‘O Brasil está virando um país insignificante para o investidor estrangeiro’, afirma CIO da TAG Investimentos
Até a semana passada, os investidores estrangeiros retiraram mais de R$ 33 bilhões da B3. Os motivos que estão levando a uma debandada dos gringos do mercado brasileiro são muitos, indo desde o aumento do risco fiscal até a maior atratividade de ativos de renda fixa nos Estados Unidos.
No entanto, André Leite, Chief Investment Officer (CIO) da TAG Investimentos, destaca um outro fator: a falta de previsibilidade jurídica para as empresas.
Em entrevista exclusiva para o Money Times, Leite afirma que a insegurança jurídica pesa na confiança do investidor e no preço dos ativos locais.
“Quando se compara o S&P 500 com o Ibovespa, nota-se que o retorno de capital do S&P 500 é quase uma linha reta, absolutamente previsível. Já o retorno da bolsa brasileira parece um eletrocardiograma de alguém que está infartando, sobe e desce, sobe e desce, sobe e desce”, disse.
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Segundo um estudo da TAG Investimentos, o retorno médio do acionista — o ROE (return on equity) –, desde 1998, do SPX foi de 13,74%, enquanto o IBOV trouxe um retorno de 11,44%, sendo que a volatilidade dos retornos na bolsa americana é menor.
Essa diferença é puxada, principalmente, por menores despesas financeiras das empresas e cargas tributárias do lado dos EUA. Também pesa na bolsa brasileira a maior presença de empresas de commodities, que são cíclicas por natureza, e uma maior volatilidade macro e política.
Um exemplo de insegurança jurídica citado pelo CIO é a Medida Provisória 1227/24, que impõe restrições à compensação de créditos das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins.
“As empresas viram aquilo, elas ficaram absolutamente loucas, porque simplesmente o modelo de negócio ia acabar. O pessoal conseguiu barrar essa história, mas é para você ver o nível de imprevisibilidade. É uma economia que da noite para o dia muda tudo”, disse.
Confira a entrevista completa com André Leite, CIO da TAG Investimentos
Money Times: Qual é o cenário macroeconômico que a gente vê no Brasil hoje?
André Leite: O cenário macroeconômico do Brasil é um cenário no qual que você tem preços muito baixos. Os ativos, de modo geral, estão bastante atrativos, só que é aquela história: a gente está com um governo que não é comprometido com o fiscal.
Mas também não dá para dizer que a situação do fiscal que chegamos é culpa desse governo, né? A gente teve uma série de aumentos de gastos que começaram no governo Bolsonaro. A questão é que o governo Lula manteve esses gastos.
O que nós temos é um problema de estrutura de como cuidamos dos gastos no Brasil. Mais da metade desses gastos são reajustados pelo salário mínimo, que tem tido reajustes reais muito grandes nos últimos 20 anos. Foi quase 160% de reajuste real, ou seja, acima da inflação.
Esse é o tipo de coisa que você não consegue mais encaixar no orçamento. Tanto é, que hoje, só 4% do nosso orçamento é utilizado utilizar para despesas discricionárias, os famosos investimentos livres do governo. E no ritmo que a gente está, daqui a uns quatro ou talvez seis anos, a gente vai chegar no ponto de que 100% das despesas vão estar comprometidas com gastos obrigatórios. Daí, vamos ter um problemão, porque no dia que você tiver que emitir dívida para poder pagar a despesa corrente, você quebra a lei de ouro da responsabilidade fiscal. Além de você ter aquilo que a gente chama de shutdown do Estado. Simplesmente o Estado deixa de funcionar.
MT: Como é possível reverter esse cenário?
AL: Há algumas soluções. A primeira é a mais clara, a mais óbvia, mas a gente não vê disposição disso na sociedade brasileira, que fazer uma reestruturação total dos gastos do Estado.
A segunda hipótese para financiar esse aumento do crescimento de gastos é emitir mais dívidas, que foi o que o Brasil fez. O endividamento do país aumentou muito nesses últimos anos.
A questão é que o mercado está cobrando um valor “premium”, as taxas de juros longas estão aumentando e a moeda também está desvalorizando. E o mercado financeiro está dizendo que não quer mais emprestar dinheiro para o governo gastar, pelo menos não nesses preços. Ou seja, ele vai cobrar mais para fazer isso.
E a terceira solução é deixar a inflação subir. Quando você tem a inflação subindo, automaticamente você tem uma corrosão da dívida interna. Mas isso aqui é uma baita transferência de renda das populações mais pobres. Os mais ricos conseguem se defender porque eles têm investimentos, mas as populações mais pobres acabam transferindo a renda delas para poder acertar o problema do Estado.
