Money Times Entrevista

Brasil pode ter ‘paradas súbitas’ na economia se não houver ajuste fiscal sustentável, diz Marcos Mendes, do Insper

22 jan 2025, 7:30 - atualizado em 21 jan 2025, 17:05
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(Imagem: Divulgação/Insper)

A falta de um ajuste fiscal consistente no Brasil coloca a economia em rota de risco que pode culminar em “paradas súbitas”, alertou o doutor em economia e pesquisador associado do Insper, Marcos Mendes, em entrevista ao Money Times.

A desancoragem da inflação e das expectativas futuras, amplificada pelo risco fiscal, exige juros elevados, o que tende a impactar negativamente empresas endividadas, reduzindo investimentos e aumentando o número de falências. Esse cenário pode levar a uma desaceleração significativa do crescimento econômico.

Segundo Mendes, o aumento das incertezas no Brasil e a trajetória insustentável da dívida pública, combinados do impacto de uma potencial crise externa, agravam as condições econômicas internas.

“Costumo dizer que o Brasil é como um barquinho de papel no mar da economia global. Quando o mar está calmo, parece que está tudo bem, mas, bateu uma ondinha, nosso barco tomba”, afirmou.

Os principais desafios fiscais do país, na análise do economista, decorrem de decisões do atual governo. Entre eles, ele destaca “a reindexação do salário mínimo e do mínimo de saúde e educação e a adoção de um auxílio-doença, com pouca prevenção à fraude”.

Para equilibrar as contas públicas, o pesquisador defende o foco nas despesas, uma vez que o Brasil já arrecada muito, comparado aos demais países da América Latina. “A agenda de reforma das despesas é bem conhecida pelos técnicos, mas, sem convicção e coordenação política, isso não vai andar”.

As projeções de Mendes para o fiscal em 2025 não são positivas. Segundo ele, o orçamento está superestimado no lado das receitas e também muito otimista nas despesas.

“A expectativa de receita para o orçamento de 2025 está claramente inflada. Estimaram que a receita líquida será equivalente a 19% do Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, historicamente, só alcançamos esse patamar em um único ano, no auge do boom das commodities“, disse.

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Veja os destaques da entrevista com Marcos Mendes

Money Times: Quais são os principais desafios em termos de arrecadação e controle de despesas no Brasil hoje?

Mendes: No controle de despesas, são os problemas clássicos de indexação. Metade da despesa primária — aposentadoria do RGPS, benefício de prestação continuada, seguro-desemprego, abono salarial — são indexadas ao salário mínimo. O governo, no início do mandato, criou uma regra de reajuste muito forte para o salário mínimo, que, mesmo após tentativa de revisão, continua crescendo em termos reais, acima da inflação, pressionando as contas.

Outro problema está em programas anacrônicos, como o abono salarial, que já perdeu sua razão de ser. O governo iniciou uma redução gradual no abono, mas ainda é pouco para ajustar as contas. Também temos o crescimento de beneficiários do benefício de prestação continuada, causado por mudanças na legislação e pela judicialização do acesso ao benefício, ampliando o conceito de deficiência.

Outro exemplo é o auxílio-doença, cujo volume cresceu em torno de 50% devido à flexibilização no processo de concessão. Há também a decisão de reindexar as despesas mínimas de saúde e educação ao crescimento da receita, aumentando em R$ 50 bilhões a despesa de saúde e acelerando seu crescimento.

Tem outros temas que são difíceis de enfrentar politicamente, como, por exemplo, a reforma da Previdência dos Militares.

No lado da receita, o Brasil já arrecada muito, comparado a outros países da América Latina. A agenda deveria ser redistribuir melhor a carga tributária, taxando mais empresas do lucro presumido e do Simples Nacional e reduzindo impostos sobre lucro real e tributos indiretos. A reforma tributária atual, apesar de necessária, mantém alíquotas altas devido à baixa tributação em setores específicos e benefícios tributários mal direcionados.

O ajuste fiscal sustentável deve focar nas despesas, atacando esses pontos críticos.

Money Times: Por que o mercado não vê o arcabouço fiscal como sustentável?

