de um modo geral, boas. Isso porque poderiam ter optado pela CPMF, CIDE, mais IOF e uma porção de coisas já feitas no passado e que, sendo provisórias, geram insegurança sobre a política fiscal. Ou seja, ao contrário de enveredar em um caminho do passado, reverteram as desonerações da era Dilma. Elas não surtiram efeito algum sobre o que era desejado à época e reduziram a capacidade de arrecadação do governo.

É óbvio que o Brasil precisa, em algum momento, pensar em algum tipo de reforma tributária. Essas desonerações, entretanto, nunca foram isso. Foi uma reforma bem atrapalhada para gerar efeitos diversos.

A questão do momento, que pode ser questionado, tem muito a ver com o ambiente político e há argumentos razoáveis para dizer que não daria para ter sido feito no ano passado. Não sei como isso será aceito no Congresso, mas de um modo geral o governo foi na direção correta e, quando você soma as medidas anunciadas, e tendo em vista o rombo de R$ 58 bilhões, eles têm uma margem de uns R$ 8 bilhões para caso a meta precise de mais espaço.

O governo tem jogado duro com a mudança Previdência para aprovar uma reforma possível?

O debate da Previdência é inevitável porque sem ela a PEC do Teto não tem sustentação e cai por terra. O governo não tem outra opção. Essa é a agenda. Mas precisamos lembrar que qualquer uma dessas reformas, como a da Previdência e a Trabalhista, que tocam em benefícios que a população recebe, têm o problema de serem vistos como direitos adquiridos.

A população percebe, ainda que equivocadamente, a mudança como uma retirada de direitos, quando na verdade se tratam de benefícios. E é muito claro que os sistemas previdenciários que temos no Brasil nitidamente não cabem no Orçamento. No mundo ideal, a reforma deveria unificar os sistemas, acabar com as regalias dos servidores públicos e trazer todo mundo para dentro – incluindo os militares.

Mas não estamos no mundo ideal e as pressões políticas são muito grandes. A equipe econômica formulou o melhor que podia dentro das restrições existentes e sabe que uma parte relevante do que está sendo proposto será diluído ou extinto pelo Congresso. Precisamos ver se o que vai sobrar será suficiente para garantir a melhoria do quadro fiscal no médio prazo.

A verdade sobre a reforma é que ela é sempre impopular em qualquer momento e governo sob qualquer circunstância. Claro que o ambiente atual leva para uma maior pressão, mas não há garantia de que se estivéssemos em um ambiente completamente distinto as pressões seriam diferentes.

O debate sobre a política monetária no Brasil se acalorou bastante recentemente, mas independentemente dessa discussão o Banco Central começou a cortar o juro em um ritmo crescente. Estamos no caminho correto?

Essa discussão é importante, mas o aspecto de médio prazo dela é mais relevante do que o de curto prazo. Esse debate que foi colocado pelo André Lara Resende, e que gerou muita controvérsia, era de médio prazo e não de curto prazo. Isso infelizmente foi deturpado no Brasil. Em termos de curto prazo, o BC tem espaço para reduzir o juro mais rapidamente e está dando sinais de que é por aí que eles vão seguir. Poderia ter sido mais cedo? Sim, mas talvez tenha sido uma decisão tática para dar um fôlego maior para a economia no momento em que ela estivesse começando a sair do buraco.

Não tem absolutamente nada no horizonte de curto prazo que justifique qualquer temor inflacionário. E, muito provavelmente, a inflação deste ano tem muita chance de ficar abaixo de 4%. Não há pressão de demanda ou de salário e não vamos ter isso tão cedo com o mercado de trabalho na situação que está.

Isso não significa, entretanto, que tenhamos conseguido finalmente superar o problema dos juros extremamente altos. Mesmo em um quadro com a Selic a 9% ou abaixo, com uma inflação de 3,9%, ainda é uma taxa de juros alta. Quando comparamos com o México, por exemplo, as taxas por lá são muito mais baixas e a inflação não está muito distante disso. Continuaremos a ter esse problema e precisamos pensar mais seriamente sobre as causas disso.

Uma parte da explicação é fiscal, mas há outras distorções, como no sistema de crédito e financeiro com os spreads elevados, o crédito dos bancos públicos e direcionados. A reforma financeira, que não vai acontecer porque não tem tempo, é uma agenda que o próximo governo deveria pegar para completar o quadro de mudanças estruturais que o Brasil está fazendo.

Chegar até esse ponto microeconômico parece difícil. Por quê?

Tem um componente macro e outro micro. O macro é assim: se você diminui ainda mais o papel do BNDES você fica sem crédito de longo prazo no país. Isso é grave porque não teríamos financiamento para os investimentos. Mas você também não consegue dar incentivos para que o mercado de crédito de longo prazo surja sem que você mexa no crédito direcionado do BNDES. É um nó górdio.

O que você acha que está passando ao largo da discussão no Brasil e que deveria ser debatido com mais afinco?

Temos que pensar em uma agenda positiva para o Brasil no comércio. Falta uma voz mais forte do governo, não que ela seja inexistente, mas que realmente fale dos benefícios de passarmos a ser uma potência do comércio internacional. Temos tudo para ser. E do jeito que as coisas estão se realinhando, com as discussões nos Estados Unidos sobre o Nafta e a oportunidade grande para o Brasil e o Mercosul sobre o México e a Aliança do Pacífico. Existe uma vontade por parte da segunda maior economia da América Latina de aumentar o leque de parceiros comerciais e se aproximar da América do Sul.

Entendo que ainda temos, dentro do país, alguns grupos do setor privado que se opõem ferrenhamente porque acham que não podem competir internacionalmente, mas precisamos abandonar essa cabeça dos anos 1950.

Participar da cadeia global do comércio pode ajudar a aumentar o PIB potencial do Brasil?

Sim. As pessoas sempre pensam que este assunto está restrito para o acesso aos mercados, mas também precisamos de mais importações. E é por aí que conseguimos gerar ganhos de produtividade e tecnológico que levam a um aumento do crescimento potencial. Os países asiáticos são o exemplo mais claro disso. E não só Singapura, Taiwan e Coréia do Sul, mas os novos como Vietnã e Cambódia. Eles fizeram esse movimento de abertura geral, como adequação às normas regulatórias e investimentos.