Brasil e China agem para socorrer Argentina, mas ‘é tudo sobre falta de dólares’; entenda
Brasil e China entraram em ação para socorrer a Argentina. Os dois principais parceiros comerciais do país vizinho – além dos Estados Unidos – tentam ajudar o país latino através de linhas de financiamento no comércio exterior.
De um lado, o governo brasileiro estuda a criação de um crédito de exportações para facilitar a venda de bens e serviços nacionais às empresas argentinas. De outro, o governo argentino anunciou que irá liquidar as importações para a China, na faixa de US$ 1 bilhão ao mês, em moeda chinesa – o chamado yuan (renminbi).
A ajuda parece ter interesses políticos, além de econômicos, principalmente no caso do Brasil. Afinal, a iniciativa pode dar fôlego à Argentina em pleno ano eleitoral. Embora não vá disputar a reeleição, o atual mandatário, Alberto Fernández, é aliado do presidente Lula.
Aliás, os dois reúnem-se na tarde (17h) desta terça-feira (2) no Palácio da Alvorada. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) e seu homólogo argentino, Sergio Massa, também irão se encontrar. Ele, inclusive, é o potencial candidato da situação na eleição presidencial em outubro deste ano.
Não é a política (!)
Porém, o mesmo não pode ser dito em relação a Pequim. Isso porque o governo chinês tem como princípio nas relações internacionais a postura de não interferência externa em questões internas. Com isso, a política não é o principal mote dessa ajuda financeira.
“É tudo uma questão de escassez de dólar”, resume a economista-chefe da Ásia-Pacífico do Natixis, Alicia Garcia Herrero. Segundo ela, desde que o Federal Reserve iniciou o aperto da taxa de juros há um ano, a liquidez do dólar nos mercados vem diminuindo.
“Uma carência considerável de dólares é sentida em muitas economias em desenvolvimento, com algumas experimentando esgotamento rápido de reservas cambiais, incluindo a Argentina”, explica a economista do banco francês.
Argentina e o dólar blue
Até por isso, a ajuda sino-brasileira é paliativa. Afinal, a economia argentina está em crise. Após o pacote de resgate de US$ 45 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI), a intensa desvalorização do peso acelerou a inflação no país.
Isso mesmo com a Argentina tendo a maior taxa de juros do mundo, em termos nominais. Afinal, com a moeda local perdendo valor, cresce a busca da população argentina ao chamado dólar blue – como é conhecida a moeda dos EUA no mercado clandestino, já que as pessoas quase não têm acesso legal ao dólar.
Além disso, a Argentina enfrentou uma seca sem precedentes, a maior dos últimos 60 anos. A piora das condições climáticas no país atingiu os agricultores, impactando a produção de grãos, bem como as exportações e, consequentemente, a entrada de dólares,
“Dada a forte inflação doméstica e a rápida deterioração da balança comercial, ficou difícil abrir mão das reservas cambiais sem um superávit decente”, explica Alicia. Segundo ela, o estoque em moeda estrangeira ficou abaixo da linha de cobertura de importações.
Assim, pagar as compras externas argentinas com a moeda da China parece uma opção econômica e sustentável. “Liquidar as importações chinesas com o yuan reduzirá em grande parte o risco cambial bidirecional e agilizará o processo comercial da Argentina”, avalia a economista do Natixis.
Brasil e China unidos pelos ‘hermanos’
Com isso, a Argentina pode economizar o tão necessário dólar ou mesmo trocar a moeda chinesa pela dos EUA. Isso vale, inclusive, para exportadores que não aceitam o yuan neste momento.
É o caso dos exportadores brasileiros, ao menos por ora. Porém, o principal entrave para um acordo entre os vizinhos da América do Sul é a garantia que os importadores argentinos dariam às operações de compra feitas junto aos exportadores brasileiros.
Em entrevista à Globo News, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, disse que há um estudo para que as trocas comerciais entre os dois países funcionem dentro das restrições que existem atualmente no balanço de pagamentos na Argentina. Afinal, além da questão de conversibilidade, títulos argentinos, por exemplo, não são considerados ativos seguros.
Já que o peso argentino vem perdendo valor, outra saída seria o uso do chamado banco dos Brics. Ainda mais com a presidente Dilma Rousseff desde o fim de março à frente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês).
Nesse caso, Brasil e China poderiam se unir, de fato, para incluir a Argentina entre os países-membros, ainda que los hermanos não façam parte dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O mesmo já foi feito com Uruguai, Emirados Árabes Unidos e Bangladesh, mostrando que o NDB também financia países que estão fora dos Brics.