Mendes: Desde o lançamento, identificamos contradições no arcabouço. Ele limita o crescimento da despesa total, mas o governo aprovou medidas que aceleram o crescimento da despesa obrigatória, como o reajuste do salário mínimo e o aumento da despesa mínima em saúde e educação.

Ele também permite o crescimento real de despesas em até 2,5% ao ano, o que força o ajuste fiscal a depender da receita. O que o governo está tentando fazer é equilibrar as contas pelo lado da receita. Mas aumentar a receita eleva automaticamente despesas obrigatórias, criando um ciclo vicioso.

Além disso, as metas de resultado primário são insuficientes para estabilizar a dívida pública. Hoje, seria necessário um superávit primário de 2% do PIB, enquanto as metas atuais estão muito aquém disso.

Outro ponto crítico foi o aumento de R$ 170 bilhões nas despesas iniciais do governo, tornando ainda mais difícil equilibrar as contas.

Junto a todas essas peças, vemos um modelo fiscal que não garante que a dívida pública pare de crescer. A dívida pública segue em trajetória insustentável, elevando os juros e a instabilidade econômica.

Money Times: A Selic em níveis altos, como projeções acima de 15%, pressiona mais a dívida pública?

Mendes: Sim, pressiona. Mas a Selic não é uma decisão exógena do Banco Central; reflete o risco percebido pelos financiadores da dívida pública. O aumento dos juros de longo prazo é uma resposta ao risco de calote e aceleração da inflação.

O Banco Central precisa sinalizar para a sociedade que ele não vai ser leniente com a inflação para não acontecer essa corrosão da dívida pública. E para não ser leniente com a inflação, ele sobe a taxa de juros de curto prazo, o que acaba afetando a dinâmica da dívida pública, porque parte dela é endereçada aos juros de curto prazo.

A falta de política fiscal consistente aumenta a insegurança e força o Banco Central a atuar sozinho para conter a inflação e manter a economia estável, o que gera um ciclo vicioso de juros altos e deterioração econômica.

Money Times: Os problemas fiscais vão afetar o emprego e a inflação em 2025?

Mendes: Em 2025, ainda teremos um crescimento razoável, impulsionado pelo efeito estatístico do forte crescimento no segundo semestre de 2024 e por setores como agronegócio e petróleo. No entanto, os juros altos devem afetar empresas endividadas, reduzindo investimentos e aumentando falências, o que pode desacelerar o crescimento econômico.

O maior risco não é uma desaceleração pontual, mas uma parada súbita na economia ao final de 2025, ao longo de 2026 ou em 2027, caso haja uma crise externa combinada com as fragilidades internas.

Foi o que vimos entre 2014 e 2016, quando anos de desarranjos fiscais culminaram em forte recessão. Já estávamos tomando medidas contrárias à produtividade e ao equilíbrio fiscal desde 2006 e isso foi crescendo. No primeiro momento não aparecia, porque estávamos vivendo um momento positivo no mercado internacional, com o boom de commodities. Mas, de repente, teve uma parada, com uma reversão no cenário internacional.

Money Times: Como o cenário externo impacto o Brasil?

Mendes: O cenário externo é sempre muito importante para o Brasil, que depende de commodities. Oscilações nos preços internacionais nos afetam fortemente. Costumo dizer que o Brasil é como um barquinho de papel no mar da economia global. Quando o mar está calmo, parece que está tudo bem, mas, bateu uma ondinha, nosso barco tomba.

Os fundamentos desequilibrados — pressão inflacionária, taxa de juros muito alta, desequilíbrio fiscal e um governo dando sinais de que não está preocupado com o fiscal seja relevante — criam nos agentes econômicos uma expectativa negativa. E quando a coisa aperta no exterior, vemos uma fuga de capital muito forte do Brasil.

Se o Trump colocar as medidas que prometeu em prática nos EUA, como aumento de tarifas ou restrições à imigração, pode manter juros altos lá, agravando a situação aqui.

Money Times: A questão fiscal pode influenciar as eleições de 2026?

