Brasil pode virar um grande Rio de Janeiro já em 2019, diz Marcos Lisboa
Embora reconheça a virada de mão da economia em 2017, Marcos Lisboa reitera o alerta sobre o drama das contas públicas do Brasil: o espaço para empurrar o problema com a barriga está por um fio. Para o ex-secretário de política econômica do governo Lula (2003-2005) e atual presidente do Insper, a situação fiscal é grave e paira como uma espada sobre 2018.
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“Não dá para esperar a eleição. O risco de paralisia da máquina pública por falta de recursos em 2019 é muito elevado. Eu disse há alguns anos que o Brasil poderia virar um grande Rio de Janeiro, e ele pode. Essa chance é já em 2019”, afirmou ele em entrevista ao Money Times na quarta-feira (3). Ao lado de Samuel Pessôa, Lisboa está escrevendo um livro sobre o Brasil e as “nossas oportunidades perdidas”.
Leia, a seguir, os principais trechos da conversa:
Há muita expectativa por dois eventos neste início de ano: o julgamento de Lula no TRF-4 em 24 de janeiro e o possível início de votação da reforma da Previdência em fevereiro. Qual é a sua perspectiva para 2018?
Por um lado, por tudo o que aconteceu na política monetária e nesse último ano, temos, em princípio, um ano bom contratado para 2018. As estimativas para o crescimento do PIB rondam a faixa de 3%, há uma queda importante da inflação simultaneamente à queda na taxa de juros, o que gera uma perspectiva boa tanto para a retomada de uma parte do que foi perdido nos últimos anos quanto para uma diminuição do desemprego. Por outro lado, temos ainda as graves dificuldades fiscais que o Brasil atravessa. Ainda que o déficit deste ano pode ser bem menor do que o programado antes pelo governo [R$ 159 bilhões], é uma cifra importante e isso tende a continuar a aumentar nos próximos anos.
Enfrentar a Previdência é uma medida importante para evitar que o déficit continue a piorar, mas ela não ajuda a resolver o problema fiscal do país. Até 2019, nós precisamos aprovar reformas que reduzam esse déficit e que produzam um ajuste fiscal de pelo menos R$ 200 bilhões. O ideal seria R$ 300 bilhões para normalizar de vez. Mas para evitar bater, por exemplo, a ‘regra de ouro’ [norma que proíbe o governo de captar recursos emitindo dívida em volume acima de despesas de capital, como investimentos], precisaríamos de R$ 200 bilhões.
Para além disso há o grave problema que os Estados atravessam e que vai continuar a piorar nos próximos anos. Até hoje, infelizmente, a decisão tanto dos governos estaduais quanto do judiciário quando foi chamado a intervir foi de não enfrentar o problema e aceitar medidas paliativas para pagar despesas correntes sem enfrentar os problemas estruturais. O resultado foi o agravamento do problema dos Estados. O problema do Rio Grande do Norte é o exemplo mais recente, mas não será o último. Outros Estados devem passar por problemas equivalentes ao longo dos próximos anos. Vemos o BNDES e o governo federal renegociando dívidas, empurrando o problema.
A situação fiscal é grave e ela paira como uma espada sobre 2018. Se não conseguirmos enfrentar o problema fiscal, restam poucas opções: ou a volta da inflação; ou o calote, como está ocorrendo em vários Estados que não pagam suas despesas; ou aumentos atabalhoados na carga tributária, como temos vivenciado. Qualquer uma das opções gera uma insegurança imensa sobre o ambiente de negócios. Como empreender em um país com esse grau de incerteza?
Estamos vendo uma recuperação importante dado o tamanho da crise que tivemos. Estávamos em uma trajetória de queda livre. Foi uma importante inversão de mão o que aconteceu em 2017, para o bem do país. Mas o investimento não está vindo, o crédito está lento, há muita incerteza sobre a questão fiscal. Tudo isso dificulta imaginar uma retomada mais intensa da economia. Essa retomada só virá se o país enfrentar os problemas fiscais e avançar na agenda de reformas.
2018 é um grande ano de dúvida. Qual vai ser a opção que vamos tomar?
A melhora nas projeções econômicas piora a urgência pelas reformas estruturantes?
O debate no Brasil se tornou muito mais maduro e profundo nos últimos anos. O imenso fracasso das estratégias adotadas pelo governo anterior fez vários grupos repensarem. Foi um governo que seguiu o circo completo defendido por essa aliança peculiar no Brasil entre economistas de esquerda e setor produtivo nacional-desenvolvimentista. Fechar a economia, proteção ao comércio, crédito subsidiado, desoneração. Um governo que tentou baixar juros um pouco na marra seja via bancos oficiais, seja não subindo a Selic como deveria, tentou fazer uma intervenção no câmbio para garantir o câmbio mais valorizado. Foi um fracasso gigantesco. Deu inteiramente errado essa agenda.
Isso forçou o Brasil a rever suas crenças. Será que existem outros caminhos para estimular o setor produtivo, o crescimento, diferentemente do que foi adotado? Vamos enfrentar a questão da Previdência? É uma reforma que era para ter ocorrido há 20 anos. Foi sendo postergada mais por oportunismo, em parte por grupos que não querem esses privilégios revistos, como os servidores públicos.
