Internacional

Brasil e EUA mais próximos de dividir Centro Espacial de Alcântara; Veja o que foi aprovado na Câmara

23 out 2019, 0:39 - atualizado em 23 out 2019, 0:41
Câmara
O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) prevê o lançamento de foguetes, espaçonaves e satélites (Imagem: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (22), o acordo entre Brasil e Estados Unidos sobre lançamentos a partir do centro espacial de Alcântara, no Maranhão. Foram 329 votos a favor e 86 contra. O texto tramitou na forma do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 523/19, que será votado ainda pelo Senado.

O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) prevê o lançamento de foguetes, espaçonaves e satélites que usam tecnologia norte-americana a partir da base mediante remuneração. O texto foi assinado em março.

O governo Bolsonaro argumenta que o acordo vai viabilizar comercialmente o centro de Alcântara. O interesse dos EUA na base decorre da sua localização, na linha do equador, que reduz o consumo de combustível de foguete, tornando os lançamentos mais baratos.

Segundo o relator das emendas de Plenário, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), “há uma expectativa de que o Brasil seja inserido no mercado de lançamentos de satélites, com previsão de ocupação de 1% dos lançamentos até 2030”. Para ele, o Brasil não pode “ter uma base de lançamento de foguetes que só tenha permissão para negociar com 20% desse mercado, que é o que aconteceria se o acordo não fosse aprovado”.

Base de Alcântara
O Brasil poderá aplicar os recursos recebidos dos americanos, ou de outras nações que usarem o centro de Alcântara, no desenvolvimento do programa espacial (Imagem: FAB)

Para o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), entretanto, o acordo assinado com o Brasil não tem as mesmas cláusulas de acordos com outros países, como veto dos Estados Unidos a lançamentos feitos pelo Brasil e proibição de uso dos recursos para o desenvolvimento de veículos lançadores de satélites.

“Nesse tratado, há obrigações apenas do Brasil e apenas boa vontade dos Estados Unidos. O texto proíbe o País de fazer acordos de lançamentos com nações que não sejam signatárias do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis [MTCR, na sigla em inglês], como a China, que será a maior potência do mundo”, disse Chinaglia.

O MTCR é um acordo internacional que limita a proliferação de armas de destruição em massa. O Brasil ingressou nesse regime em 1995.

Satélites

O Brasil poderá aplicar os recursos recebidos dos americanos, ou de outras nações que usarem o centro de Alcântara, no desenvolvimento do programa espacial, mas não poderá usá-los em compra, pesquisa ou produção de foguetes de longo alcance proibidos pelo MTCR ou drones.

Segundo exposição do próprio Departamento de Estado dos Estados Unidos, não há diferença entre um foguete capaz de levar uma ogiva nuclear e um foguete capaz de lançar um satélite. Essa é a categoria proibida pelo projeto (categoria 1).

Base de Alcântara
Caberá ao Brasil garantir que as tecnologias usadas em Alcântara e suas patentes estarão protegidas contra uso ou cópia não autorizados (Imagem: FAB)

O acordo não permite também que técnicos norte-americanos prestem qualquer assistência a brasileiros sobre projetos espaciais, salvo se houver autorização expressa.

Para o deputado André Figueiredo (PDT-CE), autor de uma emenda rejeitada pelo Plenário, os Estados Unidos não entrarão em acordo com o Brasil para permitir lançamentos chineses na área.

“Quem não se lembra do WikiLeaks, que revelou que os Estados Unidos não estavam interessados no desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro?”, questionou, lembrando que os veículos lançadores do programa espacial brasileiro competiriam com os norte-americanos no lançamento de pequenos satélites de baixa órbita que o Brasil desenvolve.

Patentes

Caberá ao Brasil garantir que as tecnologias usadas em Alcântara e suas patentes estarão protegidas contra uso ou cópia não autorizados. O ato protege equipamentos de outros países que sejam lançados da base brasileira com aval dos dois governos e proíbe a divulgação de informações sobre os foguetes, espaçonaves e outros equipamentos, a não ser que expressamente autorizado pelos EUA.

Câmara
Deputados do Maranhão comemoraram a aprovação do acordo em Plenário (Imagem: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

A exigência dos americanos decorre do fato de eles deterem algumas das principais patentes de foguetes e espaçonaves do mundo e controlarem o uso civil e militar delas por outras nações.

Os procedimentos de salvaguardas tecnológicas deverão ser aplicados em todas as fases das chamadas atividades de lançamento, que envolvem desde as discussões iniciais até o lançamento e o retorno de equipamentos. As garantias serão aplicadas mesmo se o lançamento for cancelado.

Segundo o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), relator do texto na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o acordo preserva a preocupação com o segredo industrial. “Isso é normal, é uma praxe internacional. Inclusive, o mesmo acordo que foi assinado entre Estados Unidos e Brasil foi assinado, recentemente, pela Nova Zelândia; já foi assinado, há mais de 15 anos, pela China – aqui há muitos deputados e deputadas que são mesmo defensores da China e da Rússia”, disse.