Mendes: Sim. Há dois cenários principais. O governo pode perder credibilidade e popularidade devido à má gestão econômica, o que favoreceria a oposição.

Ou pode seguir com medidas tópicas — com receitas extraordinárias, algum controle de despesa e um cenário internacional positivo — mantendo a economia estável o suficiente para a reeleição. Nesse cenário, em 2027, o governo vai viver um momento dramático, porque vai ter mais quatro anos pela frente com condições fiscais muito pouco sustentáveis.

O terceiro cenário, menos provável, seria o governo ajustar a política fiscal em 2025 e 2026, garantindo equilíbrio econômico, se reelegendo com bases mais sólidas e com uma tarefa de continuar o ajuste a partir de 2027.

Money Times: O que o governo precisaria fazer para ter sucesso no ajuste fiscal?

Mendes: Precisa de uma reforma do lado das despesas. Mas são medidas que não despertam apetite no governo. Isso já ficou claro, visto o tamanho minguado do pacote de ajuste que foi apresentado ao Congresso. Quando o governo não tem apetite, ele não sinaliza firmeza para o Congresso.

O Congresso olha para o governo e pergunta: somos nós que vamos pagar o custo de tornar as medidas mais fortes, quando o presidente da República e o ministro da Fazenda não querem assumir esse custo? Então, não tendo uma convicção do Executivo, o Legislativo não dá respaldo.

São necessárias medidas como, por exemplo, reformar os critérios de acesso ao BPC e fechar as brechas para judicialização. O salário mínimo precisaria voltar a ser corrigido apenas pela inflação — a mudança na regra foi muito mais fraca do que precisaria ser.

Reformar o seguro-doença, a previdência dos militares, o seguro-desemprego e o FGTS também é crucial. O Brasil tem três mecanismos de proteção aos empregados formais quando ficam desempregados: o empregado recebe o seguro-desemprego, ao mesmo tempo saca recursos do FGTS que ele depositou, e ainda recebe uma multa paga pelo empregador. Isso gera custo fiscal elevado e distorções no mercado de trabalho.

Toda essa agenda de reforma das despesas é bem conhecida pelos técnicos, mas, sem convicção e coordenação política, isso não vai andar.

Money Times: Existe uma resistência no governo de admitir a relevância de uma política fiscal?

Mendes: Sim. Todas as declarações das autoridades nos últimos dias são no sentido de minimizar a relevância e dizer que estão no caminho certo.

O secretário executivo da Fazenda disse que a inflação em 2024 não teve nada a ver com pressão fiscal. O ministro da Fazenda, por sua vez, prefere culpar outros — “foi o governo Bolsonaro que deixou a herança maldita”, ou “o Congresso que não aprova o que o governo propõe”.

Além disso, insistem em medidas claramente contrárias ao risco fiscal. Por exemplo, em dezembro, foram aprovadas duas medidas que vão na direção oposta: a criação de um fundo fora do orçamento para financiar recuperação de catástrofes e medidas de prevenção climática e a alteração na gestão da PPSA, a empresa de petróleo que fiscaliza o óleo devido à União nas concessões.

Essas medidas sinalizam que a intenção do governo é de driblar as próprias regras. As pessoas olham isso e veem que o governo não tem convicção nenhuma de fazer ajuste fiscal.

Money Times: O aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda mexeu com a credibilidade do governo. Você acredita que o governo vai conseguir elevar essa faixa sem impactar a arrecadação?

Mendes: A medida é inadequada. Aumentar para R$ 5 mil o limite de isenção do imposto de renda é algo completamente fora da realidade brasileira. Essa faixa é muito acima do nível de pobreza e incluiria uma parcela enorme da população fora do imposto de renda.

Além disso, o momento é equivocado. Enquanto o governo deveria anunciar medidas de controle de gastos, ele dá destaque a uma redução de arrecadação. Mesmo que diga que compensará, não há garantia de que será bem desenhada ou aprovada pelo Congresso.

O risco é aprovar a isenção e a compensação ser insuficiente, como ocorreu com a desoneração da folha de pagamento.

Money Times: O Ministério da Fazenda projeta um déficit de 0,1% para 2024. Você acredita que se concretizará?

