Brasil não está em dominância fiscal, mas governo precisa ‘arrumar a casa’ urgentemente, dizem economistas
![dominância fiscal marcio holland](https://www.moneytimes.com.br/uploads/2025/02/dominancia-fiscal-marcio-holland.jpg)
O ministro Fernando Haddad está meio certo: o Brasil não se encontra em um cenário de dominância fiscal, apesar das preocupações crescentes com a situação das contas públicas, afirmaram os economistas Márcio Holland e Roberto Padovani, em entrevistas ao Money Times.
Ambos alertam, entretanto, para a necessidade de ajustes rápidos na condução da política fiscal para evitar que esse quadro se agrave.
O professor da Faculdade Getulio Vargas (FGV) e ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2011-2014), Márcio Holland, diz que, de fato, existe uma preocupação com um possível descontrole fiscal, mas o quadro não está claro para declarar dominância. “É possível irmos até as eleições de 2026 sem essa situação se estabelecer”, afirma.
Ele destaca o resultado primário do governo em 2024, que cumpriu a meta do arcabouço fiscal. O governo central fechou o ano com um déficit de R$ 11,032 bilhões, equivalente a 0,09% do Produto Interno Bruto (PIB), excluindo as despesas extraordinárias não contabilizadas na meta, como os valores direcionados a mitigar os efeitos das enchentes no Rio Grande do Sul.
“É uma melhoria relativa na situação primária, que não estabiliza a dívida, mas que consegue ir empurrando com a barriga a situação fiscal até 2026”, afirma.
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Em linha, o economista-chefe do BV e assessor do Ministério da Fazenda durante o Plano Real, Roberto Padovani, aponta que o comportamento da inflação também não evidência um cenário de dominância fiscal. “A inflação fechou 2024 em 4,8% e o mercado trabalha com algo próximo a isso em 2025 — não tem uma aceleração muito clara. E mais importante, quando olhamos as expectativas para os próximos anos, vemos uma trajetória de queda”, completa.
As projeções do último Relatório Focus, do Banco Central, mostram que a inflação deve cair para 4,28% em 2026, 3,9% em 2027 e 3,74% em 2028.
Padovani diz que tal cenário indica que, embora o controle da inflação demande esforços contínuos, a política monetária mantém algum grau de eficácia no processo de estabilização dos preços. “O Banco Central não perdeu seu instrumento de controle monetário. A política monetária ainda exerce efeitos sobre os preços, e a inflação, apesar de resiliente, não está em uma escalada descontrolada”.
Risco de dominância fiscal ainda perdura
Apesar disso, as condições para o país entrar em uma eventual dominância fiscal não estão descartadas. Holland afirma que, se o governo “relaxar um pouco mais e não levar a sério a entrega de resultados fiscais dentro do novo arcabouço fiscal”, o Brasil pode entrar em um quadro extremo de crise econômica.
O orçamento atual — baseado em projeções “muito irrealistas”, segundo o economista — pode levar a surpresas negativas, caso a realidade econômica se mostre menos favorável. Isso adicionaria mais risco fiscal ao cenário doméstico.
Além disso, ele destaca o risco de “populismo fiscal” em 2026, que aumenta consideravelmente em ano eleitoral. “É hora de arrumar a casa urgentemente”, diz.
Segundo Padovani, a alta da dívida pública é um dos fatores de maior preocupação. “Quando as pessoas percebem que o governo não vai fazer nenhum ajuste fiscal relevante e, portanto, a dívida pública vai sair de controle, o Brasil passa a receber menos capitais e o dólar fica forte aqui dentro”, explica.
Outro elemento de risco é o cenário internacional. Donald Trump pode adotar políticas inflacionistas nos Estados Unidos, levando o Federal Reserve a manter os juros elevados por mais tempo. Isso tende a aumentar a pressão sobre economias emergentes como o Brasil, elevando o dólar e os custos da dívida pública.