MT: Esse anúncio recente de congelamento de R$ 15 bilhões muda a confiança do mercado?
AL: A ordem de grandeza do orçamento brasileiro é de trilhão de reais e a gente está falando se vai ser um corte de R$ 15 bilhões, R$ 20 bilhões… Do ponto de vista do problema, não faz diferença nenhuma. É a mesma coisa que ir para praia e discutir se você vai deixar mais dois ou três grãos na areia em relação ao que tinha antes ou não. É uma situação absolutamente boba.
O que o mercado enxerga com isso? A expectativa é de que aja um comprometimento de R$ 25 bilhões, R$ 35 bilhões, e não só esses R$ 15 bi ridículos que o governo anunciou. É muito menos um número e muito mais uma disposição do governo de mostrar seriedade.
O fato de ser R$ 15 bi ou R$ 30 bi não vai mudar muito a vida de ninguém no final do dia. Mas você está vendo que tem um governo comprometido com a questão fiscal. Até porque o nosso problema em relação ao fiscal é muito maior do que esses ajustes na boca do caixa que estão sendo feitos agora.
A gente tem um problema, por exemplo, que é o apagão demográfico que a gente está vivendo. As gerações mais novas decidiram não ter mais filhos, que é uma decisão até inteligente do ponto de vista pessoal, porque você vai ter menos gastos, só que do ponto de vista coletivo é um suicídio.
O que eu quero dizer com isso? Eu quero dizer que as despesas previdenciárias estão crescendo em taxas absolutamente altas. Hoje, você tem duas pessoas na ativa pagando um aposentado; em 2040, a previsão é que você vai ficar um para um. O INSS é uma pirâmide que vai explodir e isso está na base da estrutura de gastos do governo.
Além disso, o nosso governo gasta muito mal. Você olha, por exemplo, para o sistema educacional. Comparado com outros países emergentes, a gente gasta em educação a mesma coisa que os bons emergentes gastam. Só que o nosso resultado na prova do Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes] é um desastre. A gente está sempre ali em último lugar.
Então, é claro, o governo brasileiro poderia usar melhor o dinheiro que a gente dá na mão dele, só que tem um problema que não depende desse governo ou de qualquer outro governo. Mas tem um problema previdenciário, um problema demográfico, que já está começando a aparecer.
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MT: O cenário internacional também é um risco para o Brasil?
AL: Acho que não dá para a gente culpar o cenário internacional, porque a bolsa americana, até semana passada, estava no all time high, estava no record stock. O que está acontecendo em relação ao Brasil, de um modo geral, é que você tem uma questão de fluxo.
A taxa de juros americana está alta, o americano não tem incentivo para tirar o dinheiro de lá. E quando você pega o dinheiro do brasileiro, com esse nível de taxa de juros que a gente está, de 10,5%, realmente é um nível de taxa de juros que não tem porque você tomar risco.
E se você ainda olhar para a categoria de isento, que hoje em dia é uma classe de ativos com mais de um trilhão de reais, definitivamente vai se questionar se vale a pena colocar o dinheiro na renda variável. A bolsa brasileira está muito barata; se pega o valor histórico dela comparado com a bolsa americana, por exemplo, estamos no maior gap histórico em relação à S&P 500. Mas, enquanto não tiver fluxo vindo para o mercado de risco aqui no Brasil, seja do estrangeiro, seja do investidor local, a bolsa não vai andar.
Lá fora, a bolsa tem volatilidade, tem risco, mas tem uma remuneração maior. Aqui no Brasil não, é o contrário: a bolsa brasileira não é CDI mais, é CDI menos. E comparando a bolsa versus NTN-B [Nota do Tesouro Nacional Série B], a gente chegou em dois conceitos: o de volatilidade e o de previsibilidade.
A NTN-B tem volatilidade de preço ao longo da vida, mas é 100% previsível. Se você comprar um tesouro IPCA hoje, chova ou faça sol, vai receber o combinado no vencimento. Já a Bolsa não, ela tem a volatilidade e também não tem previsibilidade nenhuma, porque é um ativo que tem um duration infinito.
Na Bolsa, o ativo é perpétuo, em um país como o Brasil, que tem pouca previsibilidade. Um exemplo é a MP 1227, que o governo tentou passar. As empresas viram aquilo, elas ficaram absolutamente loucas, porque simplesmente o modelo de negócio ia acabar. O pessoal conseguiu barrar essa história, mas é para você ver o nível de imprevisibilidade. É uma economia que da noite para o dia muda tudo.
