Brasil não pode responder taxa de 25% sobre aço e alumínio nos EUA ‘com o fígado’, diz economista do FGV/Ibre
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Diante da decisão de Donald Trump de impor uma tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio importados nos Estados Unidos (EUA), o Brasil precisa agir com cautela, ao invés de responder de forma impulsiva. A avaliação é da economista do FGV/Ibre, Silvia Matos, que alerta que o país tem menos poder de barganha do que os EUA e, portanto, deve focar em negociações ao invés de retaliações.
“Como somos um país que já taxa muito, é melhor o governo não responder com o fígado e tentar negociar da melhor maneira possível”, afirmou em entrevista ao Money Times.
Vale destacar que Luiz Inácio Lula da Silva disse que o Brasil poderia retaliar os EUA com tarifas de importação caso Trump impusesse taxas sobre produtos brasileiros. No entanto, segundo fontes da Reuters, o governo brasileiro ainda avalia possíveis medidas de resposta e a orientação do presidente é priorizar a negociação.
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A economista do FGV/Ibre destacou que a tarifa sobre o aço e o alumínio deve afetar diretamente o setor siderúrgico brasileiro, que exporta boa parte de sua produção para os norte-americanos.
Além disso, há preocupações sobre possíveis efeitos indiretos, como um eventual aumento na inflação norte-americana e, consequentemente, os juros do país. Esses impactos, no entanto, também podem ser prejudiciais para a própria economia americana – “no fim, o consumidor americano é quem arcará com os custos”, disse.
Segundo Matos, a política tarifária de Trump não é apenas comercial, mas também geopolítica, apesar de ponderar os possíveis impactos no Brasil. “Ele usa essas tarifas como instrumento de negociação, como vimos no passado com Canadá e México”, afirmou.
Veja os destaques da entrevista com a economista do FGV/Ibre
Money Times: Como a tarifa de 25% sobre aço e alumínio nos EUA deve afetar o Brasil?
Silvia Matos: Estamos em um contexto no qual a questão do aço é importante, principalmente do ponto de vista setorial. Apesar de não ser tão relevante no agregado da economia brasileira, cerca de 60% ou um pouco mais da produção doméstica de aço vai para exportação.
Além disso, o ano de 2025 deve ser um ano de desaceleração econômica, com uma indústria e um mercado automotivo mais fracos. Isso significa que a demanda doméstica por aço deve arrefecer, tornando o setor ainda mais dependente das exportações.
No entanto, encontrar outros mercados pode ser um desafio, especialmente considerando o ambiente de guerra comercial global. Essa guerra tem muitos desdobramentos e incertezas, o que pode gerar impactos inflacionários e complicar ainda mais o cenário.
Money Times: Podemos ver um efeito cascata na cadeia produtiva do Brasil caso as exportações diminuam?
Matos: O setor de aço depende fortemente das exportações para os Estados Unidos, e uma queda nessas exportações pode reduzir a produção interna. Isso, por sua vez, afeta empregos e investimentos no setor. Além disso, como o aço é um insumo para diversas indústrias, como a construção civil e a produção de automóveis, um aumento nos preços do aço pode gerar um efeito inflacionário nesses segmentos.
Money Times: Além do impacto direto no setor de aço, há outros efeitos indiretos?
Matos: A questão não se limita apenas ao aço. Essas tarifas podem desencadear uma nova rodada de pressão inflacionária nos Estados Unidos, o que, por sua vez, afeta as curvas de juros e, consequentemente, a economia brasileira de forma agregada. Se os Estados Unidos continuarem crescendo, mesmo com essas tarifas, os impactos podem ser sentidos de maneira mais ampla.
Além disso, essa política tarifária do Trump não é apenas comercial, mas também geopolítica. Ele usa essas tarifas como instrumento de negociação, como vimos no passado com Canadá e México. A questão é: que tipo de acordo ele pode buscar com o Brasil?
Money Times: A medida também impacta os EUA?
Matos: As empresas nos Estados Unidos podem até tentar aumentar a produção, mas acredito que isso não poderá ser feito de forma rápida e sem pressionar os preços do aço. Esse aumento de custos terá impactos diretos sobre bens duráveis, como os utilizados na construção civil e na produção de automóveis.
Além disso, essa tarifa de 25% sobre o aço deve gerar um efeito inflacionário significativo na economia americana. Não se trata de um percentual pequeno, como 10%; 25% é um patamar elevado e aplicado a todos os países.
Parece uma estratégia arriscada, pois, no fim, o consumidor americano é quem arcará com os custos. Sabemos que um dos fatores que impactaram a última eleição de Joe Biden foi a inflação, que causa grande insatisfação popular e afeta diretamente a avaliação do governo. Trata-se de uma escolha política com implicações diretas para a economia.
O Trump quer mexer em todo o comércio mundial pensando em ‘America first‘, mas há limites para essa política.
Money Times: Há mais tarifas no radar que podem afetar o Brasil?
Matos: O setor de biocombustíveis é um que pode ser afetado. O Brasil exporta etanol e metanol para os Estados Unidos, e há o risco de novas tarifas surgirem nesse segmento. Além disso, no passado, a guerra comercial entre China e Estados Unidos acabou beneficiando o Brasil, pois a China passou a comprar mais soja e milho daqui. Mas agora, Trump pode usar as tarifas para forçar a China a comprar mais desses produtos dos EUA, o que prejudicaria nossas exportações.
Também há a questão do petróleo. Embora o Brasil tenha um mercado mais diversificado para esse produto, há sempre a possibilidade de que novas tarifas afetem esse comércio.
Money Times: O Brasil tem espaço para taxar os Estados Unidos em retaliação?
Matos: Existe um espaço para tentar negociar, mas não para retaliar. Como somos um país que já taxa muito, é melhor o governo não responder com o fígado e tentar negociar da melhor maneira possível. Temos muito menos poder de barganha.
O Trump pode retaliar em outros produtos. A pressão do etanol, por exemplo, me preocupa bastante.
É importante esperar para ver como as coisas vão se desenrolar. Acredito que há um risco real de essa situação ser prejudicial também para os Estados Unidos, o que pode ser um fator positivo para nós. Se os impactos forem rápidos, isso pode gerar críticas internas e, eventualmente, levar a uma reversão das medidas.