Brasil tem a ganhar com recessão branda nos EUA e perder com resiliência da economia americana; entenda
O debate sobre uma recessão nos Estados Unidos se transformou mais em uma questão de ‘quando’ do que ‘se’. Nos últimos 12 meses, a maior economia do mundo viu os juros reais saírem do terreno negativo para níveis não vistos desde o início dos anos 2000. No entanto, os efeitos cumulativos do aperto monetário só começaram a ser sentidos com força mais recentemente.
Entre os sintomas de uma recessão iminente nos EUA estão as ondas cada vez menos espaçadas de demissões nas empresas, maior número de empresas submetidas ao Chapter 11 (a lei americana de recuperação judicial) e piora sistêmica no ambiente de crédito pessoal e corporativo.
Todos esses aspectos ajudam a criar as condições de uma franca desaceleração econômica no país. Aliás, o crescimento mais fraco que o esperado de 1,1% do PIB no primeiro trimestre deste ano já reflete uma economia que desembocará, em breve, em uma recessão nos próximos trimestres, ainda que de grau moderado.
Porém, ao que pode surpreender, o cenário de uma recessão branda na principal economia do mundo é um tradeoff positivo para o Brasil e os demais mercados emergentes. Quem explica é Rachel Sá, economista-chefe da Rico Investimentos.
Recessão moderada é uma boa notícia? Para o Brasil, sim
Na avaliação da economista, uma recessão moderada nos Estados Unidos traria um abaixamento das expectativas de inflação no país. Por conseguinte, o processo de desinflação mais sistêmico traria um argumento sólido para o fim do aperto monetário pelo Federal Reserve.
“No caso, um cenário em que o Fed encerra o ciclo de alta de juros, o dólar tende a enfraquecer, o preço de commodities mantém-se relativamente estável em patamares ainda historicamente altos, e não há picos de aversão ao risco entre investidores”, explica a economista.
Com esse prospecto, pesos-pesados em volume de negociação da B3, como Vale (VALE3) e Petrobras (PETR4) saem ganhando. Juntas, podem ajudar o Ibovespa a deslanchar – isto se as travas locais forem atenuadas.
Porém, Rachel alerta que este é o único cenário que serviria ao mercado brasileiro. Isso porque caso os EUA incorram em uma recessão severa, o mercado de câmbio poderia ver uma desvalorização do real e fortalecimento do dólar, além de queda do preço das commodities e contaminação do ambiente de investimento brasileiro.
Além disso, uma resiliência da economia americana também não seria interessante. Isso porque o aquecimento econômico provavelmente se traduziria em juros ainda mais altos nos EUA, o que seguiria pressionando nossos juros por aqui. “De quebra, isso também fortaleceria o dólar (atraídos por juros altos) e elevaria a incerteza sobre a performance de ativos financeiros, como ações e sobre a própria economia no futuro”, arremata a economista da Rico.
Inflação pegajosa atesta nova alta de juros pelo Fed
Divulgada mais cedo, o Índice de Preços para Gastos com Consumo Pessoal (PCE, na sigla em inglês) anotou alta de 0,1% em março, após aumento de 0,3% no mês anterior. No acumulado de 12 meses, o índice cheio da inflação atinge 4,2%. Já o núcleo, que exclui alimentos e energia, avançou 0,3% no mês e acumula alta de 4,6%.
O dado do PCE de março confirma a tendência apontada por outro índice de inflação, o CPI. Na leitura do indicador referente ao mesmo mês, a inflação dura de 5,6% foi maior do que a leitura cheia de 5%.
Isso significa que a inflação americana está se provando muito mais pegajosa e difícil de lidar do que se imaginava anteriormente. Não por acaso, a projeção de fim de dezembro emitida pelo Federal Reserve de que o ciclo de juros terminaria aos 5,1% pode ter se tornando insuficiente para enfrentar esse problema.
Com encontro marcado para os dias 2 e 3 de maio, a autoridade monetária dos EUA deve confirmar uma nova atualização da taxa básica de juros, que deve chegar a banda de 5,00-5,25% após o aumento previsto de 0,25 ponto percentual.
Mais do que a magnitude da alta, os mercados devem olhar para o comunicado dos dirigentes em busca da resposta mais aguardada de 2023 em Wall Street: os dias de chumbo para os juros ficaram para trás?