Mendes: Ele conseguirá o déficit de 0,1%, mas esse número não reflete a realidade, porque há cerca de R$ 40 bilhões de despesas fora do cálculo da meta. Então, esse 0,1% já sobe para 0,5% do PIB. Despesas antecipadas de 2023 e receitas não recorrentes distorcem os números.

Outra parte desse resultado veio da decisão do Supremo de bloquear emendas parlamentares. Foram bloqueadas emendas parlamentares que representaram aproximadamente 0,2% do PIB. Então, se não fosse essa decisão do Supremo, o déficit já iria para 0,6% do PIB.

Além disso, em 2023, para melhorar o resultado de 2024, várias despesas foram antecipadas — como os precatórios, a capitalização do fundo que paga o Pé de Meia e as compensações devidas a estados e municípios. Isso representou 0,4% do PIB. Se incluir isso na conta, o déficit já vai para 1% do PIB.

Também houve receita que seria arrecadada em 2023 e que foi adiada para 2024 para melhorar as contas de 2024. Isso representa 0,1% do PIB — o déficit sobe para 1,1% do PIB.

Há também um conjunto de receitas chamadas de não recorrentes — que não são garantidas para o próximo ano. Isso somou 0,8% do PIB em receita e elevaria o déficit para 1,9% do PIB.

Fora isso, existem muitas despesas fora do orçamento. São despesas que não contam no resultado primário, chamadas de parafiscais, mas que acabam impactando a economia e, na prática, têm um efeito similar a uma despesa primária. Isso representa mais 0,3% do PIB.

Então, somando tudo isso, aquele déficit de 0,1% do PIB que o ministro mencionou vira, na prática, um déficit de 2,2% do PIB.

Portanto, a situação fiscal é muito mais grave do que esse número de 0,1% do PIB sugere. Levando em conta que precisamos de um superávit de 2% a 2,2% do PIB, nem mesmo esse déficit de 0,1% do PIB seria confortável. Mas, quando você analisa essa conta, percebe que estamos em uma situação recorrente de um déficit superior a 2% do PIB.

Money Times: O que esperar das contas públicas em 2025?

Mendes: O orçamento, que agora precisará ser revisto porque já está defasado e demorou a ser aprovado, mostra problemas. Se olharmos os números aprovados, veremos que quase R$ 170 bilhões em receita são muito pouco prováveis de se concretizar.

Por exemplo, há R$ 29 bilhões em receitas previstas de negociação do CARF. O governo esperava que rendam R$ 50 bilhões em 2024, mas não entrou nada. Além disso, há previsão de arrecadação com aumento de impostos, como CSLL e Imposto de Renda, estimada em R$ 20 bilhões. Mas é improvável que o Congresso aprove aumento de impostos no ano que vem.

A expectativa de receita para o orçamento de 2025 está claramente inflada. Estimaram que a receita líquida será equivalente a 19% do PIB. No entanto, historicamente, só alcançamos esse patamar em um único ano, no auge do boom das commodities. Depois disso, ficamos sempre em torno de 17%, 17,5%, ou 18%.

Mesmo que tenhamos um desempenho excepcional de 18,5% do PIB em 2025, com altas no petróleo ou no agronegócio, ainda será 0,5% do PIB abaixo do previsto no orçamento, o que equivale à cerca de R$ 60 bilhões de déficit.

O orçamento está superestimado no lado das receitas e também muito otimista nas despesas.

Money Times: Há projeção de superávit no radar?

Mendes: Só conseguiremos ter superávit tirando despesas das estatísticas ou empurrando gastos para outros anos. Isso não resolve nada, pois esses gastos continuam impactando a dívida pública.

Editora-assistente
Editora-assistente no Money Times e graduada em Jornalismo pela Unesp - Universidade Estadual Paulista. Entrou para a área de finanças e investimentos em 2021.
giovana.leal@moneytimes.com.br
Editora-assistente no Money Times e graduada em Jornalismo pela Unesp - Universidade Estadual Paulista. Entrou para a área de finanças e investimentos em 2021.