Bolsonaro foi abandonado pela Faria Lima, às vésperas do 1º turno?
Às vésperas das eleições e com um cenário cristalizado de polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT), gestores de ações seguem apostando no pragmatismo, ao contrário do praticamente unânime apoio ao capitão reformado do Exército em 2018.
A posição também contrasta com a militância de investidores pessoa física nas redes sociais. Gestores ouvidos pelo Money Times projetam cenários em que seria possível ganhar com a reeleição de Bolsonaro e também com a vitória do líder petista.
A postura é adotada em um momento em que, a menos de duas semanas para as votações do primeiro turno, as pesquisas dão como praticamente descartada a viabilidade de um terceiro candidato – o que era almejado pelo mercado até poucos meses atrás.
A questão que segue é a de como o próximo governo lidará com as contas públicas, disseram gestores. Nesse sentido, a atual política de Bolsonaro é bem vista, enquanto a sinalização de quem será o próximo ministro da Economia em um eventual governo Lula é avaliada como essencial para ditar tomadas de decisão.
No começo da semana, Lula ganhou mais um ponto com a Faria Lima ao receber o apoio do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. A notícia contribuiu para que a Bolsa disparasse mais de 2% em um dia, na contramão de Wall Street. Em entrevista exclusiva ao Money Times, contudo, Meirelles desconversou sobre sua presença em um eventual ministério de Lula.
Lá fora Lula, aqui Bolsonaro
A postura de pragmatismo é reiterada sobretudo pelos estrangeiros, mais imunes ao debate ideológico que tomou conta do país desde 2013.
Os investidores internacionais não alocam recursos pensando se o candidato A ou B vencerá. Como regra geral, eles aplicam na Bolsa brasileira devido às características dos papéis que julgam atrativos – e apesar das eleições.
Os estrangeiros buscam ações baratas em um momento em que outras economias emergentes apresentam uma incerteza maior que a do Brasil, disse um gestor.
Até 20 de agosto, o estrangeiro aportou R$ 70,19 bilhões na Bolsa brasileira em 2022, segundo dados da B3. No mês, o saldo é positivo em R$ 41,9 milhões.
“Partindo do princípio de que eles (estrangeiros) estão colocando dinheiro aqui, isso já indica que eles não estão com receio do Lula”, afirmou um gestor que pediu para não se identificar. “Não acredito nessas teorias de conspiração [de que o ex-presidente faria um governo de extrema esquerda]”.
Um outro gestor fala na possibilidade de incentivos aos setores de construção e educacional impulsionarem determinados papéis. Para Fabio Kanczuk, da ASA Investments e ex-BC, o estrangeiro tende a preferir Lula, enquanto o doméstico prefere Bolsonaro.
Segundo ele, em entrevista à Bloomberg, as pautas ESG e da Amazônia de um eventual governo petista agradariam o investidor internacional, enquanto o atual presidente teria mais apoio no setor privado local pela política de redução do Estado.
Outro gestor, que também pediu para não ser identificado, disse que a Faria Lima está “dividida”, embora o mercado já conheça os dois candidatos – o que, de certa forma, diminui a incerteza. “Se for Lula ou Bolsonaro, o mercado gosta”.
Resistências a Lula
Para um dos gestores que conversaram com a reportagem, existe uma “falsa ideia” do possível resultado das eleições causada pelas pesquisas de intenção de voto.
“Claramente o mercado financeiro não está vendo o Lula com tanta vantagem assim”, argumentou um gestor com menos de R$ 1 bilhão em ativos sob gestão.
Ele ecoa a visão de Bolsonaro de que as pesquisas não refletem a realidade e o resultado do primeiro turno “pode surpreender”. “Eu sinceramente não acredito em pesquisa nenhuma”, disse.
“Não acho que o Lula está na frente. E eu opero no mercado”, pontuou. “Você vai falar com os caras nos bancos, como os tesoureiros, e vê que eles não acham que o Lula está na frente”.
Ele disse ainda que não existe um “Lula moderado”. “Eu acho que, se de fato acontecer algo nessa linha [vitória de Lula], o humor [da Bolsa] muda rápido”, disse. Para ele, a vitória do ex-presidente seria uma “catástrofe”. “Não tem Lula precificado hoje no mercado”, afirmou.
Estatais blindadas
Mesmo com a possibilidade de vitória de Lula ou Bolsonaro, as ações das estatais brilharam neste ano. Petrobras (PETR4) salta mais de 60% e Banco do Brasil (BBSA3) dispara 51% em 2022.
Os motivos são praticamente os mesmos: resultados estelares, recheados de gordos dividendos.
Apesar das ameaças constantes do ex-presidente Lula, que já classificou o lucro do BB como de “um banco privado”, além do histórico intervencionista de Bolsonaro, que trocou quatro vezes o CEO da Petrobras, gestores continuam segurando as empresas nas carteiras.
“O mercado tem um pessimismo enorme com a vitória do Lula, mas Lula não é Dilma“, disse Leonardo Rufino, da Mantaro Capital. Para ele, a realidade das gestões de estatais “certamente” será pior com o líder petista do que é agora. “Mas a gente não vê irracionalidade”.
“As empresas estão com preços absurdos. A Petrobras gera muito caixa. Para o governo destruir a Petrobras, teria que agir rapidamente, porque hoje a assimetria é brutal”, argumentou.
Segundo Rufino, a ingerência sobre as empresas foi reduzida e desmantelar a Lei das Estatais poderia “dar trabalho” para um governo intervencionista.
O gestor ainda ponderou que Lula não é “chegado a arroubos”. “Se fosse Ciro que estivesse na frente, as ações [das estatais] estariam lá embaixo”, completou. “A gente espera sensatez [do Lula]”.
Bruno Di Giacomo, da Nero Investimentos, guarda mais pessimismo e afirma que investir em estatais seria apostar na vitória de algum candidato. “Estamos fora de jogo”, disse
“Não vai ter golpe”
Outro ponto de preocupação do mercado é uma possível reação negativa de Bolsonaro, caso seja derrotado. Como se sabe, o ex-capitão vem levantando dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral e já sinalizou que pode não reconhecer a vitória de seu maior adversário.
Neste cenário, agentes do mercado temem um movimento semelhante à invasão ao Capitólio nos Estados Unidos. Na visão do gestor da Mantaro, no entanto, é improvável que uma eventual judicialização do resultado eleitoral impacte a Bolsa. “Para achar que vai fazer preço, teria que acreditar que haveria ruptura institucional”, comentou.
O gestor ponderou que há preocupação externa com o tema, mas disse que não parece haver apoio do establishment para uma tentativa de deslegitimar as eleições. “Mas claro que pode ficar um país dividido”.
Em carta mensal enviada para clientes, a gestora Garde citou o risco institucional e disse que, em menor escala, os diversos ruídos em relação ao processo eleitoral englobam o “atrito” entre Bolsonaro e ministros do STF, um clima polarizado entre apoiadores e o questionamento dos resultados das eleições.
“Ainda que consideremos que o agravamento desses ruídos seja improvável, temos notado preocupações em parte do mercado com possibilidade de intensificação dos embates e, inclusive, um evento nos moldes do que ocorreu na invasão do Capitólio nos EUA, no início de 2021”, disse.
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