A reforma hoje está sendo debatida de forma muito mais cuidadosa. Há controvérsias, sim, mas tecnicamente quem é contra a reforma? Qualquer contabilidade mostra déficit. Tirando aquele discurso altamente delirante de que não tem déficit, todo mundo defende a reforma da Previdência, da esquerda à direita. Todo mundo que faz conta. Então o debate mudou.
A resistência existe nos servidores públicos. Eles são contra a reforma. É compreensível, trata-se do grande grupo privilegiado do Brasil hoje. Estão entre os 5%, em vários casos, no 1% mais rico da população, tem estabilidade de emprego e uma renda incomparável em relação ao país. É renda alta para um país rico, ainda mais em um país de renda média e baixa como o Brasil. É compreensível a resistência, mas não é justificável. Pela grave crise que o país vive não se justifica tamanho oportunismo em rejeitar uma reforma que é para o bem do país.
Até porque os privilégios dos servidores públicos são insustentáveis, eles terão de ser extintos, o país não tem condições de arcar. Veja a crise nos Estados. A crise nos Estados é uma crise dos servidores: salários e aposentadorias. Não tem saída, não tem renegociação de dívida, não tem ajuda do governo federal. Vários Estados estão deixando de pagar salários e essa crise vai continuar.
A resistência da discussão sobre a reforma da Previdência e outros temas apenas agrava o problema e torna o ajuste a ser realizado ainda mais severo. Tivéssemos discutido a crise dos Estados há dez anos, quando ela já era visível, talvez não precisasse chegar nesta situação na qual servidores não recebem salários. Infelizmente, a resistência das corporações acaba sendo prejudicial aos seus próprios interesses porque os privilégios são insustentáveis.
A esta altura, o que pensa da hipótese de que mesmo um candidato populista precisaria tomar atitudes pró-mercado, no sentido de responsabilidade fiscal, caso eleito, para ter alguma governabilidade?
Acho que não há espaço para um debate populista. Vamos ver. Me parece que a sociedade hoje não aceita mais um discurso populista. Qualquer candidato será perguntado: ‘e a reforma da Previdência?’ O país já está traumatizado suficientemente por esse discurso falso. Veja as consequências de 2014. Olha o que resultou todo esse perigo de 2008, 2009 para cá. Tudo errado. Todas as propostas mágicas de crescimento, desenvolvimento, indústria naval, Inovar Auto, fechar economia e estimular o desenvolvimento, Ciência sem Fronteiras, tudo um fracasso retumbante. Será que vamos novamente aceitar um discurso populista como esse? Eu espero que não.
O mercado de juros já mostra um estresse daqui a dois anos, o que indica uma baixa esperança de solução para uma mudança de rumo fiscal. Caso o próximo governo não inicie uma agenda rápida de reformas…
Não dá para esperar a eleição. O risco de paralisia da máquina pública por falta de recursos em 2019 é muito elevado. Eu disse há alguns anos que o Brasil poderia virar um grande Rio de Janeiro, e ele pode. Essa chance é já em 2019.
Mergulharíamos então em uma nova crise?
É. Falta de dinheiro para pagar as contas, pagar o sistema de informática da Receita Federal, não vai ter dinheiro para funcionar aeroporto. Já está acabando o dinheiro para recapear estrada. O que surpreende em todo esse processo é como estamos assistindo essa deterioração do serviço público passivamente. Veja o caso de Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Rio Grande do Sul: dinheiro para ciência que acaba, estradas mal cuidadas, ruas mal cuidadas, hospitais reduzindo a capacidade de operação. Estamos assistindo uma degradação do serviço público. É surpreendente como estamos sendo complacentes com a demora com as reformas. Elas são mais que urgentes.
Em termos práticos, como endereçar esse ajuste fiscal?
Temos uma quantidade impressionante de políticas públicas sem avaliação. Precisamos rever desonerações, isenções tributárias, programas sociais que são imbricados ou duplicados. É um trabalho imenso. De novo: R$ 200 bilhões, R$ 300 bilhões, estamos falando de cinco CPMFs, não há aumento de carga tributária que dê conta disso. É uma agenda longa, difícil, escolhas terão de ser feitas. A boa noticia é: se essa agenda é enfrentada, há uma agenda de produtividade incrível a ser tocada nos anos à frente. O país tem um potencial de crescimento imenso. Tudo começa pelo ajuste fiscal.
Como acabar com o sobe e desce de juros de amplitude tão grande como a que vemos no Brasil?
Isso reflete a instabilidade da nossa política econômica. Você não faz a política irresponsável realizada a partir de 2010 e acha que não vai ter custo. Saiu de um superávit primário de 3% do PIB para um déficit primário de mais de 1%. Houve essa incrível quantidade de intervenções desastrosas na economia, no setor de óleo e gás, controlando preços, intervenção no mercado de juros, além do crédito subsidiado do BNDES equivocadamente dado a vários setores. Você não faz uma trapalhada dessas e acha que não vai ter custo ao país. O país está pagando o custo da incompetência.
O senhor participou de reuniões com o Luciano Huck, está engajado em alguma candidatura para a eleição de 2018?
Eu tenho uma política minha de conversar com todo mundo. Quem quiser conversar, eu converso. Se precisar de ajuda, eu ajudo. Mas não tenho nenhuma vinculação com nenhuma campanha ou candidatura. Procuro colaborar com o debate do país.
(Colaborou Gustavo Kahil)