Bolsonaro prejudica atuação da diplomacia brasileira na Ucrânia, dizem especialistas
Desde que o presidente Vladimir Putin deu início à invasão do país vizinho na madrugada do dia 25 de fevereiro, milhares de civis já foram mortos.
O movimento tem sido, desde então, fortemente criticado pela comunidade internacional. Na última quarta-feira (2), em uma votação histórica, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução repreendendo a invasão e cobrando que Moscou retirasse imediatamente todas as suas forças da Ucrânia.
Dos 193 países membros, 145 demonstraram apoio. Apenas Coreia do Norte, Eritreia, Belarus e Síria votaram contra a condenação da Rússia.
O presidente ucraniano Volodymy Zelensky comemorou, agradecendo a todos os países, que estariam escolhendo “o lado certo da história”.
1/2 I praise the approval by the #UN GA with an unprecedented majority of votes of the resolution with a strong demand to Russia to immediately stop the treacherous attack on ??. I’m grateful to everyone & every state that voted in favor. You have chosen the right side of history pic.twitter.com/1sb0qjxXKs
— Володимир Зеленський (@ZelenskyyUa) March 2, 2022
O Brasil votou a favor, mas especialistas avaliam que a atuação diplomática brasileira na evolução do conflito envolvendo Rússia e Ucrânia foi profundamente prejudicada pelo presidente da república, Jair Bolsonaro (PL).
Para Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI-USP), a política externa brasileira acabou apresentando inconsistências devido ao comportamento do presidente, ainda que tenha “feito o possível”.
“Não adianta se posicionar condenando a invasão à Rússia e no dia antes o presidente e se solidarizar o país”, disse.
O especialista se refere a impasses diplomáticos que começaram antes mesmo da invasão, quando, em viagem à Rússia em fevereiro, Bolsonaro incomodou os EUA ao afirmar ser “solidário” à Rússia durante encontro com o presidente Vladimir Putin, no dia 16.
“Estou muito feliz e honrado pelo seu convite. Somos solidários à Rússia. Há muito a colaborar em várias áreas, Defesa, petróleo e gás, agricultura, e as reuniões estão acontecendo”, disse Bolsonaro no Kremlim, no dia 16 de fevereiro.
Depois, durante declaração a imprensa também ao lado do presidente russo, Bolsonaro fez um ajuste, dizendo ser solidário a “todos aqueles países que querem e se empenham pela paz”.
A atitude do presidente com a Rússia foi repreendida pela Casa Branca por meio de uma mensagem dura, que deixou diplomatas brasileiro desconcertados.
Os EUA tinham expectativas de que a própria viagem fosse desmarcada, mas Bolsonaro insistiu na visita, alegando a necessidade de fortalecimento de relações comerciais.
Para Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da FGV, a visita foi um ato de desespero. “Dentre os relevantes do sistema internacional, só sobrou a Rússia de países que poderiam manter boa relação do Brasil”, disse.
O professor considera que a política externa brasileira se isolou sistematicamente de seus maiores aliados nos últimos três anos e que a aproximação de Bolsonaro com a Rússia tem fins meramente eleitorais.
Isolado do mundo?
O governo Bolsonaro conseguiu se distanciar dos EUA e da Argentina ao apoiar nas eleições de cada país, respectivamente, Donald Trump e Mauricio Macri, alinhados à direita.
Trump perdeu para Joe Biden, um democrata, e Macri perdeu para a chapa Fernández-Kirchner, de centro-esquerda.
Para Thiago Bessimo, mestre pela Universidade de Pequim e fundador do think tank Observa China, as atitudes do presidente também conseguiram distanciar o Brasil da nação chinesa.
Além da visita a Taiwan, território considerado pela China como uma província rebelde, o presidente comprou briga com o país por mais de uma vez por conta da pandemia da Covid-19.
Tanto Bolsonaro como membros e aliados do governo proferiram diversas alegações xenofóbicas e acusatórias ao país no que se referia à propagação do vírus, repetidamente chamado de “vírus chinês”, e à produção de vacinas.
Por mais de uma vez, o então embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, respondeu às acusações de forma contundente, inclusive direcionando críticas a um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
“A estratégia da China referente ao Brasil é simplesmente esperar o Bolsonaro sair”, diz Bessimo.
O fator Lula
Casarões avalia que se Bolsonaro não se aproximasse da Rússia antes da eleição, não teria “nada em matéria de política externa”.
“E para o eleitor médio, política externa nem é tão importante, a menos que o seu principal concorrente seja o Lula“, afirma.
O professor da FGV pontua que o ex-presidente sempre foi tido como um forte articulador internacional, e que poderia usar isso a seu favor nas urnas.
“Assim que Bolsonaro retornou de sua viagem ao encontro do G20 em novembro de 2021, onde passou vergonha, Lula foi ao exterior e foi recebido como chefe de estado”.
Na ocasião, o petista fez uma “turnê” pela Europa e foi recebido por líderes como Emmanuel Macron, presidente da França e Olaf Scholz, atual primeiro ministro da Alemanha.
Segundo Lula, o objetivo da viagem era “restabelecer a credibilidade do Brasil no exterior e mostrar que o país é infinitamente melhor do que o atual governo”.