Movimentação

O acordo não prevê cessão de território aos Estados Unidos. O centro espacial de Alcântara continuará sendo controlado pelo governo brasileiro, mas durante as atividades de lançamento haverá condições especiais de movimentação pela base.

O acordo especifica que haverá áreas restritas e controladas. Nas primeiras, o acesso será monitorado pelos EUA. Nas áreas controladas, a presença será definida conjuntamente pelos dois governos e monitorada pelo Brasil. Além disso, os americanos monitorarão o centro com câmeras de vídeo durante as atividades de lançamento. Mas o acordo permite que o governo brasileiro, caso entenda necessário, restrinja o acesso de pessoas credenciadas pelo parceiro.

André Figueiredo
Para o deputado André Figueiredo (PDT-CE), autor de uma emenda rejeitada pelo Plenário, os Estados Unidos não entrarão em acordo com o Brasil para permitir lançamentos chineses na área (Imagem: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Pelo texto, somente pessoas autorizadas pelos estadunidenses terão acesso aos equipamentos espaciais durante as fases de transporte, construção, instalação, montagem, desmontagem, testes, preparativos, lançamento e retorno.

Caso haja falha de lançamento, o Brasil permitirá que os americanos auxiliem na busca e recuperação de componentes ou destroços. O governo brasileiro deverá assegurar uma “área de recuperação de destroços” para o armazenamento de peças recuperadas.

Terrorismo

Será proibido ao Brasil permitir o uso do centro de Alcântara por país que os americanos suspeitem de ligações com terroristas ou que não seja signatário do MTCR, como a China. Se houver discordância sobre a classificação, as partes tentarão chegar a um consenso.

Devido à falta de estrutura em Alcântara, os satélites fabricados em conjunto por Brasil e China foram lançados de outras bases. A previsão de lançamento do próximo satélite (CBERS 4-A) é 17 de dezembro de 2019, na Base de Lançamento de Satélites de Taiyuan (TSLC), a cerca de 500 km de Pequim.

Quilombolas

Em relação aos quilombolas, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) criticou o que considerou a desconsideração da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Todos os projetos que tragam medidas legislativas que venham a afetar povos indígenas e quilombolas devem ser precedidos por uma consulta prévia, livre e informada”, afirmou.

Em relação aos quilombolas, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) criticou o que considerou a desconsideração da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Imagem: Agência Espacial Brasileira)

Para o deputado Eduardo Braide (PMN-MA), “são exatamente esses recursos que entrarão para o Centro Espacial de Alcântara que vão permitir diminuir o passivo que há em relação às comunidades quilombolas e tudo aquilo que está em funcionamento no centro”.

Dos deputados do Maranhão, apenas Bira do Pindaré (PSB-MA) se manifestou contrário à proposta. Ele também reclamou da falta de consulta prévia às comunidades quilombolas e citou reportagem da Folha de S.Paulo que denunciou um suposto plano do governo federal para remoção de famílias que vivem no entorno da base.

O deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA) afirmou que não está prevista nenhuma remoção. “Não está dito em lugar algum que as comunidades serão remanejadas. Temos um apreço pela soberania e pelos quilombolas, por isso votamos a favor do projeto para que haja desenvolvimento regional no Maranhão”, declarou.

Já a deputada Luiza Erundina (Psol-SP) leu carta da Corte Interamericana de Direitos Humanos, dirigida ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que pede a observância “dos parâmetros relacionados aos direitos dos povos tribais afrodescendentes no Sistema Interamericano de Direitos Humanos pelo Estado brasileiro durante o processo legislativo em andamento”.

“Não haverá transferência de tecnologia. O Brasil abdica de seu programa espacial. Não se paga aluguel pela base, só se paga por lançamento”, disse Alessandro Molon (Imagem: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Soberania

O líder da Oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), enumerou aspectos do acordo que prejudicariam os interesses nacionais. Entre eles estão o controle dos Estados Unidos sobre o acesso a áreas restritas; a liberdade de não fornecer informações sobre materiais radioativos ou prejudiciais à saúde; e a submissão de exportações e importações da base de Alcântara a leis tarifárias norte-americanas.

“Não haverá transferência de tecnologia. O Brasil abdica de seu programa espacial. Não se paga aluguel pela base, só se paga por lançamento”, criticou.

Dados do Ministério da Ciência e Tecnologia, citados pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), indicam que o Brasil poderia ter ganho 3,9 bilhões de dólares caso o tratado estivesse em vigor nos últimos 20 anos – montante equivalente a quase R$ 15 bilhões. “Além dos recursos com os lançamentos, o Maranhão pode desenvolver seu potencial com o turismo”, apontou.

Van Hattem ainda reclamou do debate ideológico em torno do acordo. “Se lessem o acordo de verdade, veriam que a população e a soberania brasileiras estão respeitadas.”

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