O economista-chefe do BV aponta ainda para um processo gradual de perda de eficácia da política monetária no Brasil, o que pode se agravar se não houver mudanças concretas no ajuste fiscal. “Estamos precisando de cada vez mais juros para resultados piores”.
A dominância fiscal, na prática
![dominância fiscal roberto padovani](https://www.moneytimes.com.br/uploads/2025/02/dominancia-fiscal-roberto-padovani.jpg)
A dominância fiscal ocorre quando a situação das contas públicas se deteriora a tal ponto que a política monetária perde efetividade no controle da inflação. Esse fenômeno gera uma espiral negativa, na qual os juros precisam subir cada vez mais para conter uma inflação que não desacelera, ao mesmo tempo, em que a dívida pública cresce de forma descontrolada.
Segundo os economistas, em um cenário de dominância, o Brasil observaria juros altos, inflação resiliente e um prêmio de risco cada vez maior, levando à fuga de investimentos. Isso provocaria uma forte desvalorização do real, gerando ainda mais pressão inflacionária.
Além disso, uma forte desvalorização da moeda nacional aumenta o risco-país e fuga de capitais. Com isso, os investidores optam por retirar recursos do país, pressionando o câmbio e elevando os custos das importações.
Esse movimento intensifica a inflação e obriga o Banco Central a adotar políticas mais restritivas, como o aumento da taxa de juros, o que pode gerar um ciclo vicioso de baixo crescimento econômico, desemprego elevado e deterioração das contas públicas.
Outro aspecto relevante dessa crise é a desancoragem das expectativas inflacionárias. Quando os agentes econômicos não acreditam mais que o governo será capaz de cumprir suas metas fiscais e controlar os gastos públicos, as expectativas para a inflação futura sobem, dificultando a convergência para o centro da meta.
“Nem a política fiscal, nem a política monetária teriam credibilidade, gerando uma crise de confiança generalizada”, diz Holland.
Falta seriedade do governo com a política fiscal?
A resistência do governo em admitir a relevância da política fiscal tem sido um ponto de debate entre economistas e analistas do mercado. Como destacou Holland, essa postura parece estar mais ligada a uma questão ideológica de alguns grupos dentro do governo e do partido que o apoia do que à equipe econômica propriamente dita.
O economista enfatiza que, no Ministério da Fazenda, há um reconhecimento claro da necessidade de responsabilidade fiscal, mas o discurso oficial do governo nem sempre reflete essa preocupação de maneira uniforme, gerando ruídos e incertezas no mercado.
Outro fator que alimenta essa resistência é o ciclo eleitoral. Como aponta Padovani, governos em momentos pré-eleitorais costumam evitar medidas impopulares, como cortes de gastos e reformas estruturais, o que pode levar a uma postura mais leniente em relação às contas públicas.
Essa estratégia, no entanto, tende a piorar a percepção dos investidores e do próprio setor produtivo, que passam a exigir prêmios de risco mais altos para financiar o país, contribuindo para a desvalorização do real e o aumento da inflação.
As medidas para evitar esse cenário
Para evitar que o Brasil caia na dominância fiscal, Holland e Padovani defendem medidas urgentes para restaurar a confiança no compromisso fiscal do governo.
Holland, por exemplo, defende a necessidade de um bloqueio imediato de pelo menos R$ 40 bilhões para evitar um crescimento insustentável das despesas.
O economista critica os reajustes salariais e as novas contratações no funcionalismo público, considerando tais medidas inoportunas no atual cenário fiscal. Ele também enfatiza a urgência de reavaliar os critérios de elegibilidade para benefícios sociais.
Já Padovani ressalta a importância de retomar debates sobre reformas estruturais, como uma nova reforma da Previdência, uma reforma administrativa e a privatização de estatais.
“Primeiramente, precisamos ter um choque de credibilidade, uma postura percebida como uniforme dentro do governo. Em segundo, uma regra fiscal coerente, em que realmente ela controla o ritmo da despesa obrigatória no país. E, em terceiro, é preciso sinalizar um ajuste mais duro de controle de despesa no curto prazo”, diz.