É a mesma coisa com a reforma tributária. As empresas sabem quanto elas vão pagar de imposto depois da reforma tributária? Não, ninguém sabe. Como é que você vai investir no Brasil, como é que você vai começar um negócio se você não tem a mínima noção de qual vai ser a sua carga tributária?
A segurança jurídica piorou muito por aqui. Hoje, o Brasil é aquele país que está saindo do mapa do investidor global. Primeiro que tem taxa de juros alta; o crescimento está ok, mas não é nada de mais –0 você tem esse mesmo crescimento nos Estados Unidos. E aqui ainda tem um judiciário que está canetado a toda hora.
O Brasil está virando um país insignificante para o investidor estrangeiro, porque a gente tem uma baita de uma falta de previsibilidade, uma baita de uma insegurança jurídica.
Quando se compara o S&P 500 com o Ibovespa, você nota que o retorno de capital do S&P 500 é quase uma linha reta, absolutamente previsível. Já o retorno da bolsa brasileira parece um eletrocardiograma de alguém que está infartando, sobe e desce, sobe e desce, sobe e desce.
MT: Bolsa instável, inflação e juros altos. Como fica o humor do mercado?
AL: Nossa economia está meio que em uma situação de mata-burro. É uma economia de crescimento ok, mas tendendo a piorar porque a demografia está piorando. Com a demografia piorando, vamos, naturalmente, ter menos crescimento e produtividade. Temos um problema fiscal que não resolvemos de maneira definitiva, só colocamos um band-aid em meio a uma hemorragia.
E como está o espírito dos agentes do mercado financeiro hoje? Está todo mundo sabendo que tem que fazer uma travessia até 2026. Não temos grandes esperanças com este governo, embora ele tenha boas intenções. O que ele quer fazer, que é distribuir renda, promover mais crescimento e tirar as pessoas da pobreza, todo mundo quer.
Só que a receita que eles querem usar para fazer isso gera inflação, é uma receita que não melhora a vida de ninguém. A maneira correta de fazer isso envolve investimento em educação, investimento em produtividade e um orçamento responsável.
E isso é um trabalho cujo fruto possivelmente eles não vão colher. Esse tipo de coisa você começa a plantar, e o resultado aparece daqui a oito, dez anos. Infelizmente, o Brasil, com esses políticos populistas que temos, seja Bolsonaro ou Lula, não se preocupa em fazer coisas estruturais que darão resultado no longo prazo.
MT: O que a gente pode esperar para o Brasil até o final de ano?
AL: A gente está com a cabeça de PIB rodando perto de 2,5%. Até porque, quando você tem déficit fiscal, aparece como superávit. Então, isso está gerando algum crescimento. Estamos trabalhando com a inflação um pouco mais alta, perto de 4,2%.
Em termos de mercado financeiro, vai depender muito do cenário externo; estamos em um cenário em que as eleições americanas foram antecipadas. O Trump já era favorito e, após o atentado, a distância dele para o Biden aumentou [vale ressaltar que a entrevista foi feita na sexta-feira 19, antes da desistência de Joe Biden]. O mercado externo já está considerando o Trump como cenário base, então todo mundo está olhando para como será a economia. Talvez seja um mundo mais desafiador, com os Estados Unidos mais protecionistas, tarifas em todos os lados, mais inflação e uma curva de taxa de juros mais empinada.
Falando do Brasil, teremos um presidente dos EUA que talvez não seja simpático à amizade que o Brasil tem com a China e a Rússia. Possivelmente, o governo Trump será um ambiente mais hostil para o mercado brasileiro.
Ao mesmo tempo, temos um vetor positivo: a economia americana está desacelerando, a inflação está sendo reduzida, e há confiança de que o Federal Reserve começará a cortar a taxa de juros em setembro. Podemos ter um mix de fatores: de um lado, o mercado precificando o Trump e, do outro, um banco central com vontade de cortar juros.
E o que sobra pra gente? O vetor resultante dessa equação externa é se vai sobrar fluxo de investimento para cá ou não. Pelo que vimos desse contingenciamento de R$ 15 bilhões, abaixo do que o mercado esperava, não temos grandes expectativas para este governo. Então, possivelmente, teremos um semestre com preços ainda caminhando nesses níveis estressados.
A bolsa está barata e deve continuar barata; as NTN-Bs estão com um prêmio maravilhoso e devem continuar assim. Vamos levando até que haja uma definição melhor do cenário externo para ver se sobra fluxo para cá ou não. Uma grande melhora estrutural no Brasil não está prevista.
Sabe o barquinho que vai sendo levado à deriva? É a gente.